sexta-feira, 29 de julho de 2011

CRISE AMERICANA - Obama: o "default day"

Obama: o ''Default Day'' e a maldição do terceiro ano


No coração deste possível Dia D ao contrário, o 2 de agosto do possível "Default Day" [dia do calote] norte-americano, está o drama de um homem que ainda busca a si mesmo depois de três anos de se tornar presidente: Barack Obama. Não conseguindo vencer o ataque, nem a contra-atacar nem a se definir com clareza, Obama é obrigado a se encerrar na arma final, no veto, como fez ontem, assustando os mercados já agitados.

A reportagem é de Vittorio Zucconi, publicada no jornal La Repubblica, 27-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Sobre ele, agravada por essa crise global da economia e das finanças, pesa a maldição do terceiro ano que atinge quase todos os presidentes norte-americanos. Dela, foram vítimas Reagan, Bush pai, Clinton e tragicamente John F. Kennedy, assassinado justamente no seu terceiro ano de presidência. É o momento em que as luas de mel já estão azedas há algum tempo, em que o Parlamento mudou frequentemente de sinal político nas eleições do meio turno, em que as promessas murcharam na realidade cotidiana, e a novidade do personagem – portanto, o seu carisma – se consumiu, enquanto já incumbe a campanha eleitoral para a reeleição.

Mas se as discórdias e as rixas são mais a normalidade do que a exceção na capital do agora "Império Frágil" – mesmo que não cheguem aos excessos ideológicos de grupos como o Tea Party –, nenhum dos antecessores de Obama jamais teve que se deparar com a possibilidade de ver em risco a credibilidade financeira da primeira potência econômica mundial.

Por isso, o apelo de surpresa lançado na segunda-feira à noite à nação em "horário nobre", no início da noite, e o novo anúncio de "veto" à solução proposta pelos republicanos haviam sido pensados para ser sinais de uma liderança forte. Mas, ao contrário, deixam a sensação de um crescente desespero. O Default da dívida seria o Default de Obama.

Um "truque", uma "saída" para frear o dólar e os Estados Unidos à beira do precipício serão encontrados, como prometem até mesmo os adversários de Obama, que sabem como jogar roleta-russa com a vida dos cidadãos sob os olhos do mundo e como parecem pensar os cerca de 65% de operadores financeiros que não acreditam no Apocalipse anunciado muitas vezes pelo próprio presidente. Mas o drama político que foi criado artificial e deliberadamente pela oposição, em torno de um evento de rotina como o aumento do teto da dívida, que o Congresso sempre havia votado (18 vezes apenas com Reagan, sete com Bush pai na Casa Branca), sem um gemido, sobreviverá à sua solução temporária. Deixará todas as dúvidas, as desilusões e as perguntas sobre a qualidade e a natureza da presidência Obama.

Também na ocasião desse duelo com a maioria republicana e o núcleo radioativo do Tea Party, tem sido difícil entrever quem é, o que quer, como pretende se mover hoje e no futuro o presidente. Grande inovador um dia ("Change!", mudança, exclamava o seu slogan) e cauto continuador das políticas do antecessor Bush no dia seguinte, reformista de manhã com magníficos programas para a saúde nacional e conservador à noite na instintiva busca do compromisso desorganizado por baixo, Obama conseguiu parecer sempre muito ideologicamente rígido aos olhos de quem o detestava e sempre muito acomodante aos olhos de que os adorava.

Parecia um Kennedy negro na retórica, depois um Clinton na astúcia manipuladora, depois um Carter bondoso no discurso do Cairo, depois um Bush belicista na guerra até a execução de Bin Laden. E, na segunda-feira à noite, tentou uma nova reencarnação, lançando um apelo por cima da cabeça do Parlamento rebelde diretamente ao povo norte-americano para que se mobilize, que era a fórmula cara a Ronald Reagan, sempre obrigado a se virar com um Congresso hostil.

Nos dias da discussão sobre o compromisso para a dívida, os impostos, os cortes, ele passou da paciência de Jó sempre exigida a todo chefe de um governo democrático por acessos de raiva, saídas de cena batendo a porta, bruscas convocações no seu escritório de líderes parlamentares e também bruscas demissões, que fizeram com que um comentarista especialista e moderado como George Will, no Washington Post, falar de tantrum, de caprichos de criança. O seu doloroso espanto diante da obstinação da poderosa minoria do Tea Party, os deputados de direita eleitos com o solene juramento de não aumentar nenhum imposto e de cortar os gastos públicos, hoje o rabo que abana o cachorro da oposição, deixou muitos intrigados.

Como se um presidente, um político de profissão, um advogado com títulos brilhantes, não houvesse entendido que "os extremistas fazem os extremistas, é o seu trabalho, como na parábola da rã e do escorpião", disse David Gergen, antigo navegador de muitos governos.

Obama, depois de três anos, é um prisioneiro da sua imagem. Ele vive no limbo entre a entusiasmante novidade revolucionária da sua própria pessoa e a banalidade deprimente da sua própria administração. É uma ilusão pensar que a pessoa corresponda com a ação, mas é a ilusão sobre a qual se vencem as eleições, na qual, a seu próprio risco e perigo, muitas vezes caem também aqueles que a criam.

Porém, ele deveria saber, justamente ele, que na sua própria vida sempre foi o homem dos compromissos e da mediação, que, para mediar e produzir um compromisso, é preciso estar em dois. Ele foi, portanto, "ingênuo", uma acusação pesada, escreve a mídia, pior "arrogante", ataca o Wall Street Journal de Murdoch. Ele colocou em evidência o defeito que já havia sido intuído na campanha eleitoral: a convicção de que a retidão das suas próprias teses deve, por força, prevalecer no debate e que os adversários sejam, antes ou depois, obrigados a reconhecer a validade dos seus argumentos.

"Como podemos pedir sacrifícios a quem tem menos para sanar as nossas contas, enquanto não pedimos nada a quem tem mais?", perguntou-se no seu discurso à nação, citando, justamente, Reagan, a sua última metamorfose. Parece óbvio, parece lógico, parece justo, e o é, dizer que, no momento em que se pede aos idosos, aos mais pobres, aos seus próprios eleitores que renunciem a qualquer fragmento da sua própria existência para salvar a pátria, aqueles que ganham mais de 250 mil dólares, os financiadores milionários dos hedge funds especulativos que pagam alíquotas fiscais mais baixas do que as suas secretárias ou o Big Oil que está acumulando lucros monstruosos devem jogar um chip no prato. Mas o óbvio, a lógica e a justiça jamais obtêm votos suficientes em um Parlamento onde triunfa a lei da sobrevivência eleitoral e da pureza ideológica.

O próximo dia 4 de agosto será o dia do seu 50º aniversário, que ele certamente gostaria de celebrar de uma forma muito diferente da que o espera. O "truque" técnico para evitar à América a humilhação do D-Day, do Default Day – ou também do primeiro rebaixamento do voto de confiança, o rating, por parte das agências de análise como a Standard & Poor's – provavelmente será encontrado. Mas a solução temporária será construída, senão contra ele, sem ele, garantindo que no próximo ano, na estrada das eleições, o mesmo problema, as mesmas armadilhas lhe serão reapresentadas. À espera que Obama, e ninguém mais, consiga responder à pergunta-chave do terceiro ano: quem é, verdadeiramente, Barack Obama?

Fonte:IHU

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