Entidades internacionais pedem ao G20 fim de sigilo em paraísos fiscais.
Marcela Rocha
Mais de 50 entidades internacionais iniciaram campanha pelo fim do sigilo oferecido em paraísos fiscais. No Brasil, a iniciativa teve início nesta terça-feira (26) e, segundo o grupo organizador, o intuito é inibir os artifícios usados por empresas para burlar a tributação, principalmente em países em desenvolvimento. Entre essas manobras, está o envio de lucro não declarado para paraísos fiscais, onde o sigilo dos investidores é preservado.
A ação prevê a coleta de assinaturas e a entrega de um documento ao G20, pedindo medidas para requerer a publicação do lucro das empresas, obrigando o pagamento dos devidos impostos. Acabando, assim, com os artifícios usados para sonegação: o sigilo oferecido pelos paraísos fiscais.
Em relatório assinado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), ONG que organiza a ação no Brasil, levantamentos são usados para apontar o rombo deixado em Estados, vítimas da sonegação fiscal, como o Brasil. Segundo o assessor político da entidade Lucídio Bicalho, a sonegação representa 9% do Produto Interno Bruto Brasileiro em 2009.
Pesquisa recente da "Global Financial Integrity", usada no relatório do Inesc, calcula que os fluxos de dinheiro ilícito de países em desenvolvimento estavam entre U$$ 1,26 trilhão a US$ 1,44 trilhão em 2008.
No mesmo levantamento, o fluxo financeiro ilegal estimado para o Brasil foi US$ 23,5 bilhões acumulados de 2000 a 2008 ou uma média anual de US$ 2,6 bilhões. Ainda ao longo deste período, o maior fluxo financeiro ilícito foi da China (US$2,18 trilhões), seguida pela Rússia (US$427 bilhões).
Para o cientista político, há uma cultura brasileira de que "pagar tributos é ruim". Isto porque, diz ele, os serviços oferecidos pelo Estado estão aquém das contribuições feitas pela sociedade. "Como temos aqui o desperdício, a corrupção, a baixa qualidade dos serviços públicos ofertados, a população tem o sentimento de que se paga mais do que se recebe, o que é verdade", explicou Bicalho.
Um dos conselheiros do Inesc se reunirá em setembro com três ministros para tentar convencer o Planalto a aderir a causa. Conforme explica Bicalho, a ONG espera que o Brasil leve o tema à reunião do G20, em novembro, na França.
Leia mais:
Terra Magazine - Qual é o objetivo da campanha?
Lucídio Bicalho - O Inesc e mais de 50 organizações internacionais, que trabalham há muito tempo com o tema da justiça fiscal, estão nesta campanha para combater a agressividade da carga tributária em países pobres, ou seja, a concentração de tributos indiretos onde os pobres pagam mais do que os ricos. Defendemos uma carga tributária direta, as pessoas que podem pagar mais, paguem. O objetivo desta campanha é levar as assinaturas à reunião do G20 para pressionar politicamente os líderes mundiais pelo fim do sigilo de contas em paraísos fiscais.
Essa é uma exigência muito complicada, não? Da mesma forma que há dinheiro de origem ilícita há, também, de origem lícita nesses paraísos?
Queremos que haja troca de informação entre os bancos, não que o nome das pessoas seja publicado, aberto indiscriminadamente. Já há em andamento grupo de trabalho na OCDE que vai nessa direção. Buscam assinaturas de acordos de jurisdições, tratados e acordos a respeito deste sistema financeiro.
Vocês fizeram uma pesquisa a respeito do tema. Quando ela foi concluída? E quanto representa para o Brasil o dinheiro sonegado?
Ficou pronta essa semana. Segundo estimativa do Instituto de Estudos Tributários, a sonegação de empresas e pessoas físicas representam 9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009.
Há, nessa pesquisa, um levantamento do que leva pessoas jurídicas ou físicas a sonegarem? Você acredita que a alta carga tributária brasileira estimule esse comportamento?
Acredito que seja uma questão cultural. As pessoas e empresas entendem que pagar tributos é sempre ruim e não é costume olhar pelo prisma de quem será beneficiado pelos tributos pagos. Os bens públicos ofertados pelo Estado, e que não são ofertados pela iniciativa privada, são pagos com esses tributos, como a segurança pública e saúde universal. Essa cultura de que tributos são ruins deveria ser a primeira a ser combatida. A carga tributária brasileira não é excessiva, não é isso que estimula a sonegação.
A cultura da corrupção é que incentiva essa cultura da sonegação, não?
Sim. Como temos aqui o desperdício, a corrupção, a baixa qualidade dos serviços públicos ofertados, a população tem o sentimento de que se paga mais do que se recebe, o que é verdade.
Voltando à campanha, quantos paraísos fiscais são considerados pelo Brasil?
Só que a Receita Federal brasileira considera, são mais de 50 paraísos fiscais. A Receita classifica os paraísos fiscais de 'Países ou Dependências com Tributação Favorecida' - um eufemismo.
Nem todo dinheiro que vai para os paraísos fiscais é ilegal. Como é feita essa diferenciação?
Existem empresas que usam os paraísos fiscais como uma estratégia tributária. Todos os grandes bancos do mundo têm uma agência nesses paraísos porque as empresa usam essas agências para intermediar investimentos financeiros no mundo inteiro. O Banco Central dividiu o investimento brasileiro no exterior em duas categorias: empréstimo inter-companhia (empresas que emprestam dinheiro para sedes em outros países) e a compra de ações. Sobre o investimento empréstimo inter-companhia: Saiu do Brasil para as Ilhas Cayman, entre 2007 e 2009, US$ 90 bilhões, valor 28 vezes maior do que o enviado aos EUA. E é claro que estamos partindo do princípio de que se esse dinheiro está passando pelo Banco Central ele é legal.
Independentemente de passar pelo BC ou não, é aceito pela lei uma empresa deixar de pagar tributos ao Brasil, país onde essa empresa está atuando?
Quando é feito dentro do BC, pode ser considerado legal, mas passa a ser imoral e ilegítimo, né? As empresas usufruem dos bens públicos oferecidos por uma sociedade, toda a legislação, a infraestrutura, mas não querem contribuir com a parcela que deveriam contribuir. Nesse sentido, ainda que revestido de legalidade, é imoral.
E o ilegal? Como é reconhecido? As remessas são mais de dinheiro ilegal ou legal?
É mais de dinheiro com aura de legalidade. Mesmo que passe pelo BC, a origem pode ser fruto de lucros não declarados, corrupção, tráfico, todo e qualquer dinheiro ilegal vai se esconder em contas secretas.
Como as potências globais reagem ao pedido de fim de sigilo?
Países mais ricos apóiam essa diretriz de acabar com o sigilo não só por conta da crise de 2008, mas também porque grande parte do dinheiro de terrorismo circula por paraísos fiscais e os donos não são mapeados por conta do sigilo.
Só o fim do sigilo adianta? A tributação continuaria baixa em paraísos fiscais.
É, fato, a tributação continuaria baixa. Só o sigilo, de fato, não adianta, mas é um primeiro passo para inibir que dinheiro sonegado em um país seja enviado para os paraísos sem que haja alguma punição. A partir do momento em que o dono do dinheiro é conhecido, pode-se enviar as informações para os países-destino e as medidas cabíveis podem ser tomadas, inclusive rastrear o dinheiro ilegal. Mas você tem razão, o paraíso fiscal não acaba. No entanto o anonimato pode inibir.
Está previsto alguma reunião com o Planalto?
Sim, em setembro um dos integrantes do colegiado de gestão do Inesc, José Morone, vai se reunir com o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, do qual ele também faz parte. Ele vai levar a campanha à Presidência, representada por três ministros, ainda a serem definidos. O intuito é tentar dar densidade política a essa reivindicação, tentando que o Brasil leve essa pauta consigo na reunião do G20.
Quanto de capital ilegal circula pelo mundo?
Em pesquisa recente, a 'Global Financial Integrity' calcula que os fluxos de dinheiro ilícito de países em desenvolvimento estavam entre U$$ 1,26 trilhão a US$ 1,44 trilhão em 2008. Na mesma pesquisa o fluxo financeiro ilegal estimado para o Brasil foi US$ 23,5 bilhões acumulados de 2000 a 2008 ou uma média anual de US$ 2,6 bilhões. Ainda ao longo deste período, o maior fluxo financeiro ilícito foi da China (US$2,18 trilhões), seguida pela Rússia (US$427 bilhões).
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