sexta-feira, 22 de julho de 2011

ECONOMIA - O exemplo da Argentina.

Argentina mostra o caminho da moratória para a Grécia.

Os acordos buscados pela União Europeia junto aos países da periferia do euro seriam apenas para facilitar a saída de capitais.


Esquerda.net, de Paris


Especialistas da Argentina, que em 2001 se declarou em default (insolvência) e agora desfruta de uma longa bonança, afirmam que já passou para a Grécia o tempo do ajuste fiscal e das reduções de gastos e que é urgente uma reestruturação da sua elevada dívida.


“Quando uma dívida é impagável já não há plano de austeridade que dê jeito”, disse à IPS o economista-chefe da consultoria Orlando Ferreres e Associados, Fausto Spotorno.


Os economistas locais ouvidos pela IPS garantem que os gregos não têm problema de liquidez, que pode ser resolvido com mais empréstimos, mas de solvência e, por isso, é necessário agir rápido e com apoio internacional para refinanciar seu passivo.


“O ajuste serviria para a Espanha, que está em uma etapa prévia”, disse, dando como exemplo outro dos 27 países-membros da União Europeia (UE), que também tem o euro como moeda comum. No caso da Grécia, o economista vê que a reestruturação da dívida já é um recurso “irremediável” e, para que seja menos traumático e mais eficiente do que foi na Argentina, recomendou fazê-lo sem demora e com apoio dos credores. Explicação igual foi dada à IPS pelo economista Ramiro Castiñeira, da consultoria Econométrica.


“A Grécia está em quebra, não é que tenha problemas de liquidez. Tentar corrigir agora desequilíbrios fiscais não serve para nada além de ganhar tempo em benefício dos credores”, afirmou. Tanto Castiñeira quanto Spotorno reconheceram que, com as dilações da UE, o que se tenta “é salvar os bancos, não os gregos”. Os resgates não objetivam reativar a economia, mas financiar a saída de capitais, alertaram.


Também o economista Roberto Lavagna afirmou que “a perda de competitividade sistêmica de uma economia não se acerta com mais empréstimos”. A Grécia deve avançar em uma reestruturação de seus compromissos financeiros, “sem quitação e com métodos menos custosos e mais eficientes” do que os improvisados pela Argentina em seu momento, aconselha Lavagna, responsável pela primeira reestruturação de dívida de seu país como ministro da Economia do governo de Néstor Kirchner (2003-2007), falecido em outubro do ano passado.


Ao comparar os dois casos, Lavagna disse que o que se assemelha são as receitas propostas para sair da encruzilhada. “O FMI, a Alemanha e o Banco Central Europeu confundem crise de solvência com crise de liquidez”, alertou em uma coluna jornalística intitulada “Argentina 2001. Grécia 2011”. O governo argentino declarou suspensão de pagamentos da dívida em dezembro de 2001, após três anos de recessão, aumento constante do desemprego e da consequente pobreza, e com um déficit fiscal cada vez maior, que procurou amortizar com a tomada de mais obrigações financeiras.


Os resgates do FMI, por meio de créditos stand by e desembolsos diretos cada vez maiores, não solucionaram nada. Nesse contexto, o governo do então presidente Fernando de la Rúa proibiu a saída de depósitos dos bancos, que ocorria por causa da desconfiança generalizada e crescente dos clientes. A crise econômico-financeira derivou em revolta social e De la Rúa renunciou e abandonou a sede de governo em um helicóptero, quando havia cumprido apenas metade de seu mandato, após ordenar uma feroz repressão policial que deixou 38 mortos.


Nesse mesmo mês, seu sucessor institucional Alberto Rodríguez Sá, declarou em seu mandato de uma semana a suspensão de pagamento da dívida e poucos dias depois ordenou a desvalorização do peso, que por dez anos esteve regido por uma lei de conversão que fixava um peso em um dólar. Com a suspensão de pagamentos e a depreciação do peso, que melhorou a competitividade de seus produtos de exportação, a Argentina iniciou um processo que a faria sair rapidamente do fundo do poço.


O colapso, por exemplo, fez com que em 2002 o produto interno bruto, já em queda nos três anos anteriores, caísse 11% e a pobreza afetasse mais de 50% dos 38 milhões de argentinos na época. Contudo, 2002 foi o último ano crítico. Depois, as exportações começaram a aumentar e o crescimento econômico foi de 8% ao ano, em média, até 2009, quando a crise global, nascida um ano antes nos Estados Unidos, afetou esse indicador até marcar um aumento do PIB esse ano abaixo de 1%.


A partir de 2010 voltou a bonança, para seguir no caminho de alta, e para este ano se projeta crescimento de 8,3%, o segundo maior da região depois do Panamá, segundo o último informe divulgado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Para reestruturar sua dívida, a Argentina demorou quatro anos. A primeira reprogramação foi encarada pelo governo Kirchner em 2005, quando se propôs a trocar US$81,8 mil milhões dos US$181 mil milhões em títulos do Tesouro que possuía nesse momento.


Os portadores desses bônus não cobravam desde 2001. Havia 178 séries emitidas em 14 moedas diferentes que estavam em mãos de instituições e pessoas espalhadas por todo o mundo, muitas delas poupadores de pequena escala atraídos pelas altas taxas de juros que a crise havia gerado. Foi proposto substituir esses títulos não pagos por outros três tipos de papéis de maior prazo, em alguns de até 42 anos, e em outros com pagamento de 66% do valor nominal. A aceitação dessa iniciativa foi de 76% do total, isto é, foram trocados US$62,2 mil milhões


Nesse mesmo ano de 2005, Kirchner pagou tudo o que seu país devia ao FMI utilizando reservas de divisas que já estavam em franca recuperação, devido a uma política expressa nesse sentido, favorecida pelo ciclo de alta dos preços internacionais de grãos, carnes e alimentos. A viúva e sua sucessora, a atual presidente Cristina Fernández, reabriu em 2010 a troca para os portadores de bônus no total de US$20 mil milhões que não haviam concordado que entrassem na primeira rodada. Nessa operação entraram US$12,6 mil milhões.


Agora, resta apenas o refinanciamento do passivo com o Clube de Paris, grupo de países industrializados que empresta ao mundo em desenvolvimento, que está em processo de discussão sobre o valor dos juros da dívida e os prazos.


“A Argentina demorou muito entre a declaração de default e a reestruturação, e também o fez a ‘trombadas’, sem apoio do FMI”, disse Spotorno. De fato, dez anos depois ainda não conseguiu voltar aos mercados voluntários de dívida soberana.


Nesse sentido, os economistas consideram que foi menos traumática a experiência do Uruguai, cuja economia também entrou em colapso por efeito da crise argentina e por culpas próprias. O pequeno país vizinho reestruturou seu passivo de US$11 bilhões em 2003, sem quitação nominal, com refinanciamento de prazos e apoio do FMI.


Entretanto, também admitem que o problema é de escala. O volume da dívida da Grécia como porcentagem de seu produto e o nível de seu déficit fiscal são indicadores que tornam a situação desse país muito mais difícil de manejar em comparação com Argentina e Uruguai. Para ilustrar, basta uma só comparação. A dívida argentina representava, no momento do colapso, 60% de seu PIB, enquanto para a Grécia o valor dos passivos já passa de 150% do PIB.


Os especialistas também analisaram a saída argentina do regime de conversibilidade e de desvalorização. Esse abandono serviu para uma reativação econômica mais rápida mediante um aumento de exportações e entrada de divisas.


“Na Grécia não se pode desvalorizar (por pertencer à zona do euro). Sair dessa moeda para voltar ao drama poderia ter custos enormes, ou seja, é preciso ser muito mais eficiente na reestruturação da dívida”, aconselhou Spotorno.


Via Correio do Brasil

Nenhum comentário: