Entrevista com Vito Miracapillo
"Vou voltar para a Diocese de Palmares. Quanto à paróquia, é o bispo quem vai decidir", afirma o padre ao retornar ao Brasil.
Confira a entrevista.
Expulso do país há 30 anos com a acusação de ter se recusado a celebrar uma missa em homenagem ao Dia da Independência, o padre italiano Vito Miracapillo está de volta ao Brasil, disposto a reassumir a Diocese de Palmares, em Pernambuco. Enquanto resolvia os trâmites para garantir sua permanência no país, ele aceitou conceder a entrevista a seguir por e-mail, em que esclarece quais foram as razões que deram origem a sua expulsão. “Os verdadeiros motivos que geraram a minha expulsão foram o trabalho pastoral que desenvolvia com o povo e o apoio que a paróquia ofereceu aos camponeses quanto ao direito à posse da terra na questão da Usina Caxangá”, afirma Miracapillo em entrevista, por email, concedida à IHU On-Line..
Depois de viver os últimos 30 anos na Itália, onde atuou como diretor da pastoral missionária diocesana, Miracapillo avalia que “com a passagem para a democracia, houve uma melhora na vida do povo e mudança no exercício do poder e nas estruturas públicas”. Em relação à ditadura militar, que perdurou no país de 1964 a 1985, e a abertura dos arquivos secretos, ele é enfático: “É necessário que o Brasil, assim como outros países já fizeram, tenha a coragem civil e democrática de conhecer, pelo respeito devido às vítimas, a seus familiares e às instituições do país, o que se passou naquele período histórico e faça triunfar aí a justiça”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor foi expulso do país há trinta anos por não aceitar celebrar uma missa em homenagem ao Dia da Independência. Lembra desse dia?
Vito Miracapillo – Lembro sim, mas aquela motivação só foi pretexto do poder e da ditadura, pois negamos uma missa imposta. No domingo, celebrei três missas pela Independência e não podia celebrar outra do jeito que queriam. Além disso, os verdadeiros motivos que geraram a minha expulsão foram o trabalho pastoral que desenvolvia com o povo e o apoio que a paróquia ofereceu aos camponeses quanto ao direito à posse da terra na questão da Usina Caxangá.
IHU On-Line – Como reagiu ao receber a notícia de que seria expulso do país? Qual foi seu sentimento? O senhor sofreu algum tipo de perseguição política?
Vito Miracapillo – Com muita serenidade, mesmo sofrendo, pois sabia que aquele era o preço a
pagar para a transformação da realidade da Zona da Mata Sul. O sentimento maior foi de compaixão pelo povo oprimido, empobrecido e excluído e por não podermos juntos continuar aquele trabalho de transformação pacífica, profunda e real que estávamos levando adiante com os colaboradores leigos, os grupos da paróquia e as comunidades do campo. A perseguição se deu pelo poder econômico da área, que, muito ante da missa imposta, estava preparando a minha expulsão junto com autoridades, capangas e soldados.
IHU On-Line – Como era a relação da Igreja com os militares no período ditatorial?
Vito Miracapillo – Muito crítica, principalmente depois da imposição ao país do estatuto dos estrangeiros, que visava a expulsão de missionários católicos e de refugiados políticos do cone sul da América Latina. Essa medida foi criticada por João Paulo II, quando visitou o país, em julho de 1980. Eu me tornei a primeira vítima.
IHU On-Line – Como a Igreja brasileira se posicionou em relação à sua expulsão do país?
Vito Miracapillo – Como um corpo só, unida e firme a meu favor. Junto com a Igreja, a grande maioria do povo brasileiro tomou posição contra a ditadura e me acompanhou com grande solidariedade até sair do país.
IHU On-Line – Como foi sua acolhida na Itália e como a Igreja italiana se posicionou diante do caso? Houve alguma repercussão internacional?
Vito Miracapillo – A acolhida na Itália foi em tom muito menor, porque por parte da Igreja temia-
se pelos outros padres que aqui trabalhavam e, por outro lado, os interesses econômicos existentes entre os dois países levou a silenciar o caso.
IHU On-Line – Hoje o Brasil é mais independente do que naquela época? Em que aspectos o Brasil continua dependente, e de quem?
Vito Miracapillo – A minha afirmação de que o povo não era independente não era em relação à
independência histórica do Brasil no conjunto das nações, mas sim no que se refere à situação de exclusão e opressão em que o povo vivia e à falta de respeito de seus direitos humanos, civis, trabalhistas.
IHU On-Line – Que atividades desenvolveu nos últimos 30 anos na Igreja italiana?
Vito Miracapillo – Desde que cheguei, o bispo me nomeou pároco e, sendo pároco, me nomeou também diretor da pastoral missionária diocesana. Do ano 2000 até hoje sou diretor da Pastoral Social Diocesana e do setor de Justiça e Paz, assim como do de Preservação do Meio Ambiente.
IHU On-Line – Quais as diferenças e aproximações entre a Igreja brasileira e a italiana?
Vito Miracapillo – As diferenças são mais devidas à extensão do território, ao número de operadores pastorais (padres, religiosos, freiras, pessoas engajadas), às estruturas e recursos econômicos, à cultura e ao tipo de sociedade do que à própria vida interna da Igreja. São muitas as afinidades existentes desde a liturgia até a vida da caridade.
IHU On-Line – O senhor acompanhou a situação política, econômica e social do Brasil ao longo desses 30 anos? Como analisa a posição política do Brasil em relação à ditadura militar e a resistência em abrir os arquivos históricos daquela época?
Vito Miracapillo – Por certo, com a passagem para a democracia, houve uma melhora na vida do povo e mudança no exercício do poder e nas estruturas públicas. Quanto à ditadura, é necessário que o Brasil, assim como outros países já fizeram, tenha a coragem civil e democrática de conhecer, pelo respeito devido às vítimas, a seus familiares e às instituições do país, o que se passou naquele período histórico e faça triunfar aí a justiça.
IHU On-Line – Como avalia a permanência de Severino Cavalcante no cenário político brasileiro ao longo desses 30 anos?
Vito Miracapillo – A avaliação pertence ao povo brasileiro e à sua educação política.
IHU On-Line – Como foi seu encontro com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB)?
Vito Miracapillo – Muito acolhedor e amigável. Um momento para agradecer a ajuda que deu para a revalidação de meu visto de permanência.
IHU On-Line – Qual sua expectativa ao retornar para o Brasil? Pretende reassumir a paróquia de Ribeirão, em Pernambuco?
Vito Miracapillo – Vou voltar para a Diocese de Palmares. Quanto à paróquia, é o bispo quem vai decidir.
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