Branco afrodescendente: as cotas para o jeitinho brasileiro no Itamaraty
by Marcos Sacramento
O
caso de Mathias de Souza Lima Abramovic, branco aprovado na segunda
fase do concurso do Itamaraty ao se declarar afrodescendente, foi uma
afronta à população negra. A julgar pela foto capturada do seu perfil no
facebook, ele não passou por situações comuns a pessoas de pele escura,
como ser convidado a usar o elevador de serviço em prédio bacana ou ser
chamado de macaco, negrinho, escurinho, crioulo, cabelo de bombril,
cabelo de assolam, negresco, urubu ou tição.
Mathias
aproveitou-se da regra do edital do concurso, que reserva 10% das vagas
até a primeira etapa aos que se declaram afrodescendentes. Esta é uma
das duas medidas afirmativas do Ministério das Relações Exteriores. A
outra é a Bolsa-Prêmio de Vocação para a Diplomacia, destinada a custear
estudos preparatórios para negros ou pardos interessados em entrar no
Itamaraty.
Embora
tímidas, são ações necessárias para deixar a diplomacia brasileira mais
parecida com a nossa sociedade, com diferentes matizes de pele, tipos
de cabelo e formatos de nariz. O ingresso de Mathias por via das cotas
não vai contribuir em nada para essa mudança.
Mas
há um toque bem brasileiro na atitude do candidato: o jeitinho. Não no
sentido de ser criativo, cordial, alegre, colorido, e sim no seu pior
aspecto, estampado em manias nacionais como parar carro em fila dupla ou
driblar os impostos.
Claro,
Mathias só fez isso porque a norma do concurso permite. Encheu-se de
esperteza e jogou de acordo com as regras. Por isso, o Ministério das
Relações Exteriores precisa reavaliar com urgência a regras das cotas
para que elas cumpram o papel de inclusão social. Da forma que estão e
com o êxito de Mathias no certame, as cotas viram atalhos para
espertalhões.
Essa
história me fez lembrar de uma situação da adolescência. Na época a
novela “Escrava Isaura” estava sendo reprisada. Inspirados por ela, uns
três moleques da rua, brancos, cantavam “lerê, lerê, lerê, lerê, lerê”
quando eu passava para ir à escola. Isso deve ter acontecido por três,
ou quatro vezes. Até onde sei, ninguém ali era fã de Dorival Caymmi.
Um
dia, no futebol, tirei satisfações. O mais novo deles deu a resposta:
“A gente só estava cantando, não era nada com você”. A discussão acabou
ali, pois não pude provar a ofensa. Mas continuei indignado. O aspirante
a diplomata agiu como esses garotos. Sem tirar o pé da legalidade, fez
uma bela de uma molecagem.
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