Tijolaço
Por: Miguel do Rosário
A morte de Luiz Gushiken representa o ponto final de uma existência coroada de vitórias, mas que teve de enfrentar, em seus últimos momentos, os inimigos mais terríveis do homem.
De um lado, o câncer, essa doença cuja principal característica é a forma lenta e cruel com que degrada e humilha o corpo humano.
De outro, a infâmia, que tanto mais tortura e corrói um espírito quanto maior sua nobreza.
Gushiken faleceu nesta sexta-feira, 13 de agosto de 2013, em São Paulo, após 12 anos combatendo um câncer de intestino.
Figura-chave em todas as eleições de Lula, Gushiken era um dos cérebros mais brilhantes do Partido dos Trabalhadores. Fundador do PT, sindicalista, deputado federal, coordenou as campanhas de Lula de 1989 e 1998, e foi o primeiro dirigente da Secom da era petista.
Gushiken sempre acreditou num diálogo democrático com a oposição, e pagou caro por um cavalheirismo quase inocente. Arrolado nas primeiras acusações do mensalão, o petista se viu no meio do mais escandaloso e atrevido (para citar a expressão de Gurgel) processo de difamação e calúnia já empreendido pela grande mídia contra quem ela considera seus inimigos ideológicos.
Depois de anos de tortura midiática, Gushiken foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal logo nas primeiras sessões do julgamento da Ação Penal 470.
Talvez o Brasil tenha que esperar alguns anos para descobrir que seus verdadeiros heróis políticos, os mais honrados, não eram aqueles incensados pela mídia.
Muitas vezes, as pessoas não entendem o fenômeno Lula. Como pode um ex-metalúrgico, de pouca instrução, ter conseguido vencer adversários tão poderosos e se tornar um dos estadistas mais admirados do mundo? E de maneira pacífica e democrática, sem levar adiante nenhuma dessas revoluções sangrentas que degeneram em décadas de instabilidade política?
Por trás dessa vitória, lá estava o “china”, demonstrando que a inteligência pode vencer poderosas máquinas eleitorais, desde que associada à disciplina e à integridade moral.
Talvez não esteja distante o dia em que os brasileiros saberão distinguir os personagens que não apenas lutaram contra a ditadura, mas que empreenderam uma batalha ainda mais complexa: a experiência concreta da democracia, com suas lutas intra-partidárias, suas eleições, e o equilíbrio sutil entre a busca da estabilidade política e a necessidade de romper com séculos de egoísmo e insensibilidade governamental.
A morte de Gushiken encerra um ciclo triste da história política contemporânea. Um período no qual a classe política e os partidos se encontravam totalmente vulneráveis a uma mídia que emergiu agigantada do processo de transição democrática.
A campanha de difamação contra Gushiken, da maneira que foi conduzida nos primeiros anos do escândalo do mensalão, teria dificuldades para se repetir hoje. As redes sociais e a blogosfera exerceriam um contraponto, e um quadro sólido como Gushiken poderia sair maior do que entrou.
A história se encarregará de reposicionar as coisas em seus devidos lugares.
Gushiken agora repousa longe das sujas e traiçoeiras lides da política. Afinal, como dizia Bashô, um dos maiores poetas do Japão: “de tempos em tempos / as nuvens dão um descanso / aos contempladores da lua.”
Por: Miguel do Rosário
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