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Em dez anos, só perdemos com o uso de transgênicos, afirma especialista
Em entrevista especial concedida à equipe de comunicação da 12ª Jornada
de Agroecologia, Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo e representante
do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) na Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio), avaliou as mudanças decorrentes do
uso de transgênicos na produção agrícola do Brasil.
Camilla Hoshino
Melgarejo desmitifica as promessas em relação ao aumento da
produção e diminuição do uso de agrotóxicos. Também fala sobre os
principais embates dentro da CTNBio, ressaltando o interesse comercial das empresas produtoras de semente nas pesquisas realizadas.
Confira a entrevista: Em
2013, completa-se dez anos da liberação do uso e cultivo dos
transgênicos no Brasil. Você poderia fazer um balanço deste cenário?
É
difícil interpretar o impacto desses dez anos, mas o que se pode
perceber é que os transgênicos são acompanhados de outras transformações
na agricultura. De um lado, nós temos uma substituição da base
produtiva, uma vez que não existe mais a multiplicidade de sementes que
tínhamos para cada espécie. As poucas sementes são predominantemente
transgênicas e os agricultores têm dificuldade de conseguir sementes não
transgênicas.
Podemos dizer que as sementes transgênicas,
transformadas, têm algumas características. Uma delas é permitir que as
sementes tomem um banho de veneno sem morrer. No entanto, é um veneno
que a semente absorve e circula dentro da planta. A planta carrega este
veneno, desde o grão de pólen até a ponta da raiz, estando presente nos
grãos que são colhidos.
Isto implica um risco para o consumidor,
pois, se o milho, a soja ou qualquer planta for colhida antes do
período de metabolização daquele veneno, ele vai para quem consome: para
o frango, para o porco e para o ser humano.
Então, temos
basicamente uma transformação na base da agricultura para plantas que,
ou são venenosas para os insetos em si, ou seja, plantas que possuem
proteínas inseticidas- as plantas Bt-, ou plantas que não morrem tomando
um banho de veneno e carregam ele para o consumidor. Isso transformou o
Brasil no principal consumidor mundial de agrotóxicos. O volume é de
quase seis litros por pessoa, anualmente. É um absurdo, é veneno na
comida.
Promessas não cumpridas A
produtividade não aumentou em função dos transgênicos, como se prometia.
Os ganhos de produtividade da agricultura decorrem dos ganhos de
produtividade que já existiam anteriormente aos transgênicos, pois há
uma coevolução das plantas com a natureza.
O que
acontece é que não se percebe isso claramente, porque não temos sementes
não transgênicas em volume suficiente para fazer essa comparação.
Quando uma planta não transgênica é transformada em transgênica para
poder tomar um banho de veneno sem morrer, ela não incorpora nenhuma vantagem
que a faça mais produtiva. No máximo, permite que uma planta não perca
parte da produtividade que ela poderia ter no ataque de insetos.
Dizer
que a transgenia reduz ou elimina a necessidade do inseticida também é
uma mentira, pois essas transformações transgênicas não matam todas as
pragas da lavoura. Estimulam que as pragas que não eram importantes se
tornem importantes, uma vez que as pragas que eram importantes
desaparecem. Criam pragas resistentes que não morrem com esse veneno,
com essas proteínas que estão dentro da planta. E criam plantas que não
morrem com esses herbicidas, então, exigem a aplicação de novos e
diferentes produtos químicos.
Efeito nocivo dos novos agrotóxicos
Os
novos e diferentes produtos que têm surgido estão piores e mais
perigosos que os anteriores. Nós estamos trocando a aplicação de
centenas de milhares de glifosato por outras centenas de milhares de
aplicação de litros de 2,4.D. A diferença é que o glifosato, mesmo com
os problemas que causa, é classificado como um produto de baixa
toxicidade. O 2,4D é de alta toxicidade. Ou seja, vamos passar a aplicar
um produto que é classificado pelas empresas de saúde como extremamente tóxico, graças à transgenia. Sem a transgenia nós não teríamos isso.
Em
dez anos, tivemos uma grande expansão no uso de venenos na agricultura.
Os ganhos de produtividade não são compatíveis com a substituição das
sementes que tínhamos pelas sementes transgênicas. Ou seja, perdemos com
isso. As vantagens
existem e são que os agricultores têm maior facilidade no trato das
lavouras. E as desvantagens são os riscos para a saúde da população, a
saúde dos agricultores, a saúde dos consumidores em geral.
Dentro deste contexto, qual tem sido o trabalho da CTNBio? A
função da CTNBio é avaliar o pedido que as empresas apresentam para
autorização do uso de plantio comercial para transgênicos no Brasil. A
CTNBio é uma comissão técnica, ela não teria como função dizer se pode
ser usado ou não, essa função deveria ser do governo e, por lei, é do
Conselho Nacional de Biossegurança.
A CTNBio avalia os pedidos
que as empresas encaminham, os estudos que as empresas produzem.
Portanto, a CTNBio avalia fundamentalmente os estudos feitos pelas
empresas, que dizem que os produtos são bons, que não fazem mal e que
são interessantes para o Brasil, concluindo, com base na opinião da
maioria dos membros, se aqueles estudos são suficientes ou não.
Até
o momento, na maior parte dos casos em que eu participei, o Ministério
da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do
Desenvolvimento Agrário têm dito que esses estudos não são suficientes,
que mais pesquisas são necessárias.
Mas outros membros da
CTNBio, representantes do Ministério da Agricultura, do Ministério da
Indústria e Comércio, do Ministério das Relações Exteriores, entre
outros, têm dito que os estudos produzidos pelas empresas são
suficientes. E como os estudos atestam que os transgênicos não causam
problemas, a CTNBio, por maioria, tem aprovado todos os pedidos que vem
entrando para a liberação dos transgênicos no Brasil.
Estudos insuficientes
É
preocupante, pois houve casos em que as empresas pediram autorização em
vários momentos diferentes. Por exemplo, houve estudos que foram
avaliados pelos membros da CTNBio e, em dezembro, decidiu-se que o
produto poderia ser comercializado no Brasil. A empresa relatou que o
produto passou a ser comercializado em janeiro. Como isso é possível?
Se
o plantio é autorizado hoje, a empresa deveria levar pelo menos uma
safra produzindo sementes para vender. É impossível vender de imediato,
no próximo mês. Só se houve produção durante os estudos, o que é ilegal.
Aqueles estudos teriam que ser realizados para produzir informações e
não sementes.
Não tenho o conhecimento disso, mas imagino que as
empresas confiam que os produtos serão aprovados e se preparam para
comercializá-lo. Elas têm confiança na decisão, porque acreditam que a
maior parte dos membros da CTNBo não têm duvidas em relação a
necessidade dessa tecnologia para o Brasil. Mesmo se representantes do
Ministério da Saúde, do Ministério do Meio Ambiente, sistematicamente,
peçam mais estudos - que não são encaminhados, porque a maioria
desconsidera esse pedido.
Quais têm sido os principais embates dentro da CTNBio? Os
principais embates dentro da CTNBio têm sido sobre as próprias regras
da CTNBio. Um dos focos do embate é que a CTNBio pede que todos os
estudos de deliberação comercial no Brasil tenham testes de pesquisa de
campo nos diversos biomas do país. Gostaríamos que isso fosse feito,
mas a exigência de estudos prévios, com canteiros experimentais em
todos os biomas nacionais, não é atendia.
Outro foco de embate é
que a CTNBio exige que se faça estudos de longo prazo, durante duas
gerações, com seres comendo esses produtos transgênicos. Mas esses
estudos também não são realizados.
Outro debate é que os membros
da CTNBio que pedem por mais estudos insistem que as pesquisas
nutricionais realizados para os transgênicos sejam feitas com as plantas
na forma como elas são criadas no mundo real. Se a planta foi
transformada para que ela tomasse um banho de veneno sem morrer, não faz
sentido testes nutricionais sem esse produto químico.
Porque não
existe, no mundo real, plantação de milho transgênico sem a aplicação
do veneno para o qual esse transgênico foi gerado. Mas, boa parte dos
testes apresentadas para a CTNBio de nutrição e de manifestação da sua
inocuidade para a saúde são realizados na ausência do agrotóxico. Nós
consideramos isso inadequado.
Este é um ponto forte de
controvérsia. Eles estão avaliando o impacto da proteína transgênica no
ser que a consome, mas exigimos que essa proteína seja acompanhada
daquilo que compõe o pacote tecnológico, pois ela não existe sozinha.
Nós avaliamos os estudos de segurança alimentar na ausência do pacote
tecnológico como um todo.
Outro problema é que as normas da
CTNBio exigem estudos com animais em gestação, pois um ser em formação é
mais frágil e um impacto sobre um bebê no útero só vai ser percebido
quando ele for um ser autônomo. Temos que ter estudos desde a gestação
até a fase adulta, estudos durante duas gerações ou em fase de gestação,
o que não foi feito com nenhum dos transgênicos liberados no Brasil,
embora a norma exija.
Decisão por maioria Mas
como as decisões são tomadas por votos de maioria, a minoria perde. Com
isso, as empresas têm a possibilidade de antecipar esse resultado de
tal forma que, até o momento, ainda não houve caso de não aprovação.
Existiram
apenas casos, como o do arroz transgênico, em que a empresa decidiu
tirar o produto de votação antes que ela acontecesse. Como no caso do
arroz transgênico, em que a Federação dos Produtores de Arroz,
interpretando corretamente que o mercado europeu não iria importar
aquele produto, fez pressão sobre a empresa e sobre o governo para que
ele não entrasse em pauta.
Se a pessoa voto sistematicamente a
favor de todos os estudos apresentados, aprovando-os, possivelmente ela
irá se posicionar favoravelmente na posição final de liberação
comercial.
Ou seja, quando a maior parte dos membros assume essa
posição nas preliminares, é de se esperar que eles sustentem essa
posição na votação principal. Com isso, podemos imaginar que, agora em
agosto, o Brasil terá milho e soja tolerante ao 2,4D comercial, porque
imaginamos que a maior parte dos membros se posicionará favoravelmente a
esse pedido, caso entre em votação.
Pesquisas recentes
da Universidade de Caen, na França, relacionaram a utilização de
agrotóxicos com o desenvolvimento de câncer em ratos. Qual foi a
repercussão desses estudos na CTNBio? As pesquisas foram
feitas com o milho NK603 da Monsanto, que é tolerante ao herbicida
glifosato. Foi publicado, em 2012, um estudo feito por Gilles-Eric
Séralini, professor de biologia molecular da Universidade de Caen.
O
estudo identificou que ratos alimentados com milho transgênico NK603,
na presença ou na ausência do herbicida glifosato apresentavam tumores
cancerígenos com muito maior frequência do que os ratos alimentados com
milho comum, não geneticamente modificado.
A discussão na CTNBio
foi acirrada, porque a maior parte dos membros consideraram os estudos
ruins, inadequados. Esses membros apresentaram os mesmos argumentos que a
Monsanto utilizou quando criticou os estudos do pesquisador francês.
Disseram que o pesquisador francês não deveria ter usado aquele tipo de
rato, pois é um rato muito sujeito ao câncer. Também disseram que o
pesquisador fez testes de muito longo prazo e, como o rato já é sujeito
ao câncer, iria aparecer de qualquer jeito.
Entretanto, o
pesquisador usou o mesmo tipo de rato que a Monsanto usou nos testes que
mostraram que o produto não causava câncer. Sérralini diz que os testes
da Monsanto pararam em 90 dias, e que em seus ratos os sinais de câncer
começaram a surgir depois do noventa dias.
Vale ressaltar que
existem substâncias que com o consumo a curto prazo, não induzem o
câncer, mas em longo prazo sim. O argumento do pesquisador é que os
ratos tiveram câncer, mas o câncer começou mais cedo e numa forma muito
mais expressiva nos ratos que se alimentaram com milho transgênico.
O
câncer verificado também se apresentou na forma de um disruptor
endócrino, que está associado à formação hormonal do indivíduo: as
fêmeas apresentaram câncer nas glândulas mamárias, os machos tiveram
câncer no rim e no fígado.
Aparentemente, podemos dizer que
esses produtos estão associados a pequenas transformações que se
potencializam ao longo do tempo e se expressam nas fases de grandes
transformações hormonais, na puberdade, na menopausa, na andropausa.
E
também podem ter esse impacto importante na formação. São estudos
realizados por pesquisadores independentes, que são contrariados pela
maioria dos pesquisadores que são contratados nos processos, produzidos
pelas empresas ou de maneira associada aos interesses comerciais.
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