As viúvas da ditadura estão indignadas com o "mea culpa" das Organizações Globo.
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Por Alberto Dines
Impensável, mas aconteceu. Com destaque, solenidade e brio, sem justificativas mornas, dubiedades ou disfarces, o Globo, carro-chefe das Organizações Globo, o maior grupo de mídia do Brasil e um dos mais importantes do mundo, admitiu – depois de discussões internas que duraram anos – que o apoio ao golpe militar de 1964 foi um equívoco. Também o apoio à ditadura que se seguiu ao longo dos 21 anos seguintes. A monumental e inédita autocrítica (ver íntegra abaixo) estava na edição digital desde a véspera, sábado (31/8). Na edição impressa (domingo, 1/9) ocupou duas páginas (14 e 15) com uma chamada discreta na capa, abaixo do cabeçalho, remetendo ao Projeto Memória, com a digitalização dos 88 anos de história do jornal. Não foi a única confissão. O jornal também reconheceu que a tíbia cobertura da campanha das Diretas Já resultou de um erro de avaliação político-jornalístico. Porém contestou as acusações de ter conspirado para derrubar Getúlio Vargas em 1954 e de tentar a manipulação dos resultados da eleição de Leonel Brizola para o governo do Rio, em 1982 (Caso Proconsult). O jornal pretendia lançar o Projeto Memória meses atrás, antes dos protestos de junho, mas assume que o clamor das ruas veio provar que o reconhecimento do erro era necessário. “A lembrança [do apoio aos militares] é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É História.” Disfunções da concorrência Rebuliço nas redes sociais e blogs, agito no plantão dominical das redações. Globonews e Rede Globo permaneceram caladas, no G1 um insignificante registro. A grande repercussão começará na primeira semana deste nono mês do ano, a Época Primeira, tempo primordial.Esta primavera pode mudar o país. Uma nova transparência da imprensa pode criar novos paradigmas para a sociedade. Três meses depois, a reverberação das ruas pode converter-se mudanças efetivas. Indício concreto: o comunicado da Infoglobo Comunicação e Participações, a holding dos jornais Globo, Extra eExpresso, onde promete revisar sua política de venda de espaços publicitários. Em outras palavras: abandonará as práticas de dumping que vinham impedindo a sobrevivência de qualquer jornal no Rio de Janeiro além desses. A promessa faz parte de um compromisso formal firmado com o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O comunicado foi publicado no mesmo domingo (1/9), no caderno de Economia, numa página par ( 34), ocupando um quarto de página. Poucos repararam. Significa que o poderoso Grupo Globo admite a ingerência de uma entidade reguladora da concorrência sem abrir as baterias contra uma suposta “tentativa de cerceamento de liberdade de expressão”. É um avanço extraordinário. Abre caminho para que o mesmo CADE examine outras disfunções concorrenciais no campo da mídia tais como a propriedade cruzada de veículos eletrônicos e impressos numa mesma região. Motivações distintas A Folha de S.Paulo também assumiu seus pecados políticos ao reconhecer que manteve contatos com a repressão e permitiu que a sua redação fosse infiltrada por agentes dos chamados “órgãos de segurança”, na esteira a decretação do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968. Mas o fez de forma enviesada, sem a desinibição e a candidez do concorrente carioca. Ainda pode avançar. Sobretudo porque em matéria de diversidade política está a frente dos demais veículos de comunicação. Uma advertência se faz imperiosa: penitenciar-se do passado implica obrigatoriamente mudanças no presente. A contrição deve resultar, senão em reparação, pelo menos em superação. O cultivo da culpa e do remorso só faz sentido quando acompanhado por correções. A histeria ideológica que levou a imprensa a engajar-se numa quartelada desastrosa há quase meio século não pode ser repetida agora, ainda que motivações e pretextos pareçam distintos. Bater no peito é prova de consciência; estender a mão, sinal de maturidade.
Fonte: Observatório da Imprensa
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