Varoufakis banido da Alemanha
Hoje, o Ministério do Interior da Alemanha emitiu um "betätigungsverbot" contra mim, uma proibição de qualquer atividade política – não só uma proibição de visitar a Alemanha, mas também de participar em eventos organizados no país pelo Zoom. Nem sequer pode haver um vídeo gravado meu gravado que seja transmitido em eventos alemães.
Os problemas começaram a sério ontem, quando a polícia alemã invadiu um local em Berlim para dissolver o congresso sobre a Palestina). Julguem por vós próprios em que tipo de sociedade se está a tornar a Alemanha se a sua polícia proíbe os sentimentos abaixo.
Parabéns e um agradecimento sentido por estar aqui – apesar das ameaças, apesar do cerco policial férreo à porta deste local, apesar da panóplia da imprensa alemã, apesar do Estado alemão, apesar do sistema político alemão que vos demoniza por estarem aqui.
"Porquê um congresso palestiniano, Sr. Varoufakis?", perguntou-me recentemente um jornalista alemão. Porque, como disse Hanan Ashrawi, "não podemos contar com os silenciados para nos falarem do seu sofrimento".
Hoje, a razão de Ashrawi tornou-se deprimentemente mais forte, porque não podemos contar com os silenciados, que também são massacrados e passam fome, para nos falarem dos massacres e da fome.
Mas há também outra razão: porque um povo orgulhoso e decente, o povo da Alemanha, é conduzido por um caminho perigoso para uma sociedade sem coração, ao ser obrigado a associar-se a outro genocídio levado a cabo em seu nome, com a sua cumplicidade.
Não sou judeu nem palestiniano. Mas estou incrivelmente orgulhoso de estar aqui entre judeus e palestinianos – de misturar a minha voz pela paz e pelos direitos humanos universais com as vozes judaicas pela paz e pelos direitos humanos universais, com as vozes palestinianas pela paz e pelos direitos humanos universais. O facto de estarmos hoje aqui juntos é a prova de que a coexistência não só é possível, como já existe.
"Porque não um congresso judeu, Sr. Varoufakis?", perguntou-me o mesmo jornalista alemão, imaginando que estava a ser inteligente. Apreciei a sua pergunta.
"Porque não um congresso judeu, Sr. Varoufakis?", perguntou-me o mesmo jornalista alemão, imaginando que estava a ser inteligente. Apreciei a sua pergunta.
Porque se um único judeu for ameaçado, em qualquer lugar, só porque é judeu, usarei a Estrela de David na lapela e oferecerei a minha solidariedade – custe o que custar, custe o que custar.
Sejamos então claros: se os judeus estiverem sob ataque, em qualquer parte do mundo, eu serei o primeiro a pedir um congresso judaico para registar a nossa solidariedade.
Do mesmo modo, quando os palestinianos são massacrados por serem palestinianos – sob o dogma de que, para estarem mortos e serem palestinianos, têm de ser do Hamas –, usarei o meu keffiyeh e oferecerei a minha solidariedade custe o que custar, custe o que custar.
Os direitos humanos universais ou são universais ou não significam nada.
Com isto em mente, respondi à pergunta do jornalista alemão com algumas perguntas minhas:
Há dois milhões de judeus israelitas que tenham sido expulsos das suas casas e colocados numa prisão a céu aberto há oitenta anos, que continuem a ser mantidos nessa prisão a céu aberto, sem acesso ao mundo exterior, com o mínimo de comida e água, sem qualquer possibilidade de ter uma vida normal ou de viajar para qualquer lado, enquanto são bombardeados periodicamente durante estes oitenta anos? Não.
Os judeus israelitas estão a ser mortos à fome intencionalmente por um exército de ocupação, com os seus filhos a contorcerem-se no chão, a gritar de fome? Não.
Há milhares de crianças judias feridas, sem pais sobreviventes, a rastejar pelos escombros do que costumavam ser as suas casas? Não.
Estão os judeus israelitas a ser bombardeados pelos aviões e bombas mais sofisticados do mundo? Não.
Estão os judeus israelitas a sofrer um ecocídio total da pouca terra a que ainda podem chamar sua, sem que lhes reste uma única árvore onde possam procurar sombra ou cujos frutos possam saborear? Não.
Estão as crianças judias israelitas a ser mortas hoje por franco-atiradores às ordens de um Estado membro da Organização das Nações Unidas? Não.
Estão os judeus israelitas a ser expulsos hoje das suas casas por bandos armados? Não.
Está Israel hoje a lutar pela sua existência? Não.
Se a resposta a qualquer uma destas perguntas fosse afirmativa, eu estaria hoje a participar num congresso de solidariedade judaica.
Hoje, teríamos adorado realizar um debate decente, democrático e mutuamente respeitoso sobre a forma de levar a paz e os direitos humanos universais a todos – judeus e palestinianos, beduínos e cristãos – desde o rio Jordão até ao mar Mediterrâneo, com pessoas que pensam de forma diferente da nossa.
Infelizmente, todo o sistema político alemão decidiu não o permitir. Numa declaração conjunta que incluiu não só a CDU-CSU (União Democrata Cristã-União Social Cristã da Baviera) e o FDP (Partido Democrata Livre), mas também o SPD (Partido Social Democrata), os Verdes e, notavelmente, dois líderes do Die Linke (A Esquerda), o espetro político alemão uniu forças para garantir que um debate tão civilizado quanto este, no qual podemos discordar de forma agradável, nunca tenha lugar na Alemanha.
Eu digo-lhes: vocês querem silenciar-nos, proibir-nos, demonizar-nos, acusar-nos. Por conseguinte, não nos deixam outra alternativa senão responder às vossas acusações ridículas com as nossas próprias acusações racionais. Foram vocês que escolheram isso, não nós.
Acusam-nos de ódio antissemita. Nós acusamo-vos de ser o melhor amigo dos anti-semitas ao equiparar o direito de Israel a cometer crimes de guerra ao direito dos judeus israelitas a defenderem-se.
Acusam-nos de apoiar o terrorismo. Acusamo-vos de equiparar a resistência legítima a um Estado de apartheid a atrocidades contra civis, que sempre condenei e condenarei, quem quer que as cometa – palestinianos, colonos judeus, a minha própria família, quem quer que seja. Acusamo-vos de não reconhecer o dever do povo de Gaza de derrubar o muro da prisão aberta em que está enclausurado há oitenta anos – e de equiparar este ato de derrubar o muro da vergonha, que não é mais defensável do que era o Muro de Berlim, a atos de terror.
Acusam-nos de banalizar o terror de 7 de outubro do Hamas. Acusamo-vos de trivializar os oitenta anos de limpeza étnica dos palestinianos por parte de Israel e a construção de um sistema de apartheid férreo em toda a Israel-Palestina. Acusamo-vos de banalizar o apoio de longa data de Benjamin Netanyahu ao Hamas como forma de destruir a solução de dois Estados que afirmam favorecer. Acusamo-vos de banalizar o terror sem precedentes desencadeado pelo exército israelita sobre o povo de Gaza, da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental.
Acusam os organizadores do congresso de hoje de, e cito, "não estarem interessados em falar sobre as possibilidades de coexistência pacífica no Médio Oriente tendo como pano de fundo a guerra em Gaza". Estão a falar a sério? Perderam o juízo?
Acusamo-vos de apoiar um Estado alemão que é, depois dos Estados Unidos, o maior fornecedor das armas que o Governo de Netanyahu utiliza para massacrar os palestinianos como parte de um grande plano para tornar impossível uma solução de dois Estados e a coexistência pacífica entre judeus e palestinianos. Acusamo-vos de nunca responderem à pergunta pertinente a que todos os alemães têm de responder: Quanto sangue palestiniano tem de correr para que a vossa culpa justificada pelo Holocausto seja apagada?
Sejamos então claros: estamos aqui em Berlim com o nosso congresso palestiniano porque, ao contrário do sistema político alemão e dos meios de comunicação social alemães, condenamos o genocídio e os crimes de guerra, independentemente de quem os comete. Porque nos opomos ao apartheid no território israelo-palestiniano, independentemente de quem está em vantagem – tal como nos opusemos ao apartheid no Sul dos Estados Unidos ou na África do Sul. Porque defendemos os direitos humanos universais, a liberdade e a igualdade entre judeus, palestinianos, beduínos e cristãos na antiga terra da Palestina.
E para que sejamos ainda mais claros quanto às questões, legítimas e malignas, a que devemos estar sempre prontos a responder:
Condeno as atrocidades do Hamas?
Condeno todas as atrocidades, seja quem for o autor ou a vítima. O que não condeno é a resistência armada a um sistema de apartheid concebido como parte de um programa de limpeza étnica lento mas inexorável. Por outras palavras, condeno todos os ataques contra civis e, ao mesmo tempo, celebro todos aqueles que arriscam a vida para derrubar o muro.
Está Israel envolvida numa guerra pela sua própria existência?
Não, não está. Israel é um Estado com armas nucleares, com talvez o exército tecnologicamente mais avançado do mundo e com a panóplia da máquina militar dos EUA a apoiar. Não há qualquer simetria com o Hamas, um grupo que pode causar graves danos aos israelitas, mas que não tem qualquer capacidade para derrotar as forças armadas de Israel, ou mesmo para impedir que Israel continue a aplicar o lento genocídio dos palestinianos ao abrigo do sistema de apartheid que foi erigido com o apoio de longa data dos EUA e da União Europeia.
Não têm razão os israelitas em temer que o Hamas os queira exterminar?
Claro que sim! Os judeus sofreram um Holocausto que foi precedido de pogroms e de um anti-semitismo profundamente enraizado que permeou a Europa e as Américas durante séculos. É natural que os israelitas vivam com medo de um novo pogrom se o exército israelita derrocar. No entanto, ao impor o apartheid aos seus vizinhos e ao tratá-los como sub-humanos, o Estado israelita está a alimentar o fogo do anti-semitismo e a fortalecer os palestinianos e os israelitas que só querem aniquilar-se mutuamente. No final de contas, as suas ações contribuem para a terrível insegurança que consome os judeus em Israel e na diáspora. O apartheid contra os palestinianos é a pior auto-defesa dos israelitas.
E o anti-semitismo?
É sempre um perigo claro e presente. E tem de ser erradicado, especialmente entre as fileiras da esquerda global e dos palestinianos que lutam pelas liberdades civis dos palestinianos em todo o mundo.
Porque é que os palestinianos não perseguem os seus objectivos por meios pacíficos?
Eles fizeram-no. A OLP (Organização para a Libertação da Palestina) reconheceu Israel e renunciou à luta armada. E o que é que ganharam com isso? Humilhação absoluta e limpeza étnica sistemática. Foi isso que alimentou o Hamas e o elevou aos olhos de muitos palestinianos como a única alternativa a um lento genocídio sob o apartheid israelita.
O que deve ser feito agora? O que poderia trazer paz a Israel-Palestina?
Um cessar-fogo imediato.
Libertação de todos os reféns: os do Hamas e os milhares de reféns detidos por Israel.
Um processo de paz, no âmbito da ONU, apoiado por um compromisso da comunidade internacional no sentido de pôr fim ao apartheid e de salvaguardar liberdades civis iguais para todos.
Quanto ao que deve substituir o apartheid, cabe a israelitas e palestinianos decidir entre a solução dos dois Estados e a solução de um único Estado federal secular.
Amigos, estamos aqui porque a vingança é uma forma preguiçosa de luto.
Estamos aqui para promover não a vingança, mas a paz e a coexistência em Israel-Palestina.
Estamos aqui para dizer aos democratas alemães, incluindo os nossos antigos camaradas do Die Linke, que já se cobriram de vergonha durante tempo suficiente – que dois erros não fazem um acerto – e que permitir que Israel se safe de crimes de guerra não vai melhorar o legado dos crimes da Alemanha contra o povo judeu.
Para além do congresso de hoje, temos o dever, na Alemanha, de mudar a conversa. Temos o dever de persuadir a grande maioria dos alemães decentes de que o que importa são os direitos humanos universais. E que "nunca mais" significa "nunca mais" para ninguém. Judeu, palestiniano, ucraniano, russo, iemenita, sudanês, ruandês – para todos, em todo o lado.
Neste contexto, tenho o prazer de anunciar que o partido político alemão do DiEM25, o MERA25, vai estar nos boletins de voto nas eleições para o Parlamento Europeu no próximo mês de junho – procurando o voto dos humanistas alemães que anseiam por um membro do Parlamento Europeu que represente a Alemanha e que chame a atenção para a cumplicidade da UE no genocídio, uma cumplicidade que é o maior presente da Europa para os anti-semitas na Europa e para além dela.
Saúdo-vos a todos e sugiro que nunca esqueçamos que nenhum de nós é livre se um de nós estiver acorrentado.
Artigo publicado na Jacobin. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.
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