Em um cenário de aprofundamento da crise ambiental, MST sinaliza a luta pela terra e a construção da agroecologia como perspectivas estratégicas
Produção agroecológica do MST no estado do Paraná. Foto: Wellington Lenon
Por Wesley Lima
Da Página do MST
O Movimento Sem Terra organiza em todo o território nacional cerca de 185 cooperativas, 120 agroindústrias e conta, atualmente, com 1.900 associações construídas por famílias Sem Terra nas cinco regiões do país. Um conjunto de questões apresentam as linhas estratégicas que conectam a organização produtiva das cooperativas, agroindústrias e associações. Uma delas é a agroecologia vinculada ao compromisso da recuperação ambiental.
Em um cenário de aprofundamento da crise ambiental, com impactos, muitas vezes, irreversíveis, é na luta pela terra, pela Reforma Agrária e na construção da agroecologia que se apresentam alternativas e saídas coletivas para frear essa crescente.
Nos últimos anos, por exemplo, os impactos da crise ambiental tem sido vivenciados de maneira generalizada. São consecutivos recordes de desmatamento, muitas queimadas, o garimpo ilegal poluindo rios com mercúrio, animais que correm o risco de entrar em extinção e consequências na biodiversidade, na vida das pessoas e comunidades como um todo. Como resultado, vivemos períodos de grande estiagem em algumas regiões, em outras, chuvas torrenciais nunca vistas, diminuição dos números da colheita de alimentos, pandemias e um conjunto de mudanças climáticas, que alguns pesquisadores já apontam como “um ponto sem retorno”.
Em nível internacional, o país lidera o ranking mundial de devastação florestal. Um levantamento da Global Forest Watch (GFW) apontou que, em 2021, 1,5 milhão de hectares de florestas tropicais foram derrubadas no país, o correspondente a 40% da extinção florestal de todo o planeta. Dados do Relatório Luz sobre as demandas da Agenda 2030, apresentado em julho de 2021, na Câmara dos Deputados, apontam que o Brasil não avançou em nenhuma das 169 metas de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). O país tem apresentado nos últimos anos retrocesso em 54,4% das metas e se encontra estagnado em 16%.
Bruno Diogo, do Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do Movimento Sem Terra no estado de Minas Gerais, explica o sentido da agroecologia na luta pela terra, na organização produtiva, através da cooperação, e fala sobre a importância da construção de tecnologias que possibilitem a garantia da produção de alimentos.
“A agroecologia para nós, neste momento pré-congressual, se reafirma não como uma alternativa, mas como uma necessidade ao modelo colocado pelo agronegócio, que é um modelo, que realmente nos coloca em uma caminhada à insustentabilidade, a depredação dos biomas. Então a agroecologia para nós é uma posição perante a sociedade brasileira da necessidade da produção de alimentos com qualidade, sem a utilização de agrotóxicos e neste momento de reflexões a gente vem organizando essa concepção Sem Terra de agroecologia”, explica.
Ele conta que essa concepção é fruto de um acúmulo histórico social. “Sabemos da diversidade do campesinato brasileiro. Sabemos das especificidades regionais. E dentro dessa grande complexidade que é o rural brasileiro existem várias formas de lidar com a terra, com a produção. E para isso alguns pilares são importantes.”
Bruno afirma que é fundamental pensar a agroecologia conectada ao pilar da massificação dessa matriz tecnológica, do fortalecimento do conhecimento popular, da organização produtiva e do acesso à terra.
No ponto de vista da organização produtiva, ele cita como exemplo a construção de “cadeias produtivas”. Atualmente o MST organiza 17 cadeias, sendo elas: arroz, leite, frutas e sucos, café, castanhas, pimentas e condimentos, mel, mandioca, carnes, milho, soja, feijão, cacau, açaí, cana de açúcar, ovos e tomates orgânicos.
“Ter as cadeias produtivas, onde você pense a produção de insumos, a produção em si com itinerários técnicos, organizados, a partir de tecnologias que consigam realmente, cada vez mais, diminuir a penosidade, a partir de uma mecanização voltada a agricultura familiar e camponesa é central para nós hoje. O beneficiamento, a agroindustrialização, tem um papel importante de conseguir, não só agregar valor a esse alimento agroecológico, mas oportunizar que esse alimento também chegue na cidade e, principalmente, organizar os sistemas de comercialização em todos os seus níveis”, frisa.
Esse processo de organização da produção, levando em consideração todas essas esferas citadas, são fundamentais para posicionar a agroecologia frente ao desafio da massificação da produção de alimentos saudáveis, com base na construção de novas relações entre os seres humanos e a natureza.
ARROZ E CAFÉ AGROECOLÓGICOS
Uma experiência já consolidada como referência em torno do manejo agroecológico tem sido a produção de arroz orgânico do MST no Rio Grande do Sul.
Imagem da 19º Festa da Colheita do Arroz Orgânico do MST no Rio Grande do Sul. Foto: Gabriela Felin
Há mais de duas décadas, as famílias Sem Terra no estado insistiram na missão de produzir arroz orgânico, equilibrando geração de renda com respeito ao meio ambiente. A partir de muita experimentação, com erros e acertos, foi possível desenvolver um método próprio de cultivo e disputar espaço com o agronegócio. O arroz é produzido sem agrotóxicos e fertilizantes químicos, em contrapartida, as famílias têm investido em bioinsumos e gestão comunitária para ampliar a produção.
O arroz agroecológico do MST ganhou evidência no debate político ao figurar, segundo o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), como a maior produção orgânica da América Latina. Graças ao conhecimento acumulado pelos próprios Sem Terra, e com ajuda de universidades e órgãos públicos locais.
Em 2023, o Movimento Sem Terra no estado registrou a colheita de 16 mil toneladas de arroz, plantados em 3,2 mil hectares, sob responsabilidade de 352 famílias de 22 assentamentos. As principais variedades plantadas são o arroz agulhinha e o cateto.
De acordo com Roberta Coimbra, da direção estadual do MST no RS e responsável pela certificação orgânica, a produção de arroz orgânico é uma conquista coletiva que vai na contramão do modelo de produção do agronegócio.
“É importante dizer que a gente só conseguiu avançar nas cadeias produtivas dentro dos assentamentos através do sistema de cooperação”, conta a Sem Terra Roberta Coimbra. Foto: Priscila Ramos
“É importante dizer que a gente só conseguiu avançar nas cadeias produtivas dentro dos assentamentos através do sistema de cooperação. Ninguém conseguiu crescer como assentado sozinho, ou seja, todas essas questões são conquistas coletivas”, enfatiza Coimbra.
Ela comenta ainda que o arroz é uma das cadeias produtivas principais no estado e tem ganhado visibilidade nacional e internacional, “justamente porque ele é uma commodities, que tradicionalmente é produzido pelo agronegócio, com grandes concentrações de terra e uma mecanização muito pesada. Nós do MST estamos conseguindo dar outra cara para a produção do arroz, que é um alimento tão tradicional da comida do brasileiro, através da cooperação, do cuidado com o meio ambiente”, destaca.
Viajando para o estado de Minas Gerais, a experiência da produção do café Guaií ganha destaque. A marca foi um dos desdobramento dos processos de luta, construídos a partir de 1996 em uma ocupação realizada por trabalhadores Sem Terra no sul do estado mineiro.
Em 2023, as famílias Sem Terra colheram cerca de 10 toneladas de café orgânico. Foto: Cooperativa Camponesa
Atualmente, a produção do café é organizada pelos associados da Cooperativa Camponesa através da vinculação direta de três áreas: Assentamento Nova Conquista 2, Assentamento Primeiro do Sul e Assentamento Santo Dias. No ano passado, foram colhidas 250 sacas de café orgânico, que equivalem a 10 toneladas. Parte dos assentados também produzem outras culturas, como feijão, milho, banana, frutas, leite e gado de corte. Mas a principal atividade econômica é a cultura do café.
No último período, as famílias Sem Terra iniciaram um projeto de transição do cultivo do café convencional, de maneira mais ampla, para o orgânico, com o objetivo de elevar a qualidade de produção, comercialização e qualidade do café.
Paula Ribeiro, da Cooperativa Central em Minas Gerais acompanha o processo de produção do Café Guaií, e conta que a ocupação da terra e a cooperação foram fundamentais para o resultado colhido pelas famílias Sem Terra.
“O processo organizativo, coletivo, através da cooperação é essencial para termos resultados”, afirma Paula Ribeiro, da Cooperativa Central em Minas Gerais. Foto: Priscila Ramos
“Temos mais de 500 famílias envolvidas no processo de produção do café. Elas estão, principalmente, nos territórios no sul de Minas, onde que foi a antiga falida usina de Ariadnópolis. E a partir da luta e do processo organizativo dessas famílias, organizadas no MST ocupam esse território e escolhem a cadeia produtiva do café como uma linha prioritária. A partir disso, as famílias conseguiram viver naquele território, desenvolver o processo econômico e também mostrar pra sociedade os resultados da luta pela Reforma Agrária.”
Ela enfatiza que o “processo organizativo, coletivo, através da cooperação é essencial para termos os resultados que temos hoje”.
PRODUÇÃO EM ESCALA
Olhando para essas experiências construídas pelo Movimento Sem Terra, Bruno sinaliza que um dos desafios centrais é posicionar a produção agroecológica com escala. Ele explica que para avançar no combate à fome é central abastecer o país com alimentos saudáveis e, para isso, é necessário ter investimento público, avançar na cooperação e massificar a agroecologia.
“A agroecologia para nós se reafirma não como uma alternativa, mas como uma necessidade frente ao modelo colocado pelo agronegócio”, explica Bruno Diogo, do Setor de Produção do MST. Foto: Priscila Ramos
“A gente vem fazendo um debate, que é uma questão importante dentro do movimento agroecológico como um todo, que é o debate da escala. A escala agroecológica não diz respeito apenas ao aumento dos volumes dos hectares produtivos, mas no sentido do envolvimento cada vez maior de camponeses no processo agroecológico”. E continua: “a gente precisa aumentar essa escala para que possamos realmente ter quantidade cada vez maiores de alimentos com qualidade e que a gente possa romper esse nicho, que só classe média pode pagar por um alimento saudável. A gente tem que popularizar o acesso e garantir o acesso de um alimento barato e com qualidade para todos”, finaliza.
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