domingo, 28 de abril de 2024

Intercept-Brasil: O que queremos da IA?

 


Você
Sáb, 27/04/2024 07:10

Sábado, 27 De Abril De 2024
O que queremos da IA?


O que está por trás da pergunta sobre regulação?

Na semana passada, um recém-criado Conselho de Inteligência Artificial e Sociedade lançou uma consulta pública com uma pergunta tão ampla quanto capciosa: o que o Brasil quer da inteligência artificial?


A consulta pública – que apresenta como aberta e participativa, mas é encabeçada por instituições privadas e tem como conselheiros representantes de empresas interessadas – foi lançada em um momento crucial.


Na quarta-feira, 24, o senador Eduardo Gomes, do PL do Tocantins, apresentou o relatório preliminar sobre regulação de IA, fruto do trabalho da Comissão Temporária Interna criada pelo Senado para discutir o tema.


Gomes disse que é uma proposta "pró-inovação e protetiva de direitos". "O Brasil não será colonizado na corrida pela inteligência artificial. A regulação não é urgente. Urgente é a proteção dos direitos do cidadão", ele declarou.


O texto prevê diretrizes gerais, como o desenvolvimento de IA pautado na ética, a avaliação prévia de riscos dos sistemas e a obrigatoriedade de "avaliação de impacto algorítmico", além da proteção aos direitos autorais – já que obras criativas são utilizadas para treinamento de IA.


Só que, ao mesmo tempo, sua proposta prevê o uso de uma das mais perigosas aplicações de inteligência artificial: a identificação biométrica à distância – como o reconhecimento facial – que será permitida para fins de investigação e repressão de crimes.


Esses sistemas, sabemos, são discriminatórios e falhos, sobretudo por automatizar o encarceramento e a criminalização da população negra. Mas são muito bons como propagandas de governos e para torrar dinheiro público.


Mas piora. O projeto apresentado também prevê o uso de armas autônomas, letais ou não, com uma vaga condição de "controle humano significativo". Para entender os problemas disso, basta olhar para o que Israel está fazendo em Gaza, que eu contei neste mesmo espaço três semanas atrás.


A proposta está em discussão no Senado. Depois, ainda deve passar pela Câmara. Enquanto o texto é debatido no Congresso, o Conselho de Inteligência Artificial e Sociedade lançou sua consulta paralela: o que o Brasil quer da inteligência artificial?


A proposta, segundo os organizadores, é "elaborar de forma participativa e aberta o texto legal da possível regulação da inteligência artificial" no Brasil. A pergunta é capciosa por uma razão simples: o que quem está perguntando quer?


O Conselho é uma iniciativa do Instituto Tecnologia e Sociedade e da Abranet, associação de empresas de internet. Reúne membros da sociedade civil e de empresas, como a Fundação Itaú, Albert Einstein e a influenciadora Nathalia Arcuri.


É importante criar espaços de debate, especialmente em um tema que está longe de consenso. Mas é importante também entender quais são esses espaços de debate. A iniciativa mostra que os interessados nessa regulação têm mecanismos sofisticados para amplificar sua influência.


Os criadores do Conselho alegam que a criação de vários foros de discussão é benéfica. Que haverá consultas presenciais em eventos como a Campus Party, e que as respostas serão encaminhadas ao Senado e à Câmara.


Usam como exemplo o Marco Civil da Internet, que também foi feito de forma participativa em sua fase inicial. Só que tem uma diferença: aquela consulta, em 2009, foi feita pelo governo, ainda que tenha tido a participação de entidades privadas. A iniciativa partiu do Ministério da Justiça, e não de entidades e empresas interessadas na regulação.


O tema deve chegar logo na Câmara, já que o presidente da casa, Arthur Lira, anunciou que quer discutir IA junto com redes sociais. Notícias já mostram que, na Câmara, a proposta do Senado já é vista como excessivamente rígida para as empresas.


É a velha dicotomia proteção de direitos versus inovação, presente em todas as discussões sobre regulação de tecnologia. Foi assim com o Marco Civil da Internet e com a LGPD. Mas quem está defendendo a inovação e por quê? E de que tipo de inovação estamos falando?


É preciso entender o jogo de interesses e saber quem está, de fato, sendo ouvido. Provavelmente o que as empresas que perguntam querem não é o mesmo do torcedor que foi preso indevidamente após um reconhecimento facial errado em um estádio em Sergipe. Quem deve capitanear essa discussão?


Obrigado,

Destaques

INTERCEPT.COM.BR

Segundo denúncias, esquema acontecia no Instituto Vital Brazil e era ligado à campanha do pastor e deputado Otoni de Paula em 2022.

INTERCEPT.COM.BR

Só o viralatismo explica o desprezo nacional por edifícios e monumentos importantes para contar nossa própria história. Recife é um exemplo desse fenômeno.

INTERCEPT.COM.BR

Governo brasileiro só permite visto humanitário para parentes próximos. Mas um grupo de advogadas e palestinos tenta mudar essa regra.

Nenhum comentário: