60 Anos do golpe de Estado de 1964: legado, continuidades e possibilidades de ruptura
O golpe de 1º de abril 1964 instituiu uma brutal ditadura burguesa, respaldada nas Forças Armadas, que preparou o país para um mergulho mais fundo na Modernização-Reacionária-Subalterna.
Publicado em 01/04/2024 // 1 comentário
Por Antonio Carlos Mazzeo
“A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer: neste interregno ocorrem os mais variados fenômenos mórbidos.”
Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere (Q.3)
Um necessário prolegômeno
O processo de constituição do modo de produção capitalista no Brasil inicia-se embrionariamente já no período colonial, a partir da produção de mercadorias, como açúcar, tabaco, algodão etc. com as quais se integra ao sistema colonial, fundado sob a forma-trabalho-forçado/escravizado Nesse sentido o capitalismo brasileiro incorpora-se desde sua origem, ao mercado mundial, subalternamente: inicialmente no Sistema Colonial, enquanto economia complementar do mercado internacional e, posteriormente, na ordem imperialista. O Estado Nacional brasileiro será a imagem e semelhança de seu fundamento sociometabólico, cujo resultado é uma sociedade civil [bürgerliche Gesellschaft] fragmentada e “gelatinosa”, no contexto histórico-particular de uma Revolução Burguesa incompleta, que se processa lentamente, no âmbito de uma “revolução passiva”/“pelo alto” (Gramsci/Lênin), nos moldes de um “prussianismo” de vezo colonial.1 Assim, no quadro do capitalismo brasileiro, o elemento colonial apresenta-se como aspecto decisivo que determinará o caráter da vigência da Autocracia Burguesa – a forma político-econômica através da qual a burguesia vem se perpetuando no poder –, e que se constitui no pilar do reacionarismo e da contrarrevolução permanente, que se objetiva na continuidade do núcleo dirigente burguês. Podemos dizer que a característica de um processo de acumulação de capital pelo campo, como aquele que ganhará força a partir do século XIX assemelha-se, na forma, àquele desenvolvido na Alemanha, onde a fazenda feudal transforma-se lentamente em uma fazenda burguesa [Junker], apoiando-se na superexploração do trabalho dos camponeses. A burguesia transformista alemã mantém suas titulações de nobreza, assim como ocorrerá no Brasil, e teremos, nos dois casos, um processo de construção do Estado Nacional que se realiza “pelo alto” e exclui as massas populares desse processo. Mas essas “semelhanças formais guardam diferenças no âmbito da geneticidade do capitalismo brasileiro. No caso brasileiro, no espectro das tendências de análise de objetivação do capitalismo a noção de “via prussiano-colonial expressa sua geneticidade e releva a historicidade de sua condição colonial, considerando também a configuração tardia agrária do processo de acumulação e posterior industrialização do Brasil.2
Essa burguesia, sem projeto nacional definido, mas com objetivos empresariais bem estruturados, atua a partir do pressuposto da necessidade de manter restringidas as liberdades democráticas, garantindo a superexploração do trabalho e, consequentemente, os lucros resultantes desse tipo de economia predatória e espoliativa. Portanto, a fragilidade das instituições públicas e democráticas brasileiras, a corrupção endêmica presente no aparelho do Estado em sua socialidade apresentam-se como herança de um poder político originário da classe dos latifundiários e proprietários de escravizados. Nesse sentido, a burguesia brasileira, principalmente a partir do Segundo Reinado (1840-1889), implementa um processo de Modernização-Reacionária permanente que amplia o desfrute do trabalho, seja aquele de caráter colonial forçado-escravizado, seja posteriormente, já no período republicano, os assim chamados “trabalhadores livres”, mantidos em permanente arrocho salarial e em condições precárias de trabalho, de vida, de moradia, de escolaridade e de saúde. Após a derrubada da monarquia e da Proclamação da República consolida-se na República Velha (1889-1930), o caminho de objetivação do capitalismo que defino como Modernização-Reacionária-Subalterna.3 De modo que esse modernismo-reacionário-subalterno, que se processa dentro da lógica de um desenvolvimento econômico que irá gerar um contínuo elemento contraditório – a implementação de uma ampla produção agrária – e a consequente e necessária industrialização tardia, é um processo histórico que se objetiva na dinâmica da constante adaptação e atualização do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, inserido subordinadamente na divisão internacional da produção capitalista, em seu estágio imperialista.4
Essa processualidade solda as frações de classe da burguesia para manter seus privilégios e constitui o núcleo das ações contra a organização dos trabalhadores, através de repressões e de formulações jurídicas que dificultaram a emergência e o funcionamento das entidades políticas e culturais proletárias. Mas não somente no âmbito da repressão jurídico-política do Estado. A Autocracia Burguesa criou instrumentos perenes de manipulação e desinformação, através de alianças com setores reacionários da Igreja católica e, posteriormente, com as seitas neopentecostais; legitimou a imprensa reacionária etc. Deu concessões de rádio e de televisão a grupos de extrema direita, ideologicamente vinculados ao imperialismo estadunidense, que se utilizaram e ainda se utilizam da concessão para agirem como partidos políticos que manipulam a opinião pública em função de seus interesses econômicos e políticos. A vigência da Autocracia Burguesa possibilitou que a organização de partidos políticos, em sua maioria conservadores e reacionários, que não apresentaram elementos ideológicos que os diferenciassem no fundamento político e agiram como organizadores do projeto autocrático-burguês.
Podemos dizer que essa processualidade histórica garantiu a manutenção do capitalismo brasileiro no concerto do imperialismo, sempre ombreando à modernidade, mas, como dissemos, situando-se nela subalternamente, priorizando a produção de bens de consumo, o Departamento 2 (Marx), ainda que contraditoriamente proporcionasse algum desenvolvimento do setor produtivo de bens de produção, o Departamento 1 (Marx), como ocorreu no governo Vargas, em que as condições internacionais e nacionais proporcionaram um certo take-off à economia brasileira, logo torpedeado por setores vinculados à mais empedernida burguesia pró-imperialista, temerosa de perder espaços na confortável inserção-subordinada à economia mundial. De modo que o pacto burguês, de vezo prussiano-colonial fundado na autocracia de classe, atua politicamente na perspectiva do controle social a partir do processo permanente de Modernização-Reacionária-Subalterna, feita “pelo alto”, sem a classe trabalhadora e contra ela, sempre utilizando-se de golpes de Estado ou de alternativas em que o golpe se processa através de “arranjos autocráticos”, que caracterizam a legalidade burguesa no Brasil.5
Na contradição e, na perspectiva civilizatória, o contraponto tem sido dado pelo movimento operário e pelo conjunto do proletariado. A classe operária urbana, foi a primeira a colocar na ordem do dia a questão da luta pela democracia, por direitos e pelo socialismo, já nos finais do século XIX, fazendo o salto qualitativo, enquanto continuidade e ruptura – em relação tanto às lutas pregressas dos trabalhadores escravizados, em suas rebeliões e resistências, o Quilombo dos Palmares, as rebeliões indígenas, Balaiada, Cabanada etc ; como dos trabalhadores rurais, pequenos proprietários –, inserindo os trabalhadores na ação política nacional, através da organização de centros operários e sindicatos, de corte anarco-sindicalista. Ao longo do século XX, as organizações operárias, como o Partido Comunista – Seção Brasileira da Internacional Comunista – o PCB, organizado em 1922, ampliaram a presença dos trabalhadores organizados na luta contra a Autocracia Burguesa6 e, posteriormente outras organizações proletárias que, a despeito de suas influências na sociedade, sofreram oposições e repressões crescentes que desembocaram no golpe de Estado de caráter colonial-bonapartista de 1964.7 Este constitui um aspecto decisivo para que possamos compreender a situação do Brasil de hoje.
O Dia que durou 21 Anos
O golpe de 1º de abril 1964 instituiu uma brutal ditadura burguesa, respaldada nas Forças Armadas, que preparou o país para um mergulho mais fundo na Modernização-Reacionária-Subalterna, que o inseria mais adequadamente no reordenamento internacional do imperialismo e, para tanto, a ditadura interveio no Movimento Sindical, prendendo, assassinando ou exilando seus dirigentes. A ditadura colocou os partidos políticos na ilegalidade; criou dois “partidos” institucionais da Autocracia Burguesa, a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Além disso, golpeou duramente as esquerdas, em especial, o PCB, que atuava na clandestinidade desde 1945, e era o maior partido operário e popular daquele momento histórico, além das organizações que tentaram resistir à ditadura a partir do confronto armado, como a ALN, o MR8, a POLOP, PCBR e o PCdoB e, também os grupos populares organizados e as ações culturais. O recrudescimento da repressão, com AI5 – Ato Institucional nº 5 –, de 13 de dezembro de 1968, decretado pelo ditador general Costa e Silva (1967-1969), aumentou o leque de desarticulação dos movimentos populares e dos trabalhadores.
O Golpe de Estado de vezo colonial-bonapartista desfez qualquer ilusão sobre a possibilidade da construção de uma democracia burguesa em moldes das experiências institucionais vividas na Europa e nos Estados Unidos da América do pós-Guerra, pois escancarou o histórico caráter autocrático e subalterno da burguesia interna. A história do Brasil já havia demonstrado que todas as vezes que a burguesia precisou recompor seu bloco-histórico, esse processo realizou-se através do golpe de Estado e/ou da Autocracia Burguesa institucionalizada, com hegemonia dos grupos da burguesia agrária e aquela vinculada ao capital financeiro, como ocorreu na República Velha ou na forma ditatorial e bonapartista do Estado Novo de Vargas (1937-1945) ou ainda, através de golpes setorial-institucionais para desarticular o movimento operário-popular, como a ação que possibilitou ao TSE cassar o registro do PCB, em 1947.
Mas é fundamental ressaltar que o golpe de 1964 incidiu diretamente na Teoria da Revolução Brasileira que hegemonizava as esquerdas. A tese “etapista” da necessidade de uma aliança com uma pretensa burguesia de “caráter nacional”, defendida pelo PCB e fundada nas diretrizes da Internacional Comunista, sofre uma derrota histórica, que atinge seu elemento tático-estratégico,8 assim como são derrotadas tragicamente as organizações revolucionárias que propunham a luta armada contra a ditadura, e que pressupunham a implantação do socialismo no Brasil, ainda que no escopo de uma estratégia nacional-libertadora, que in limine, também findava por um caminho de revolução em “etapas”.9 Ainda no âmbito da luta contra a ditadura, a opção pela construção de uma Frente Ampla democrática, possibilitou o acúmulo político para a consolidação de um grande movimento antiditatorial, que desemboca em fortes movimentos de massas pela democracia, mas que chega ao seu auge juntamente com o desencadeamento do processo de desarticulação dos setores progressistas qua atuavam dentro do MDB, a partir da ação de grupos que tinham sido ligados à ditadura, mas que se descolam de seu Bloco Político para autorreformá-la, objetivando organizar a transição do militar-bonapartismo para a legalidade burguesa, já no governo do ditador general Figueiredo (1979 – 1985).
O projeto de reforma partidária, de 1979, permite o surgimento de partidos novos o que objetivamente, pulveriza definitivamente Frente Ampla. O próprio MDB passa a ser o PMDB; o partido da ditadura, ARENA, transforma-se em PDS. Setores progressistas que atuavam no MDB saem para formar o PT (qua agrega ex-militantes da luta armada marxista-leninista, pequenos grupos independentes, os sindicalistas trade-unionistas do “Novo sindicalismo” de Lula e seus companheiros, social-democratas-tardios, a esquerda cristã, os vários grupos trotskistas etc.). Além disso surge o Partido Popular (PP) composto pelos setores dissidentes da ARENA e que dava maior elasticidade nas alianças pela direita, na construção do projeto de autorreforma da ditadura. Sem contar o surgimento do PTB e do PDT. Também se mobilizam para sair dos subterrâneos o PCB e o PCdoB.
Em 1982, às vésperas das eleições, são proibidas as coligações eleitorais, o que propiciou a fusão do PP, com o PMDB, fortalecendo sua ala liberal-conservadora e isolando setores mais à esquerda que não tinham ido para o PT. Mas, apesar dos golpes localizados e das diversas manobras para fragmentar a oposição, havia um clamor popular, agora muito mais difuso, pressionado pelos movimentos populares e grupos de esquerda influentes que atuavam na clandestinidade, como PCB e PCdoB, dentre outros, buscando a ampliação dos “espaços democráticos Já”, que chega à institucionalidade com a emenda constitucional Dante de Oliveira. Essa PEC, de número 05/1983, ganha as ruas e o coração do povo. O país vê gigantescas manifestações pelas “Diretas Já” realizadas em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, entre tantas, e milhões de brasileiros, com participação decisiva da classe trabalhadora e do operariado em particular. As manifestações transcendem a mera questão da eleição para presidente da República e propõem a ampla democratização da estrutura social, com tal radicalidade que poderia romper com os limites de uma democracia de moldes burgueses. O movimento preocupou sobremaneira a burguesia brasileira, e não foi por outro motivo que procurou-se esvaziar rapidamente o movimento pelas Diretas.
A direita e os liberal-conservadores articulam a derrota da Emenda pelas “Diretas Já”, em nível institucional e, no âmbito das articulações políticas o PMDB retrai diante das mobilizações populares, em conluio com os membros do PDS e do recém-formado PFL, Partido da Frente Liberal – articulação liderada por Tancredo Neves, José Sarney, Aureliano Chaves e Marco Maciel, entre outros. Derrotada em plenário a Emenda Dante de Oliveira,10 seguiram-se muitas articulações de bastidores para a eleição de um nome de confiança dos reformadores da ditadura e de seus aliados, no Colégio Eleitoral.
Podemos dizer que dois elementos intrínsecos da história brasileira emergiram nesse processo de “transição” do Bonapartismo explícito para a Legalidade Burguesa: de um lado, ficou evidenciada a debilidade das organizações socialistas e populares brasileira, em especial a do PCB, independentemente de sua capilaridade; uma debilidade que residiu em sua linha reformista e de conciliação de classes. A permanência do partido na órbita tática da Frente Ampla, quando o Movimento dos Trabalhadores e as greves organizadas em todo o país demonstravam seu esgotamento e abriam a possibilidade real de construção de uma Frente de Esquerda. Mas seu instrumental teórico e suas concepções empedernidas o levam a apoiar a saída Prussiano-colonial da eleição indireta da chapa Tancredo- Sarney. De outro lado, o PT, partido que tinha se formado nas pujantes greves do ABC paulista, em finais dos anos 1970, demonstrou suas debilidades no âmbito da luta estratégica, agarrando-se às propostas taticistas de cunho imediatistas, inclusive recusando-se a propor uma ampla aliança com setores socialistas para constituir uma Frente de Esquerda, expressando, naquele momento, um “principismo” que in limine definiu incialmente um sectarismo na ação política e, posteriormente, apontou para uma opção preferencial pelas diretrizes que aliariam o núcleo sindicalista do PT à social-democracia-tardia. Objetivamente, a vitória do grupo da transição “pelo alto” foi a vitória da institucionalização da autocracia que substitui o colonial-bonapartismo, naquele momento muito desgastado, pela Legalidade Burguesa, que se reorganiza e se adapta aos novos tempos.
São necessárias, ainda, algumas rápidas considerações conclusivas sobre a sociedade que se estrutura após 1964. O desenvolvimento industrial proporcionado pela política econômica da ditadura, além de atualizar e expandir a Modernização-Reacionária-Subalterna do capitalismo brasileiro, criou uma classe operária moderna, mas que ao mesmo tempo, nesse contexto antitético próprio a esses momentos históricos, sofreu as consequências do elemento ideológico gerado pelo “modelo do Milagre Econômico”.11 Com isso queremos dizer que o processo repressivo – incluindo-se aí, a manipulação da imprensa, através da censura ampla dos meios de comunicação – que em sua maioria alinhavam-se com o governo ditatorial –, tem como consequência direta um largo processo de despolitização da classe trabalhadora, através do terrorismo de Estado e da brutal repressão, em especial ao PCB.12
O espectro contraditório de um proletariado moderno convivendo com uma ditadura truculenta, que se estendia ainda no controle e na censura à toda sociedade, gera profundas dificuldades para o desenvolvimento e o aprofundamento de uma consciência de classe, dada a desarticulação violenta dos setores de vanguarda da classe e da sociedade nacional. Mesmo assim e no âmbito das movimentações contra a ditadura militar-bonapartista, esse novo proletariado, ainda que no plano da consciência-possível,13 consegue se organizar e vai mais adiante, a partir de uma luta consequente contra o fundamento da política econômica da ditadura, a compressão salarial (o arrocho), a partir das movimentações operárias do ABC paulista, então centro do setor mais avançado da indústria nacional. Com a adesão de amplos e diversificados setores de esquerda, além da Igreja católica e da socialdemocracia-tardia, o grupo organizativo da luta operária e do conjunto desse novo proletariado finda por ter como referência imediata, como dissemos, o núcleo sindicalista-economicista que irá fundar o PT e que gradativamente consolida sua permanente aliança com a Social-democracia-tardia e outros grupos menores cooptados para essa composição política.
Mesmo assim, no contexto de uma política sectária, crescem no PT críticas positivas às velhas concepções da esquerda clássica, em particular do PCB e de seus aliados, principalmente a crítica à teoria da aliança com a “burguesia nacional”, que tinha base dentro do próprio PCB, a partir das elaborações de Caio Prado Jr.,14 o que permitia ir mais além e questionar a frente democrática, já entendida como exaurida. No entanto, essas críticas acabam não avançando e nem mesmo se constituindo como uma linha programática do PT, em função das associações e dos arranjos internos e externos que o partido realizará, na perspectiva da hegemonia de uma determinada leitura da conjuntura e do processo histórico-político do país.
Forma-se, a partir da segunda metade dos anos 1980, o núcleo dirigente petista, comandado por Lula e seus companheiros sindicalistas que, aliados à social-democracia-tardia, irão construir o núcleo conciliador, que atrela o Movimento dos Trabalhadores, através da CUT, ao projeto reformista-burguês e de conciliação de classes. In limine, o PT acaba por se constituir como uma novidade, jamais vivenciada no país, isto é, um robusto partido socialdemocrata de massas, nos moldes de um PSOE (Espanha) e de um PSF (França), dentre outros.
La Escena Contemporánea – o legado da ditadura e as possibilidades de ruptura com a Autocracia Burguesa*
O contexto de um mundo conturbado, hegemonizado por um capitalismo em profunda crise e a falência das experiências socialistas do Leste Europeu, especialmente a derrocada da URSS, em 1991, encerra um período histórico e, ao mesmo tempo, inaugura um momento em que a resistência dos setores proletarizados perde força e nessa desarticulação política acelera-se a ofensiva neoliberal sobre as conquistas sociopolíticas da classe trabalhadora. Esse quadro histórico constituiu o prenúncio de uma crise de superprodução e de superacumulação de capital que se aprofunda e torna-se permanente – se quisermos, sistêmico-estrutural – sendo que sua essencialidade reside pois, na necessidade de se restringir as conquistas da classe trabalhadora e do proletariado em geral, visando ampliar a extração de mais-valor e produzir o aumento tendencial da massa de lucros, engendrando contradições agudas e crescentes, no seio do processo de produção e de reprodução do capitalismo, no quadro político-econômico constitutivo do processo da intensificação da restruturação produtiva e da consequente desorganização e fragmentação da classe trabalhadora.
Fica evidente que, no espaço histórico em que aumentam os tensionamentos entre a ofensiva neoliberal e a reorganização do proletariado para a resistência e luta, será praticamente impossível qualquer avanço real na consolidação das conquistas proletárias no âmbito da sociabilidade capitalista ou de conciliação com ela. Ao contrário, os espaços da classe trabalhadora se estreitam diante a ofensiva neoliberal.15 A “via” neoliberal e seu viés ideológico agressivo deixará poucos espaços para avanços sociais sem que haja lutas decisivas, da parte da classe trabalhadora e de seus aliados. Ademais, as instituições políticas das assim chamadas “democracias ocidentais” e/ou as que assumiram o Ocidentecentrismo, findaram por reproduzir a forma inicial das revoluções burguesas, quando a burguesia chega ao poder, em países como Inglaterra, França e Estados Unidos, na observação de Bernard Manin, sem a presença de partidos políticos que somente mais tarde entram em cena para frear a “exacerbação” da democracia realizada pelos partidos proletários.16 Nesse sentido, podemos dizer que progressivamente há um processo de bonapartização das “democracias ocidentais” ou ocidentecentristas. Se pensarmos nas formas bipartidárias existentes na Inglaterra e nos Estados Unidos da América, por exemplo, com suas complexas e insuperáveis cláusulas de barreira, esse bonapartismo institucionalizado vem desde quando historicamente os trabalhadores organizadamente se apresentaram para disputar o poder. Inclua-se aí a própria experiência brasileira, com sua tradição autocrático-colonial-escravista e depois, da perseguição ao Movimento Anarquista e ao Partido Comunista, sempre sujeitos a brutais repressões e postos na ilegalidade, assim que se apresentavam com alguma força eleitoral na sociedade.
Esse processo histórico-genético, como bem ressaltou Anderson Deo,17 desenvolveu no Brasil um colonial-bonapartismo como característica da via prussiano-colonial de desenvolvimento do capitalismo, que adquire uma nova dimensão com o PT e cria um processo progressivo de cooptação ideológica de setores do proletariado (especialmente de sua aristocracia do trabalho – situada principalmente na CUT), que finda por alinhar os movimentos proletários e populares ao projeto burguês. No entanto, mesmo tendo essa característica de conciliação e de aliança de classe com a burguesia, por certo tempo setores da esquerda definiram o governo Lula como um “espaço político em disputa”, entre um projeto socialmente avançado e outro conservador, o que revelou-se uma percepção profundamente equivocada, se atentarmos para a eficácia dos progressivos ajustes realizados pelo governo do PT/Lula e seus aliados à política econômica, em parceria com os monopólios nacionais e internacionais, o agronegócio e o capital financeiro. É certo que nos governos da social-democracia-tardia surgiram políticas sociais importantes, como o “Bolsa Família”, os recursos para educação, na forma de bolsas de estudo, e as políticas de cotas raciais e habitacionais etc. Mas todas essas medidas compensatórias ficaram subsumidas ao projeto hegemônico do capitalismo, constituindo-se como a “face social” do liberalismo brasileiro. O governo Dilma Rousseff deu continuidade a essa política, mas em uma situação econômica mais permeada pela crise internacional do capitalismo, com reflexos danosos para a economia brasileira. Nesse sentido, é a crise econômica mundial, e seus reflexos no Brasil, que nos possibilitam explicar as manifestações de junho de 2013, realizadas espontaneamente por um conjunto de trabalhadores insatisfeitos em sua maioria, trabalhadores precarizados e/ou desempregados, muitos deles com diplomas universitários. Os elementos componentes desses movimentos foram, objetivamente, a permanente política de desenvolvimento que priorizou o capital financeiro e monopólios internacionais e nacionais, e acabou exaurida e não fornecendo alternativas à classe trabalhadora. A exaustão do projeto econômico implementado desde os governos Cardoso, e em seu continuísmo aggiornato pelos governos petistas, demonstrou as fragilidades das políticas de compensação social desenvolvidas pelos governos Lula/Dilma e seus aliados.
A hegemonia da social-democracia-tardia, ao pôr em marcha seu projeto de administração do capitalismo, fez mais do que cooptar ideologicamente os segmentos organizados da classe. De fato, a social-democracia-tardia/PT absorveu os segmentos sindicais, os movimentos populares urbanos, e de trabalhadores do campo, mas na perspectiva de sua óptica taticista e politicista de conciliação de classes, findando por aproximar-se à tendência bonapartizante das sociedades burguesas contemporâneas.
Dizendo de outra maneira: a partir da segunda metade dos anos 1990, a ofensiva neoliberal desenvolveu uma construção pragmática – na perspectiva de conter os núcleos mais combativos, dos movimentos de trabalhadores e as centrais sindicais com ampla tradição de lutas – de cooptar os partidos inseridos na ordem institucional burguesa para que atuem como apêndices do Estado, sendo que o processo eleitoral passa a ser utilizado como “legitimador” das ações desses “partidos-institucionais”. Por seu limite analítico, referendado em sua prática taticista, empirista e politicista, o PT aliou-se à essa tendência contrarrevolucionária das sociedades burguesas contemporâneas. O filósofo italiano Domenico Losurdo classificou essa tendência política como uma “forma suave” [soft] de bonapartismo. Acertadamente, Losurdo demonstrou que as democracias de hoje transformaram as instituições partidárias em aparelhos ideo-operativos anexos ao Estado.18 No entanto, para constar, não podemos deixar de mencionar que Lênin, em julho de 1917, chamava atenção dos bolcheviques sobre esse aspecto, referindo-se ao caráter bonapartista do governo de Kerensky como um sintoma histórico da luta de classes entre a burguesia e o proletariado.19 De modo que, desdobrando as análises de Marx e de Lênin, entendemos que o bonapartismo é “soft” até o proletariado iniciar sua movimentação rumo a processos mais radicais de poder (de ir à raiz das coisas), como pudemos ver na própria história brasileira, na qual o bonapartismo, em geral, transforma-se no duríssimo colonial-bonapartismo quando ameaçado pelas forças proletário-populares.
Nesse terceiro mandato de Lula, verificamos a intensificação da cooptação, através da conciliação de classes que soldou uma grande frente que beneficia o capital em detrimento dos trabalhadores e das trabalhadoras e que relega as reivindicações populares fundamentais, além de conciliar com instituições que atuam permanentemente contra o conjunto da classe, em particular contra o povo pobre e preto que habita as periferias das grandes cidades, como as Polícias Militares, herdeiras das Guardas Nacionais escravistas do Império que tinham e continuam tendo a missão da repressão e a opressão das classes subalternas.
De modo que essa perspectiva transforma a social-democracia-tardia em condottiero da Autocracia Burguesa, que atua não somente como alavanca para a Modernização-Reacionária-Subalterna, mas como trava para o aprofundamento da democracia-substantiva e da construção do poder da classe trabalhadora. Nos três governos da social-democracia-tardia, e no incompleto segundo mandato de Dilma Rousseff, o reformismo e a conciliação-ativa com o projeto burguês criaram uma grande desorganização da classe e ampliaram a desconfiança dos trabalhadores e trabalhadoras, proporcionando a vitória do bolsonarismo e do neofascista no Brasil, justamente porque essa desorganização fragmentou também a consciência de classe do proletariado, em especial seu núcleo mais débil, o precariado. Foi exatamente essa desorganização da classe que propiciou Cup de Main que forjou o impeachment da presidenta Dilma. Os espaços “democratizantes” abertos na compacta estrutura da Autocracia Burguesa não foram suficientes para contê-la e barrar seu golpismo intrínseco, que se estendeu ao lawfare que preparou a farsa jurídica, a partir de processos espúrios, baseados em argumentações frágeis e fantasiosas sobre corrupção, sem provas robustas, baseadas em delações etc. que findaram com a condenação e a prisão de Lula, o que possibilitou a eleição de Bolsonaro.
De qualquer modo, o golpe engendrado pela Autocracia Burguesa demonstrou, de um lado, o poder destrutivo dos setores burgueses, principalmente aqueles ligados diretamente ao agronegócio e ao capital financeiro. Por outro lado, também escancarou a deficiência de quadros, a indigência política e a ausência absoluta de um projeto da extrema direita para a economia brasileira, que não o de rapina do patrimônio público e do meio ambiente, o golpismo intrínseco, além do desastre genocida de mais de 705 mil mortos pela covid-19. Bolsonaro e a extrema-direita brasileira não conseguiram soldar um Bloco Burguês para governar e manter-se no poder. A crise, o desemprego e a retração da economia, a corrupção fizeram que a social-democracia-tardia voltasse ao governo, agora em ampla aliança com as classes burguesas, inclusive com as frações de classe que apoiaram o golpe de Estado contra Dilma e a prisão de Lula.
O que deve ficar como lição, que a realidade está demonstrando fortemente, é que a social-democracia-tardia repete sua linha política estratégico-tática de alianças plenas com a burguesia interna. É patente que o Brasil entrou no refluxo da organização da classe. Amplos setores da assim chamada “esquerda institucional” estão entorpecidos e por suas debilidades regrediram na compreensão da realidade brasileira; repetem e revisitam rebaixadamente uma teoria do Brasil derrotada pelo golpe Militar-Colonial-Bonapartista de 1964. Com a diferença de que a velha “Teoria Consagrada” do Movimento Comunista brasileiro, ainda que reformista e mergulhada numa interpretação limitadíssima (e muitas vezes irreal) do Brasil, mantinha a “etapa” conciliadora com a pretensa “burguesia nacional” brasileira, como uma tática que prepararia a revolução socialista. A ironia da história, como diria um grande revolucionário russo, é que o PCB, formulador dessa teoria da “revolução em etapas”, baseada nas teses da Internacional Comunista, após os anos 1980 iniciou uma funda revisão desse instrumental teórico defasado diante da própria interpretação da realidade inspirada na Teoria Social marxiana, principalmente após a cisão radical com o grupo de Roberto Freire, que possibilitou sua reconstrução revolucionária, ainda em curso. Nessa perspectiva, entendemos que a social-democracia-tardia e seus aliados estão em um dilema histórico: ou reformulam sua ação e compreensão da realidade brasileira e mundial e caminham para a ruptura com a Autocracia Burguesa ou sucumbem na condição trágica e funérea de aliados e parceiros de caminhada rumo à barbárie de um capitalismo moribundo.
Para a esquerda revolucionária, a tarefa árdua é a construção de um Bloco Político revolucionário, assentado no proletariado e em seus companheiros e camaradas de viagem. No mundo conflagrado de um capitalismo decadente, e que o desafio da classe é sua organização política independente, não cabe nenhuma conciliação, pois a burguesia não hesitará em destruir o próprio planeta para manter seus privilégios, mesmo que sejam os escombros da produção destrutiva de uma forma sociometabólica em agonia.
A derrocada do capitalismo será a salvação do planeta Terra. Tenho a plena certeza de que a humanidade, e sua vanguarda, o proletariado, não se deixarão destruir pela irracionalidade do capitalismo.
Notas
1 Tratei dessa questão em Estado e Burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa. São Paulo, Boitempo, 3ª ed., 3ª reimpressão, 2020 e em Sinfonia Inacabada: a política dos comunistas no Brasil. São Paulo, Boitempo, 2ªed. revisada e ampliada, 2022.
2 Ver Antonio Carlos Mazzeo, Estado e Burguesia no Brasil …, cit., p. 105 (grifos do autor).
3 Partimos do conceito de modernismo-reacionário desenvolvido pelo historiador e sociólogo estadunidense Jaffrey Herf, no livro El Modernismo-Reaccionário – tecnologia, cultura y política em Weimar y el Tercer Reich. México, FCE, 1990. No entanto, para respeitar sua legalidade histórico-ontológica o classificamos dentro de seu contexto conceitual de um processo modernizador que se objetiva no âmbito histórico da inserção subalterna das relações socioeconômicas brasileiras no escopo das formações sociais capitalistas. Daí a denominação do conceito como modernismo-reacionário-subalterno.
4 Vejam-se, Caio Prado Jr., História e desenvolvimento. São Paulo, Boitempo, 2021, p.43 e seg.; João Manuel Cardoso de Mello, O Capitalismo Tardio. São Paulo, Brasiliense, 8ª ed. 1991, p.96 e seg. e Anderson Deo, O Labirinto das Ilusões – Consolidação e Crise da Social-democracia tardia brasileira. Curitiba, Appris, 2021, p. 33 e seg.
5 A configuração da legalidade burguesa e não da democracia assim chamada “clássica”, nada mais é do que o próprio caráter do liberalismo que se desenvolveu originariamente na sociedade colonial e que vem sendo reelaborado no âmbito lógico-histórico, mas que nunca perdeu seu caráter autocrático intrínseco.
6 Cf. Antonio Carlos Mazzeo, “Das primeiras lutas do proletariado brasileiro pela democracia ao Levante da ANL de 1935”. In: Milton Pinheiro (org.) Partido Comunista Brasileiro – 100 anos de história e lutas. Marilia, Lutas Anticapital, 2023.
7 Como afirmamos em outro lugar: “[…] a forma-Estado autocrática, de caráter militar-colonial-bonapartista estruturou-se não como a figura de um condottiere, mas arrimada no Exército enquanto instituição. Não somente porque, naquele momento, o Exército gozava de confiabilidade, pois ainda repercutia positivamente sua participação vitoriosa na luta direta contra o nazifascismo no Teatro de Operações europeu e, nessas circunstâncias, podia se apresentar como instituição competente para construir o Leviatã ‘defensor’ da democracia e da probidade administrativa ‘acima dos interesses de classe’ e contra a corrupção política e moral do país, mas também e principalmente por se tratar de uma alternativa em que o elemento institucional devia aparecer como aspecto fundamental do novo governo e da nova forma-Estado. Ao mesmo tempo que não fechava o Congresso – dentro de uma estrutura de bipartidarismo – e permite a realizações de eleições, o governo militar-bonapartista, utilizando-se dos instrumentos fornecidos pelos Atos Institucionais, controlava possíveis movimentações de segmentos da sociedade civil e subordinava e submetia o Congresso Nacional aos seus interesses. A forma-Estado autocrática militar-bonapartista ganhou sua feição mais acabada entre os anos 1968 e 1973, e viveu seu auge no período do ditador general Emílio Garrastazu Medici (1969-1974) quando os ajustes internos entre as frações de classe burguesas encontraram certo acomodamento e o governo conseguiu impulsionar uma política econômica que de 1968 a 1974 elevou o PIB a taxas anuais de 10,9%, o que também possibilitou que os governos militar-bonapartistas tivesse apoio da pequena burguesia, da assim chamada “classe média” e de segmentos do proletariado.” Antonio Carlos Mazzeo, Sinfonia Inacabada…, cit., p. 148.
8 Ver Antonio Carlos Mazzeo, Sinfonia Inacabada…, cit., p. 85 e seg.
9 Sobre os Programas da Revolução Brasileira, vejam-se, entre outros, Jacob Gorender, Combate nas Trevas. São Paulo, Ática, 1987 – 2ªed.; Marcelo Ridente, O Fantasma da Revolução Brasileira, São Paulo, Edunesp, 1993; Luiz Bernardo Pericás (org.) Caminhos da Revolução Brasileira, São Paulo, Boitempo, 2019 e Lincoln Secco e Luiz Bernardo Pericás (org.) História do PCB, Cotia, Ateliê Editorial, 2022.
10 Com votação de 298 deputados a favor; 65 contra; 3 abstenções e 113 ausências ao plenário
11 Sobre o “modelo” econômico da ditadura militar colonial-bonapartista, vejam-se, Nelson Werneck Sodré, Radiografia de um Modelo, Rio de Janeiro, Vozes, 1975 e Paul I. Singer, O “Milagre Brasileiro”: causas e consequências. São Paulo, Cadernos CEBRAP, CEBRAP, 1972. Sobre os governos ditatoriais e suas políticas repressivas, vejam-se Evaldo Amaro Vieira, A República Brasileira – 1951 a 2010, de Getúlio a Lula, São Paulo, Cortez, 2015; José Paulo Netto, Pequena História da Ditadura Brasileira (1964-1985), São Paulo, Cortez, 2014; Antonio Carlos Mazzeo, Sinfonia Inacabada…,cit.
12 O PCB teve algumas centenas de militantes presos e assassinados/ “desaparecidos “, inclusive 10 membros de seu Comitê Central. Os comunistas “Desaparecidos” foram mortos na “Casa da Morte”, em Petrópolis, Rio de Janeiro e na Boate Querosene, em Itapevi, SP. Alguns foram incinerados nos fornos da Usina de açúcar Cambahyba, em Campos de Goytacazes no RJ, outros esquartejados e jogados no rio Avaré, em São Paulo. Além disso, houve o desmonte progressivo das células comunistas nas fábricas, como no ocorrido conhecido caso da Volkswagen, no ABC paulista e a perseguição sem tréguas aos opositores de esquerda e aos grupos armados que se formaram para combater a ditadura. Vejam-se Marcelo Godoy, A Casa da Vovó: uma biografia do DOI-CODI (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar. São Paulo, Alameda, 2014, p. 426 e seg. e Antonio Carlos Mazzeo, Sinfonia Inacabada, cit., p. 185 e seg.
13 Utilizamos o conceito de Consciência Possível desenvolvido por Lucien Goldmann, no texto “A importância do conceito de consciência possível para a comunicação” in A criação cultural na sociedade moderna: para uma sociologia da totalidade. São Paulo, Difel, 1972.
14 Veja-se Caio Prado Jr., A Revolução Brasileira, 6ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1978.
* Utilizo-me aqui, do título muito pertinente e atual do livro de Jose Carlos Mariategui, e de seus ensinamentos com o objetivo de analisar a contemporaneidade referenciando-me em seu “espírito”, que pretendeu fazer um ensaio traçando alguns esboços sobre a dinamicidade dos elementos primários dos aspectos históricos que constituíram as principais contradições que incidiam na luta de classes de seu tempo. Como acentuou Mariategui, em seu livro publicado em 1925: “[…] estas impressões, muito rápidas ou muito fragmentadas, não pretendem compor uma explicação do nosso tempo. Mas contêm os elementos primários de um esboço ou de um ensaio de interpretação deste tempo e dos seus tempestuosos problemas”. Jose Carlos Mariategui, La Escena Contemporánea, in Ediciones Populares de las Obras Completas de Jose Carlos Mariategui, Lima, Biblioteca Amauta, 1964, v. 1, p. 11 [tradução nossa].
15 Apesar disso, importantes conquistas sociais se mantiveram, a muito custo “[…]com a resistência heroica dos trabalhadores à dura repressão do Estado burguês – em países como França e Inglaterra, muito mais pelas pujantes organizações sindicais proletárias do que pela presença decisiva de partidos operários/e ou comunistas, muitos deles abalados não somente pelo esgotamento das experiências socialistas europeias mas também pela incapacidade dessas organizações em responder à ofensiva ideológica e de terra arrasada das políticas econômico-sociais na perspectiva dos trabalhadores”. A. C. Mazzeo, “Neofascismo: expressão ideológica da crise sistêmico-estrutural do Tardo-Capitalismo – reflexões preliminares” in A. C. Mazzeo, Milton Pinheiro e Luiz Bernardo Pericás (org.) Neofascismo, autocracia e bonapartismo no Brasil. São Paulo, Instituto Caio Pardo Jr., 2022, p.
16 Veja-se Bernard Manin, Principes du Gouvernement Representatif, Paris, Flammarion, 2019.
17 Anderson Deo, O Labirinto das Ilusões, cit. p. 259 e seg.
18 Ver Domenico Losurdo, Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal. São Paulo, Unesp, 2004, p. 64 e seg.
19 Ver V.I. Lênin, “El Comienzo del Bonapartismo”, in Rabochi i Soldat, nº6, 29 de julho de 1917, Lenin Obras Completas, v. XXVI, Madri, Akal, 1976, p. 303-304. Lembrando a assertiva de Karl Marx, inspiradora de Lênin: ao lado do governo bonapartista” […] alinhavam-se a aristocracia financeira, a burguesia industrial, a classe média, a pequena burguesia, o exército, o lumpen proletariado, organizado em Guarda Móvel […]. Do lado do proletariado de Paris não havia senão ele próprio […] Karl Marx. O 18 Brumário de Luís Napoleão. In: Marx, Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 334.
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