Califórnia: meio milhão de trabalhadores da fast food ganham aumento do salário mínimo
São cerca de meio milhão os trabalhadores do setor da fast food na Califórnia. Um setor mal pago, de mão de obra altamente precarizada e feminizada, sobretudo imigrante ou racializada. A partir do início deste mês, muitos deles viram o salário mínimo subir de 16 para 20 dólares por hora. Em comparação, o salário mínimo federal nos EUA continua a ser de 7,25 dólares por hora.
O aumento salarial vem na sequência da luta sindical e do acordo alcançado o ano passado entre vários sindicatos, como o Service Employees International Union que representa dois milhões de trabalhadores ao nível nacional, e o patronato. Não se aplica a todos os trabalhadores mas apenas aos das grandes cadeias que têm pelo menos 60 locais e nestes está ainda incluída a exceção das lojas mais pequenas incluídas noutros estabelecimentos como aeroportos, hotéis, centros de eventos, parques temáticos, museus e supermercados.
A lei que aumenta o salário mínimo inclui ainda um “conselho da fast-food”, um órgão inovador no país, onde têm assento trabalhadores e representantes patronais e que poderá aumentar ainda mais o salário mínimo anualmente durante o resto da década ao ritmo de 3,5% ao ano ou ao nível da inflação se esta for maior. Para além disso, nele se discutirão condições de segurança no trabalho.
Patrões ameaçam cortar horas de trabalho
Apesar do acordo, o patronato não reagiu bem e ameaça fazer repercutir os aumentos nos preços ao cliente. Grandes empresas como a McDonald's, Starbucks, Jack in the Box e Chipotle ameaçam aumentos nos menus que podem chegar aos 3,5%. Isto para além das subidas que têm vindo a acontecer ao longo dos últimos meses com o surto inflacionário a continuar no setor. Outros anunciam que irão fazer com os trabalhadores trabalhem menos horas e há ainda quem diga que vai recorrer a mais sistemas automáticos sem trabalhadores. Duas lojas da Pizza Hut da Califórnia anunciaram entretanto o despedimento de mais de mil estafetas e o recurso às grandes plataformas de distribuição online de emprego ainda mais precarizado.
Antes os patrões do setor tinham já gasto mais de um milhão de dólares em donativos e anúncios de campanha contra os políticos que apoiavam o aumento do salário mínimo.
Por causa das ameaças, os trabalhadores ouvidos pela NPR, a rádio pública norte-americana, revelam sentimentos contraditórios. Por exemplo Sandra Jauregui, trabalhadora do Jack in the Box há 18 anos, foi aumentada de 17.50 para 20 dólares, o que significa mais 120 dólares por mês. Diz que isto “é excelente” e que “pelo menos vai dar-me algum espaço para respirar… e tornar mais fácil pagar a renda e outras contas”. Para as pagar tem trabalhado 54 horas por semana. Para além do restaurante também está a trabalhar numa lavandaria. Esta trabalhadora que participou nas manifestações pelo aumento do salário tem noção também do outro lado da moeda: o patrão disse-lhe que não vai reduzir as suas horas mas que “cortar em horas de outros”.
Ao Guardian, especialistas no setor do trabalho como Tia Koonse, investigadora no Centro de Trabalho da UCLA, desmentem a tese dos “problemas” económicos que levantaria o aumento salarial. Ela afirma que “estudo após estudo mostra que o aumento do salário mínimo na verdade traz um ganho líquido. Produz um efeito de estímulo. Se se der mais dinheiro às pessoas pobres, elas vão gastá-lo localmente, incluindo nas rendas, serviços e habitação”. Assim, esse aumento de gastos “realmente produz empregos”.
Também Ali Bustamante, autor de um estudo do Roosevelt Institute, feito através de uma análise de dados da década passada, defende que esta é uma “oportunidade de reverter os lucros para os trabalhadores, para a base da produtividade destes negócios, de uma forma que é benéfica, não apenas para o conjunto da economia mas também para os próprios negócios a longo prazo”. O seu estudo mostra que a indústria da fast food norte-americana tem lucros suficientes para absorver os aumentos sem isso ter de afetar preços ou levar a despedimentos.
Um sindicato dos trabalhadores da fast food na charneira da luta
No interior do SEIU, o sindicato que liderou esta luta, nasceu a 9 de fevereiro uma experiência pioneira, o Sindicato dos Trabalhadores de Fast Food da Califórnia, o primeiro sindicato deste tipo de trabalhadores em todos os Estados Unidos.
Um trabalho que, explica a página da organização, começou há dez anos e passou pela anterior luta por um salário de 15 dólares por hora. Na lista das próximas prioridades da organização continua a luta por melhorias salariais, mas também por “locais de trabalho seguros e saudáveis”, para que os trabalhadores “tenham uma voz”, pela “justiça racial e económica”. A sua luta ambiciona também “mostrar aos trabalhadores com salários baixos em todo o mundo que quando nos organizamos, fazemos greve e construímos um movimento, todos podemos ganhar um lugar à mesa e melhorar vidas e as nossas comunidades”.
O recém-criado sindicato trata também de desmistificar as chantagens patronais sobre o aumento salarial, dedicando um longo artigo aos vários estudos académicos sobre o tema, aos problemas da falta de mão de obra no setor, aos lucros obtidos com os recentes aumentos de preços, entre outras questões
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