quarta-feira, 10 de abril de 2024

Sucesso econômico da China...

 

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Jeffrey Sachs
Professor da Columbia University (NYC) e Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável e Presidente da Rede de Soluções Sustentáveis da ONU. Ele tem sido um conselheiro de três Secretários-Gerais da ONU e atualmente serve como Defensor da iniciativa para Metas de Desenvolvimento Sustentável sob o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

Sucesso econômico da China diante do crescente protecionismo dos EUA e da União Europeia

Há problemas, é claro, mas os principais deles vêm dos Estados Unidos, não de dentro da economia chinesa

Publicado em 08/04/2024

A imprensa ocidental está repleta de histórias alarmantes sobre a economia chinesa. Somos informados regularmente de que o rápido crescimento da China acabou, que os dados da China são manipulados, que uma crise financeira chinesa se aproxima e que a China sofrerá a mesma estagnação pela qual o Japão passou nos últimos 25 anos. Isso é propaganda dos EUA, não a realidade. Sim, a economia chinesa enfrenta ventos contrários - principalmente criados pelos Estados Unidos. No entanto, a China pode - e eu acredito que irá - superar os ventos contrários criados pelos EUA e continuará no seu caminho de desenvolvimento econômico rápido.

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O fato básico é que o Produto Interno Bruto (PIB) da China cresceu 5,2% em 2023, em comparação com 2,5% nos Estados Unidos. Em termos per capita, a diferença de crescimento é ainda maior: 5,4% na China em comparação com 2% nos Estados Unidos. Em 2024, a China novamente superará significativamente os Estados Unidos. Não há uma grande crise de crescimento, apesar da retórica fervorosa na imprensa dos EUA. Sim, a China está desacelerando à medida que enriquece, mas ainda está crescendo consideravelmente mais rápido do que os Estados Unidos e a Europa.

Há problemas, é claro, mas os principais deles vêm dos Estados Unidos, não de dentro da economia chinesa.

Primeiro, há o problema de percepção. Os Estados Unidos estão promovendo uma narrativa negativa sobre a China. Descobrimos recentemente que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, incumbiu a CIA de espalhar propaganda maliciosa sobre a economia chinesa nas redes sociais a partir de 2019. Uma tática específica da CIA era difamar a importante Iniciativa do Cinturão e Rota da China.

Segundo, há o aumento do protecionismo dos EUA. Durante os 20 anos de 2000 a 2020, a China estava ocupada construindo suas novas indústrias verdes e digitais: dominando veículos elétricos, 5G, cadeias de fornecimento de baterias, módulos solares, turbinas eólicas, energia nuclear de quarta geração, transmissão de energia de longa distância e outras tecnologias de ponta. Enquanto isso, a Casa Branca e o Congresso estavam nas mãos dos lobbies do petróleo, gás e carvão, e portanto sem uma estratégia para as novas tecnologias energéticas. Finalmente, o presidente dos EUA, Joe Biden, e o Congresso concordaram em proteger as indústrias estadunidenses para dar aos EUA tempo para recuperar algum terreno perdido.

Terceiro, há a "Grande Estratégia" dos EUA para manter a "primazia" dos EUA sobre a China. Para o establishment de segurança dos EUA, não basta competir com a China de maneira honesta. O governo dos EUA também coloca obstáculos no caminho da economia chinesa. Parece incrível que os Estados Unidos fariam de tudo para minar a economia da China, e no entanto é exatamente isso que fazem. Essa abordagem foi delineada por um diplomata sênior dos EUA, o ex-embaixador Robert Blackwill, em março de 2015, em um artigo para o Conselho de Relações Exteriores publicado em conjunto com o co-autor Ashley Tellis. O artigo, em minha opinião, foi o lançamento público de uma nova política de Washington em relação à China, seguida pelos presidentes Obama, Trump e Biden.

Vale a pena citar Blackwill e Tellis extensivamente para entender o plano de jogo dos EUA:

Desde a sua fundação, os Estados Unidos têm byscado consistentemente uma grande estratégia focada em adquirir e manter poder preeminente sobre vários rivais, primeiro no continente norte-americano, depois no hemisfério ocidental e, finalmente, globalmente... Porque o esforço americano para "integrar" a China na ordem internacional liberal agora gerou novas ameaças à primazia dos EUA na Ásia - e poderia eventualmente resultar em um desafio consequente ao poder estadunidense globalmente - Washington precisa de uma nova grande estratégia em relação à China que se concentre em equilibrar o crescimento do poder chinês, em vez de continuar a auxiliar a sua ascensão. Essas mudanças, que constituem o cerne de uma estratégia alternativa de equilíbrio, devem derivar do reconhecimento claro de que preservar a primazia dos EUA no sistema global deve permanecer sendo o objetivo central da grande estratégia dos Estados Unidos no século XXI. Sustentar esse status diante do crescimento do poder chinês requer, entre outras coisas, revitalizar a economia dos EUA para nutrir aquelas inovações disruptivas que conferem aos Estados Unidos vantagens econômicas assimétricas sobre outros; criar novos acordos comerciais preferenciais entre amigos e aliados dos EUA para aumentar seus ganhos mútuos por meio de instrumentos que excluam conscientemente a China; recriar um regime de controle de tecnologia envolvendo aliados dos EUA que impeça a China de adquirir capacidades militares e estratégicas que lhe permitam infligir "prejuízos estratégicos de alta alavancagem" aos Estados Unidos e aos seus parceiros; construir concertadamente as capacidades políticas e militares dos amigos e aliados dos EUA na periferia da China; e melhorar a capacidade das forças militares dos EUA de projetar poder efetivamente ao longo das áreas costeiras asiáticas, apesar de qualquer oposição chinesa - enquanto continua a trabalhar com a China de maneiras diversas que condizem com a sua importância para os interesses nacionais dos EUA.

Essas declarações de Blackwill e Tellis são notáveis por dois motivos. Primeiro, elas delineiam explicitamente a "Grande Estratégia" dos EUA de forma inequívoca: preservar a "primazia" estadunidense no sistema global, incluindo sobre a China. Segundo, eles listaram - já em março de 2015 - as políticas reais perseguidas pelos Estados Unidos durante a última década.

Considere as cinco políticas recomendadas por Blackwill e Tellis.

Primeiro, revitalizar a economia dos EUA. Ok, isso é suficientemente justo. Os Estados Unidos precisam colocar sua casa econômica em ordem.

Segundo, criar novos acordos comerciais dos EUA com a Ásia que "excluam conscientemente a China." Essa é uma ideia absurda, já que a China é a maior economia da Ásia, mas Obama tentou (e falhou) criar o Acordo Transpacífico para excluir a China, enquanto tanto Trump quanto Biden buscaram protecionismo flagrante contra a China, especialmente na forma de aumentos unilaterais de tarifas, em violação dos compromissos da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Terceiro, recriar um "regime de controle de tecnologia" para limitar o acesso da China à alta tecnologia. Isso está em andamento atualmente, principalmente com os novos limites para a exportação de tecnologia avançada de semicondutores para a China.

Quarto, fortalecer alianças político-militares nas fronteiras da China. Essa é a estratégia dos EUA com a AUKUS (Austrália-Reino Unido-Estados Unidos), o Quad (Austrália-Índia-Japão-Estados Unidos) e o Triângulo Estados Unidos-Japão-Filipinas.

Quinto, fortalecer as forças militares dos EUA ao longo das áreas costeiras asiáticas, "apesar da oposição chinesa." Isso também está acontecendo com a Austrália, o Japão, as Filipinas e outros lugares.

O objetivo de “primazia” dos Estados Unidos é perigosamente equivocado. Como a China tem quatro vezes a população dos Estados Unidos, a única maneira de a economia dos EUA permanecer maior do que a da China seria se a China permanecesse presa a menos de um quarto do PIB per capita dos EUA. Não há razão para que isso aconteça. Se isso acontecesse, significaria muito sofrimento na China e uma grande perda de dinamismo global.

A primazia não deve ser o objetivo dos EUA, ou da China, nem mesmo o objetivo de qualquer país. O único objetivo sensato para as grandes potências é a prosperidade mútua, a segurança comum e a cooperação global em relação a desafios comuns - como sustentabilidade ambiental e paz.

O manual de instruções estadunidense - usando políticas comerciais, tecnológicas, financeiras e militares para deter outro país - não é novo para os Estados Unidos. Este foi, é claro, o plano de jogo dos EUA para "conter" a União Soviética durante os anos 1950-1980. Foi implementado novamente no final dos anos 1980 para impedir o rápido crescimento do Japão, um aliado americano, porque o Japão estava superando a indústria dos EUA. Os Estados Unidos forçaram o Japão a concordar com restrições "voluntárias" às exportações e de manter um iene supervalorizado. Assim, o crescimento econômico do Japão despencou e o país entrou em uma crise financeira prolongada.

No entanto, a China não é o Japão. É muito maior, mais poderosa e não subserviente aos Estados Unidos. Ao contrário do Japão na década de 1990, a China não precisa e não ficará parada enquanto os Estados Unidos buscam políticas comerciais e tecnológicas para desacelerar o crescimento econômico da China.

Para entender as escolhas políticas da China, lembrem-se da equação da conta nacional de renda de que o PIB é igual a C+I+G+X-M. Ou seja, o PIB da China pode ser consumido, C; investido, I; consumido pelo governo, G; exportado, X; ou usado para substituir importações, M; as exportações da China podem ir para os Estados Unidos e a Europa ou para o resto do mundo.

Nos últimos anos, os mercados dos EUA e da Europa têm se fechado cada vez mais para as exportações da China. Em 2023, os Estados Unidos importaram 427 bilhões de dólares em mercadorias da China, abaixo dos 536 bilhões de dólares de 2022. Como proporção do PIB dos EUA, as importações da China foram de 2,6% em 2018, mas caíram para apenas 1,6% em 2023, como resultado do protecionismo dos EUA sob Trump e Biden.

Aqui estão, então, as escolhas políticas enfrentadas pela China. Com a produção de bens e serviços continuando a crescer na China e com as exportações para os Estados Unidos caindo, a China enfrenta um excesso geral de oferta de bens. Esse excesso de oferta diminuirá o PIB e poderia até criar uma recessão na China, caso medidas políticas não forem tomadas para compensá-lo.

Os Estados Unidos dizem à China para aumentar o consumo, para compensar a queda de suas exportações. Por exemplo, a China poderia cortar impostos para estimular o consumo. O problema com a recomendação dos EUA é que a China provavelmente passaria para um crescimento mais lento e déficits orçamentários mais altos, como nos Estados Unidos.

Uma segunda opção seria para a China aumentar os investimentos domésticos, por exemplo, para acelerar a transição da China para uma economia de zero-carbono. Há algum mérito em impulsionar o investimento doméstico para compensar parte da redução das exportações para os Estados Unidos.

Uma terceira opção seria impulsionar o consumo do governo. Essa política também provavelmente resultaria em um crescimento mais lento e em déficits orçamentários mais altos.

Uma quarta opção é aumentar as exportações para os países em desenvolvimento. Essa abordagem tem muito mérito. Se o mercado dos EUA está fechado e o mercado europeu está se fechando (à medida que a Europa se torna mais protecionista), então a China pode mudar as exportações para os mercados emergentes. Parte disso acontecerá automaticamente. À medida que os Estados Unidos compram menos da China e mais, digamos, do Vietnã, então o Vietnã comprará mais bens intermediários da China para processar e exportar para os Estados Unidos.

Alguma reorientação das exportações, no entanto, exigirá novas políticas chinesas. O poder de compra das economias emergentes geralmente é menor do que nos Estados Unidos e na Europa. Sim, as economias emergentes gostariam de comprar o que a China tem a oferecer - módulos solares, turbinas eólicas, 5G e o resto -, mas precisarão de mais empréstimos para fazer isso. Para a China vender substancialmente mais para as economias emergentes, ela terá que aumentar os empréstimos e os investimentos diretos estrangeiros para essas economias - por exemplo, expandindo a Iniciativa do Cinturão e Rota e os empréstimos do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura e do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS.

Pode haver alguma resistência entre os formuladores de políticas da China em aumentar os empréstimos para as economias emergentes, já que algumas dessas economias já estão em dificuldades com as suas dívidas. No entanto, as economias emergentes geralmente têm um potencial de crescimento muito alto. Sua dívida não é muito alta - desde que a dívida tenha um período de pagamento (vencimento) longo o suficiente. As economias emergentes precisam principalmente de tempo para crescer e, assim, poder pagar à China pelos empréstimos.

Aqui, então, está meu próprio resumo da situação econômica na China. O lado da oferta da economia da China continua crescendo rapidamente. O PIB potencial da China continua a subir a uma taxa de 5% ao ano ou mais rápido. Além disso, a qualidade dessa produção é alta e está aumentando. A China é o produtor mundial de baixo custo de bens de que o resto do mundo precisa: sistemas de energia de carbono-zero, redes digitais 5G e infraestrutura de alta qualidade (como ferrovias rápidas entre cidades).

O problema da China não está no lado da oferta, mas no lado da demanda. A China enfrenta restrições de demanda principalmente porque os Estados Unidos ergueram barreiras contra as exportações da China para o mercado dos EUA, e parece provável que a Europa siga os Estados Unidos nisso. Embora a China possa potencialmente compensar essa desaceleração das exportações aumentando o consumo doméstico, seria aconselhável aumentar as suas exportações para as economias emergentes - em parte, expandindo programas importantes como a Iniciativa do Cinturão e Rota. Para fazer isso com prudência, a China teria que aumentar seus empréstimos de longo prazo para as economias emergentes.

Não nego que existam outros desafios enfrentando a economia da China, como alguns investimentos temporários excessivos em imóveis, ou algum endividamento excessivo de alguns governos locais. No entanto, acredito que tais problemas sejam de curto prazo e cíclicos, não de longo prazo e estruturais. Também existem áreas que precisam de mais reformas, é claro, como o sistema de hukou (residência urbana). No entanto, também aqui, tais desafios de reforma estão em andamento e muito provavelmente serão resolvidos com sucesso.

Eu gostaria de ver a China continuar o seu crescimento rápido e, sim, ultrapassar os Estados Unidos em PIB a preços de mercado e taxas de câmbio atuais, condizente com um país que é quatro vezes maior que os Estados Unidos em população. Observo que em termos de paridade de poder de compra, a China já ultrapassou os Estados Unidos em 2017 (de acordo com dados do FMI) e nada terrível aconteceu aos Estados Unidos.

O crescimento econômico da China beneficia não apenas a China, mas o mundo todo. A China trouxe novas e eficazes tecnologias que vão desde uma cura moderna para a malária (artemisinina) até sistemas de energia de carbono-zero de baixo custo e de sistemas 5G de baixo custo. Devemos torcer pelo contínuo desenvolvimento rápido da China. Devemos deixar de lado ideias infantis de "primazia" e adotar ideias adultas de respeito mútuo, convivência pacífica e cooperação global para proteger o planeta. O mundo não quer nem precisa de um único país dominante. Na verdade, isso nem é viável em nosso mundo atual. A solução absolutamente melhor para a economia mundial seria para a China, os Estados Unidos e a Europa manterem o comércio aberto e as políticas industriais mutuamente acordadas. No entanto, se os Estados Unidos e a Europa se tornarem fortemente protecionistas contra a China, então a melhor resposta para a China é acelerar suas relações comerciais e financeiras bem-sucedidas e em crescimento com as economias emergentes.

Jeffrey Sachs, Professor da Columbia University (NYC) e Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável e Presidente da Rede de Soluções Sustentáveis da ONU. Ele tem sido um conselheiro de três Secretários-Gerais da ONU e atualmente serve como Defensor da iniciativa para Metas de Desenvolvimento Sustentável sob o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

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