sábado, 22 de março de 2008

Lista fechada para escolha de candidatos às eleições

Queria inicialmente falar sobre o Santayana. Ele faz parte de uma geração de jornalistas em processo de extinção da qual fizeram parte ou fazem parte, nomes como o Castello Branco, oVillasboa Corrêa, o Hélio Fernandes e outros, que mantiveram sua independência intelectual e que nunca se sujeitaram aos caprichos dos seus patrões.
Na minha opinião o Santayana é, nos dias de hoje, o que apresenta o melhor texto jornalístico em nosso país. E pensar que este jornalista só estudou até a segunda série do curso primário, tendo sido antes camelô, mascate e locutor de rádio. É dele uma declaração muito pertinente com o momento atual da nossa imprensa:"Na imprensa brasileira sempre existiram canalhas. E a gente os conhecia. O problema hoje é que não é fácil identificá-los".

Com relação a lista de candidatos, abordada no texto do Santayana, não é surpresa que tal idéia tenha partido do PSDB, possivelmente da cabeça do FHC, que se acha dono do partido.


Mauro Santayana
Algumas idéias continuam a flutuar na atmosfera política. Uma delas é a da democratização da escolha dos candidatos aos cargos majoritários, mediante consultas prévias às bases partidárias. Principal partido de oposição, o PSDB divide-se em duas correntes eleitorais. O Partido da Social Democracia Brasileira nada tem a ver com seu nome - o que ocorre também com quase todos os outros partidos. Ao escolher Minas a fim de acolher o primeiro congresso, talvez tenham buscado associar o nome do novo partido ao velho PSD, criado pela inteligência política de Benedito Valadares, com a ajuda de alguns homens públicos e intelectuais mineiros. Ao encomendar, ao professor Mário Casasanta, a tarefa de redigir o rascunho do programa e estatutos do partido, em 1945, Benedito recomendou-lhe, que pusesse no texto "alguma coisa de comunismo, porque está na moda".
Casasanta buscou a denominação no partido surgido do movimento socialista europeu do século 19. O PSDB foi criado por iniciativa de mineiros e paulistas, mas se os mineiros a ele aportaram alguma idéia tática - entre elas a do nome e do símbolo ornitológico - os paulistas, mercê de seu poder econômico e densidade eleitoral, sempre o controlaram.
No momento, tanto Aécio quanto Serra agem dentro dos ritos da elegância. Sob a necessária conveniência, a disputa não se expressa com clareza. Cresce a proposta de que o partido faça consultas prévias aos filiados. Se se fizerem como nos Estados Unidos, dificilmente um candidato de São Paulo será o escolhido. Como disse o ex-presidente Itamar Franco, o resto do Brasil não parece disposto a aceitar a continuação da hegemonia paulista por mais oito anos. Isso significaria um quarto de século de presença do estado no centro do poder da República.
Embora Serra e Aécio não estejam tão distantes um do outro, no pragmatismo do centro político, os interesses econômicos e as idéias fundamentais das duas sociedades os distinguem. Podemos começar pelo sentimento nacional, muito mais denso em Minas, desde os tempos da capitania, em que seu povo foi espoliado do ouro e dos diamantes. A economia do café levou São Paulo à Europa na segunda metade do século 19, e abriu o Estado à industrialização, mediante o fluxo de imigrantes. Quando Minas adotou, com mais decisão, a lavoura cafeeira, no fim do século, São Paulo já estava bem adiante. Os imigrantes e as relações econômicas com o Exterior tornaram os paulistas mais tolerantes com a presença cultural e econômica da Europa e dos Estados Unidos, enquanto em Minas a situação era diferente. Os mineiros, conforme a constatação de Arthur Bernardes, exportavam minérios - que não dão duas safras - para fazer a prosperidade e o poder dos outros. Seria improvável que um mineiro promovesse, como presidente ou ministro de Estado, a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, cuja criação fora reivindicação do povo e do Estado.
A Revolução de 30 surgiu, entre outros fatores, da rebelião contra a hegemonia econômica e política de São Paulo. Getúlio iniciou o processo de descentralização da economia, mediante a intervenção do Estado. Juscelino lhe deu continuidade, na Operação Nordeste. Lula, com dupla identidade - de nordestino e paulista - vem promovendo a ascensão social e econômica dos Estados pobres, mediante os programas conhecidos, ao mesmo tempo em que cultiva os banqueiros de São Paulo e é por eles cultivado. Entre os paulistas mais lúcidos - e eles são muito mais numerosos do que parece - existe a consciência de que chegou a hora de buscar, no resto do país, chefe de Estado que veja a nação como um todo. Essa postura eles a tiveram em 1984, quando somaram-se à candidatura de Tancredo Neves contra Maluf. Sabem que se não houver a descentralização de sua prosperidade, São Paulo continuará a atrair, para a inquietadora periferia de sua capital, a pobreza do resto do país - e, com a desigualdade, o desespero da violência.
Outra idéia é a da reforma política. Uma das recomendações do PSDB é a do voto em lista fechada. Nos países europeus que o adotam, a opinião pública se levanta contra o sistema, por sua natureza antidemocrática, porque confere ao arbítrio ditatorial das direções partidárias a escolha dos candidatos. Há dias, Juan Luis Cebrián - um dos fundadores de El País - publicava lúcida e concisa análise política, em que prega reforma constitucional para assegurar a democratização efetiva do sistema político espanhol. Entre outras de suas idéias, está a do fim da lista fechada e a adoção do voto aberto e uninominal, como ocorre entre nós. Os neoliberais brasileiros, com sua fobia ao povo, querem a lista fechada para consolidar o controle do poder econômico sobre os partidos e a República.

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