sábado, 21 de agosto de 2010

QUESTÃO AGRÁRIA - Decisão importante.

Decisão que suspendeu 5 mil registros de terras no Pará dará um novo norte à justiça fundiária


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) cancelou os procedimentos administrativos de mais de 5 mil registros imobiliários rurais no Estado do Pará que possuíam irregularidades. Com a medida, os proprietários ficam impedidos de vender a propriedade ou utilizá-la como garantia em transações bancárias ou planos de manejo florestais, por exemplo.
A reportagem é de Aldrey Riechel e publicada por Amazônia.org.br, 20-08-2010.
A medida tenta combater as grilagens de terras no Estado. Estudos realizados pelo Ministério de Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário apontam para mais de 100 milhões de hectares grilados no Brasil. Destes, cerca de trinta milhões se localizariam no estado do Pará.
"[A decisão do CNJ] é o início do fim da grilagem do Pará", comemorou o Procurador Felício Pontes Jr, que faz parte da Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem no Pará, que formalizou a denúncia ao CNJ.
Por outro lado, o presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) Girolamo Treccani defende que é necessário ter cautela. "Acho que nós temos que analisar essa decisão, que é uma decisão complexa, e que merece todo e qualquer cuidado, exatamente pela relevância e pelo interesse envolvido".
Um dos motivos para esse cuidado seria a forma como a decisão do CNJ impacta em futuras análises de órgãos de justiças sobre processos referentes à reforma agrária. Treccani afirma que a decisão dá um novo rumo para algumas situações de irregularidades fundiárias. Entre elas, o entendimento "de que o particular tem que provar que é dono da área e que existe a possibilidade do cancelamento administrativo desse registro". Ele também acredita que os outros órgãos de justiça tenderão a seguir a mesma orientação.
Para Treccani, a decisão do CNJ ajuda a simplificar os procedimentos e fazer com que o combate a grilagem seja mais eficaz. "Nós temos que, nesse momento, agradecer ao poder judiciário do nosso Brasil e os caminhos que estão sendo apontados", finaliza.
O diretor da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira Roberto Smeraldi afirma que "o interessante é que se trata de uma determinação da corregedoria do CNJ, que portanto afeta a forma em que a justiça deve tratar o problema: é notório que, especialmente no Pará, a justiça tem agido de forma ostensivamente favorável às pretensões mais extravagantes. Inverter o ônus da prova, por parte da corregedoria, torna mais difícil a ação da indústria da grilagem e menos efetiva sua infiltração no judiciário paraense".
A decisão
São consideradas irregulares as matrículas de imóveis rurais registradas entre 16 de julho de 1934 e 8 de novembro de 1964 com área superior a 10 mil hectares; de 9 de novembro de 1964 a 4 de outubro de 1988, com mais de 3 mil hectares e a partir de 5 de outubro de 1988, com mais de 2.500 hectares.
Segundo o despacho, existem outras irregularidades nas propriedades: "é expressivo o número de registros que a administração identificou como manifestamente inválidos pela data, pela origem, pela dimensão ou pela afrontosa incongruência ou falsidade de seus termos à expressão constitucional então vigente".
Para que a decisão da Corregedoria Nacional se torne efetiva, a Corregedoria-Geral do Pará terá que orientar os cartórios do Estado para que cancelem dos registros e matrículas. Os cartórios, por sua vez, terão que informar no prazo de 30 dias à Corregedoria-Geral as providências tomadas.
Os títulos já haviam sido bloqueados em 2006 e, agora, foram anulados pela Justiça. A medida ainda é passível de recurso na Justiça, mas segundo Pontes o índice será muito baixo. "Essas matriculas, não todas, mas muitas delas, tinham sido bloqueadas há uns 5 anos atrás. Sabe qual o percentual daqueles que reclamaram que tinham sido bloqueados? 3% apenas! Ou seja, 97% não reclamaram".
A expectativa é que a lista com os nomes das propriedades que serão canceladas seja divulgada ainda hoje. "O cancelamento nos permitem entrar com ação contra as propriedades irregulares. Algumas delas não existem. Algumas são fantasmas, como Carlos Medeiros, que é um famoso fantasma do Pará que se dizia dono de um quarto do Estado", diz Pontes.


União usará decisão do CNJ para reaver terras no país


O Incra pedirá à Justiça de seis Estados amazônicos o cancelamento de títulos de terra que somam 3 milhões de hectares, o equivalente a dez vezes a área do DF.
A reportagem é de Cláudio Angelo e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 21-08-2010.
Esse é o total de terras que o órgão tenta reaver por meio de 452 ações judiciais no Pará, Amapá, Amazonas, Tocantins, Acre, em Mato Grosso e em Rondônia.
A procuradora do Incra, Gilda Diniz, informou que o pedido será feito após decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de anteontem que determinou o cancelamento de 5,5 mil títulos irregulares no Pará, possivelmente frutos de grilagem de terras públicas.
A ideia é espalhar a decisão para outros Estados, a fim de acelerar o combate à grilagem na Amazônia.
Hoje, o cancelamento de títulos irregulares só pode ser feito por meio de ação judicial. É um processo demorado e custoso, e que é feito caso a caso. "Temos ações em curso desde 1993", diz Diniz.
A decisão de anteontem do ministro Gilson Dipp, do CNJ, tem o potencial de mudar esse quadro. Ela estabelece que o cancelamento dos títulos irregulares pode ser feito por decisão administrativa, ou seja, sem a necessidade de uma ação judicial.
Espera-se que os Tribunais de Justiça dos Estados sigam a decisão do CNJ, como o Pará terá de fazer (o TJ paraense havia negado o cancelamento administrativo em 2009, o que motivou recurso do governo estadual e do Ministério Público ao CNJ).
JURISPRUDÊNCIA
"É como se [o CNJ] criasse uma jurisprudência", afirmou Diniz, para quem a decisão "acelera e dá visibilidade" às tentativas de retomada de terras públicas.
A briga judicial pela posse de terras na Amazônia se arrasta desde a ditadura.
Em 1971, um decreto-lei declarou zonas de segurança nacional as terras numa faixa de 100 km de cada lado de rodovias como a Belém-Brasília e a Transamazônica. Essas áreas deveriam ser registradas em nome da União.
Eram 195 milhões de hectares, uma área maior que a do Amazonas. Parte deles foi ocupada irregularmente, parte foi grilada.
"Nos casos que a gente pede [a retomada], são grandes áreas ocupadas por um só, ou o cara só tem o título", diz Diniz. O objetivo do grileiro é especular com a terra, vendendo pedaços dela ou dando o título falso como garantia de empréstimos.
A grilagem é a principal causa de violência no campo na Amazônia.
Um caso famoso é o do título de 3.000 hectares do fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, sobre uma terra do Incra que abriga um assentamento, no qual trabalhava a missionária americana Dorothy Stang.
A disputa levou ao assassinato da freira em 2005. Taradão foi condenado em maio a 30 anos de prisão por ter encomendado o crime. O título foi cancelado

Nenhum comentário: