Do blog Dialógico.
Hoda Abdel-Hamid, Al-Jazeera, Qatar
Por todos os lados para onde se olhe, em Cabul, capital do Afeganistão, só se veem paredes derrubadas, ruínas e grupos de guardas de segurança armados: são os funcionários das empresas privadas contratadas pelos EUA para fazer a segurança dos prédios onde circulam diplomatas, representantes de organizações não-governamentais e funcionários de grandes empresas norte-americanas.
Os mesmos guardas têm acompanhado comboios militares em deslocamento – quase sempre dirigindo em alta velocidade, causando pânico e gerando caos nas estradas. De fato, esses guardas privados armados, sejam afegãos, norte-americanos ou quaisquer outros, são odiados no Afeganistão. Vários deles têm-se envolvido em acidentes e outros eventos violentos, sempre com mortes de civis inocentes. O último desses casos envolveu funcionários da empresa Dyncorps (EUA), na estrada do aeroporto, em Cabul: quatro civis afegãos foram mortos num acidente de carro; os funcionários da Dyncorps fugiram do local do acidente, e uma multidão enfurecida incendiou os carros e atacou policiais afegãos.
O comportamento desses soldados mercenários há tempos preocupa o presidente afegão Hamid Karzai que, recentemente, se referiu a eles como “ladrões durante o dia, terroristas à noite”. Agora, ao que parece, Karzai decidiu fechar o cerco contra as empresas de segurança privada.
Decreto de Karzai
Decreto do presidente Karzai, dessa semana, exige que todas as empresas de segurança que contratam guardas armados no país sejam extintas, no prazo de quatro meses. Para o governo afegão, esses mercenários agem como exército paralelo e são causa de instabilidade no país.
Até o início do próximo ano, esses “geradores de confusão e instabilidade” deverão ser desmobilizados. Todos os vistos para permanência no país serão revogados.
Poucas horas depois de o decreto ser divulgado, conversei com um dos empresários estrangeiros encarregados daqueles funcionários – para saber se estavam preocupados com o risco de perderem os empregos em poucos meses.
A resposta foi um claro “Não”. E acrescentou: “Se sairmos, esse país mergulhará no caos completo”. É possível que tenha alguma razão.
O que dizem os militares
Há cerca de 40 mil guardas privados armados em operação no Afeganistão. Mais da metade, empregados por empresas contratadas pelo exército e pelo Departamento de Estado dos EUA.
Para os militares, são indispensáveis, porque liberam os soldados regulares para as missões de combate. As empresas de segurança privada cumprem várias das tarefas que, sem eles, caberiam aos soldados – segurança das bases, prédios e instalações, segurança pessoal e, sobretudo, a proteção armada aos comboios militares nas rotas de suprimento das bases e acampamentos militares. E é nas estradas que ocorrem a maioria dos confrontos que sempre fazem grande número de vítimas civis.
Recentemente, o governo decidiu que a segurança dos comboios passará a ser feita por soldados do exército afegão – empreitada difícil, se se considera que os soldados afegãos ainda estão pouco treinados, não dispõem de armas adequadas e não têm experiência.
Os comboios de suprimento são alvos preferenciais dos Talibã e de outros grupos de guerrilheiros e milícias armadas que proliferam no país, e não se acredita que os militares norte-americanos aceitem entregar a segurança de seus comboios aos afegãos. Para dificultar ainda mais, aumentam as notícias de que o exército afegão já estaria infiltrado de militantes da resistência afegã. E, isso, ainda sem considerar que as estradas que cortam o país são controladas por diferentes senhores-da-guerra locais, e acredita-se que as empresas privadas de segurança pagam regularmente a vários desses senhores-da-guerra, em troca do direito de circular pelas estradas – recurso ao qual nem o exército dos EUA nem o exército afegão podem recorrer diretamente, pelo menos em teoria.
Os contatos de Karzai
Outro motivo pelo qual o empresário com quem conversei não acredita que as empresas privadas de segurança armada venham a ser de fato expulsas do Afeganistão é que várias delas pertencem, totalmente ou em parte, a famílias influentes no país.
“Será que o irmão do presidente fechará sua empresa?”, perguntou ele, referindo-se a Ahmed Wali Karzai, meio-irmão de Hamid Karzai e temido governador da província de Candahar.
O que se diz no país é que Wali Karzai controlaria várias das empresas privadas de segurança na área crucial de Candahar, apesar de jamais se haver provado qualquer conexão financeira entre ele e as empresas de segurança.
Os mais cínicos – muitos, nas ruas em torno do Capitólio – garantem que o decreto servirá apenas para entregar à família do próprio Karzai o monopólio da segurança privada no país, depois de expulsas as empresas estrangeiras, quase todas norte-americanas. Para outros, seria golpe de propaganda que Karzai estaria tentando, em busca de maior apoio popular, com vistas às eleições previstas para meados de setembro.
Num ponto, todos concordam: os mercenários armados são força de desestabilização ativa no Afeganistão – ideia que se encontra até no último relatório do Congresso dos EUA.
De fato, vai-se firmando a ideia de que as milícias mercenárias constituem hoje uma ameaça ao sucesso da estratégia dos EUA no Afeganistão, exatamente como aconteceu no Iraque, antes. Mas não se sabe se a expulsão seria a melhor solução com vistas ao futuro do Afeganistão.
Há quem diga que a expulsão das milícias privadas mercenárias criaria um vácuo de segurança, que os militares dos EUA – já sobrecarregados –, dificilmente conseguiriam preencher.
Tradução Vila Vudu
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