Nos mercados das matérias-primas mundiais – depois da parada (temporária) das exportações russas de trigo – já foi desencadeada, sem muitas reclamações, a guerra dos grãos. O Departamento de Agricultura dos EUA (Usda) tentou apagar o fogo nesta quinta-feira ("as reservas mundiais ainda estão altíssimas"). Mas a lembrança da crise de 2008, quando a falta de pão provocou confrontos urbanos do Haiti ao Egito, ainda é viva. E ninguém, desta vez, quer correr o risco de se achar de repente com os depósitos vazios.
A reportagem é de Ettore Livini, publicada no jornal La Repubblica, 13-08-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O governo do Cairo – que absorve um terço das exportações de Moscou – foi o primeiro a se mexer, forçando França e EUA a tapar o "buraco" russo. O mesmo foi feito pela Turquia, Síria, Líbia, Israel, Jordânia, Iêmen e Iraque, outros grandes clientes de Dmitry Medvedev. A Itália, que importa da Rússia só 4% das suas necessidades, permaneceu até agora na janela, também porque, nos silos dos consórcios, ainda está conservada boa parte da safra de 2009.
A guerra dos cereais, obviamente, continua mantendo os preços em alta. Uma tonelada de trigo custa hoje 263 euros, muito menos do que os 600 que custava em 2008, mas 54% a mais desde o fim de maio. O Egito – teatro de uma sanguinária revolta pública contra o custo do pão há dois anos – aumentou de 400 milhões para 700 milhões de dólares os financiamentos públicos para acalmar os preços de varejo.
E depois do alarme da FAO ("a crise do grão poderia colocar os países emergentes e os mais pobres de joelhos"), o Banco Mundial também entrou em campo, pedindo nesta quinta-feira que os grandes produtores eliminem os tetos para a exportação para não favorecer a especulação. Palavras ao vento, visto que ainda nesta quinta-feira a Ucrânia anunciou – por causa da seca – um corte nas suas vendas ao exterior.
O risco é claro: se os preços do grão não forem freados em curto prazo, o aumento irá contagiar, com um efeito dominó, toda a escala alimentar (uma vaca de carne consome, no seu ciclo de vida, 1,3 toneladas de milho e uma tonelada de derivados secos de cereais), sobreaquecendo a inflação em um momento em que a economia mundial está sofrendo para dar as costas à recessão. Os grandes fornecedores britânicos já anteciparam que as listas de preços do próximo outono europeu sofrerão, por força maior, pequenos retoques. E muitos temem que isso possa ser só o começo.
Mas os analistas e os especialistas da agricultura dos EUA estão otimistas. A Usda cortou nesta quinta-feira as suas estimativas sobre as reservas de trigo mundiais, caindo para 174 milhões de toneladas, das 187 milhões do início de julho, lembrando porém que estamos bem acima dos 130 milhões de dois anos atrás. As disponibilidades nos depósitos são iguais, neste momento, a 26% do consumo global, contra os 20% de 2008.
Os EUA e a França, onde as safras marcaram o segundo ano recorde consecutivo, podem, teoricamente, tapar sem problemas o buraco aberto pela crise russa: as exportações de Moscou irão cair dos 22 milhões de toneladas do ano passado para cerca de 3,2 milhões de 2010. As de Washington, porém, vão aumentar em quase 10 milhões em cada um dos próximos dois anos, enquanto a Europa – graças a um período excelente – também está pronta para colocar no mercado pelo menos 3 milhões de toneladas a mais.
A duração e a gravidade da crise dos grãos (e as suas eventuais consequências sociais em diversos países) dependem, no entanto, em grande parte, justamente da Rússia. A prudência de Vladimir Putin ("a parada das exportações poderia durar até o final de 2011") já foi um primeiro balde de água fria para o mercado. Que agora olha com ansiedade para os boletins meteorológicos para a ex-URSS, em espera messiânica daquela chuva necessária para apagar os incêndios que devastam os campos do país e para permitir que se inicia a semeadura da próxima estação, antes da chegada do inverno em geral.
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