segunda-feira, 16 de agosto de 2010

AFEGANISTÃO - Com o US Army no Afeganistão.

por Ann Jones [*]

Durante os oito anos em que fiz a cobertura do Afeganistão estive "incorporada" ("embedded") habitualmente com os civis afegãos, especialmente mulheres. Entretanto, estando recentemente envolvida com tropas e jornalistas americanos adstritos à "estratégia" militar de contra-insurgência (mais conhecida pela sigla COIN), decidi verificar também esse programa. Em Junho último preenchi um pedido para ser incorporada ao US Army.

Emails polidos de especialistas em assuntos públicos do Exército pedem aos jornalistas que apresentem prova de seguro médico, uma exigência que considerei como uma admissão de que a guerra não é uma ocupação saudável. Eu já sabia disso, naturalmente – a partir do lado civil. Além disso, lera um bocado de artigos e livros de meus colegas homens que haviam arriscado os seus pescoços com tropas americanas no Iraque e no Afeganistão. O que me impressionou acerca do trabalho deles foi isto: mesmo quando descreviam incompetências provenientes dos altos escalões, aqueles repórteres ainda se esforçavam por fazer a organização militar soar quase sistematicamente como heróica. Gostava de saber o que podiam estar a omitir.

Assim, enviei uma cópia do meu cartão Medicare. Perguntava-me se esta evidência da minha cidadania, a par da minha condição de membro do "sexo mais fraco", o qual supostamente estamos a resgatar no Afeganistão, levantaria questões acerca da minha aptidão para missões "do lado de fora do arame farpado" de uma Forward Operating Base (FOB) no Afeganistão oriental a apenas uns poucos quilómetros das áreas tribais do Paquistão. Mas não, o meu pedido de incorporação foi aceite – prova de que nem aptidão nem heroísmo foram exigidos (algo que os meus colegas homens nunca revelaram). Afinal de contas, nem a minha idade nem o meu género foram prejudiciais. Como sabe a Miss Marple, de Agatha Christie, as pessoas dirão quase tudo a uma velha senhora que elas supõem ser estúpida.

Os rapazes e seus brinquedos

Tendo sido crítica das políticas americanas desde o princípio, nada vi nas várias bases do Exército que visitei que mudasse as minhas ideias. Um dia naquela FOB, preparando-me para ir numa missão, o sargento responsável escreveu os nomes dos soldados no palco, seguido por "Terp" para designar o intérprete afegão-americano que nos acompanharia, e "In Bed" [1] , o que significava eu. Ele fez uma piada acerca de repórteres que estão mais entusiasmados do que os soldados. Não eu. E não estava sozinha. Eu já havia encontrado antes um bocado de rapazes em outras bases, principalmente reservistas que tinham empregos em casa de que gostavam apaixonadamente – professores, treinadores, músicos – e esposas e filhos que amavam, que apenas queriam ir para casa. Um deles disse-me: "Talvez se eu fosse dez anos mais jovem pudesse ser aceite, mas já não sou um rapaz".

O Exército enviou-me uma lista de regras básicas para repórteres – principalmente questões de senso comum como não publicar a força da tropa ou planos de batalha. Também obtive uma lista de coisas a trazer. Era a espécie de lista que as mães fazem quando enviam seus garotos para o campo: cantil de água, lanterna de pilha, toalha, sabão, papel higiénico (para as excursões longe da base), saco de dormir, etc. Mas também havia outro material, como protecção balística, luvas a prova de fogo, grande faca, armadura corporal e capacete Kevlar. Considerando quanto dos meus dólares de impostos vão para o Pentágono, pensei que o Exército podia ter uns poucos colectes protectores sobressalentes para emprestar aos repórteres visitantes, mas não, você tem de levar o seu.

Isto talvez tenha sido um sinal do que estava para vir, pois logo fui inundada por queixas de soldados e igualmente de fornecedores civis: armaduras insuficientes, veículos insuficientes, helicópteros insuficientes, armas insuficientes, tropas insuficientes – e mesmo quando parecia haver abundância de tudo, queixas de que nada daquilo era da espécie perfeitamente correcta. Isto impressionou-me como um problema característico de americanos privilegiados que parecia subjacente a quase tudo que estava a ver na frente oriental desta guerra. Aquelas queixas, de facto, pareciam emanar da própria natureza do empreendimento militar americano – da sua mistura tóxica de paranóia, poder e boas intenções.

Tomemos a paranóia, a qual suponho vir do território. Você não estaria ali se não pensasse que havia inimigos por todos os lados. Recusei um voo militar para a viagem curta de Cabul, a capital afegã, para Bagram, a principal base americana – uma "cidade" em rápida expansão com mais de 30 mil pessoas. Ao invés disso, pedi a um amigo afegão que me levasse no seu carro.

Um oficial dos Assuntos Públicos advertiu-me que conduzir era "muito perigoso", mas o único problema que encontrámos foi um comboio militar dos EUA vindo na direcção oposta, congestionando o tráfego. Durante mais de uma hora sentámo-nos na auto-estrada com dúzias de motoristas afegãos a observarem uma parada de enormes camiões plataforma a transportarem outros grandes veículos: bulldozers e carregadores blindados de tropa de diversas espécies, desde Humvees a veículos protegidos contra minas emboscadas (MRAPs, Mine-Resistant Ambush-Protected vehicles). Meu amigo disse: "Não entendemos. Eles têm todas estas grandes máquinas. Colocam-nas sobre camiões e carregam-nas estrada acima e estrada abaixo. Por que?"

Não pude responder, mas tive uma pista quando fui num helicóptero do Exército de Bagram até uma base mais pequena e encontrei um fornecedor privado parcialmente responsável pela manutenção de veículos do Exército. Ele deu-me um CD para entregar ao seu contramestre na FOB a que eu ia. Ao invés de música, este continha um manual de instruções para reparar o último modelo do M-ATV, um pesado carregador de pessoal com um casco em feitio de V concebido para repelir golpes de bombas na estrada. Eles actualmente estão a substituir os MRAPs mais antigos e os Humvees mortalmente rebaixados. Os Humvees estão, por sua vez, a serem passados para o Exército Nacional Afegão, cujos soldados são mais dispensáveis do que os nossos (já vê o que quis dizer acerca de poder). Com uma frota cheia de novos M-ATVs já a precisarem de reparação, o contramestre pareceu realmente satisfeito por obter aquele CD.

É uma medida do nosso sentido de poder, penso eu, que enquanto o Taliban e seus aliados ainda vai à guerra usando as tradicionais calças folgadas de algodão e camisas, nós americanos incessantemente inventamos coisas para nos tornarmos mais "seguros". Uma vez que ninguém pode estar seguro, ainda menos em guerra, todo novo desenvolvimento está destinado a demonstrar-se insuficiente e quase garantidamente a criar novos problemas.

Contudo, os americanos sentem-se com direito à segurança. Portanto os MRAP foram concebidos para lidar com um duplo medo: bombas na estrada (IEDs) e emboscadas. Fui treinada para ser passageira num MRAP, o que nunca se concretizou. Mas no processo de treino aprendi onde estão os apoios internos para aquelas ocasiões frequentes em que MRAPs muito pesados rolam montanha abaixo.

O instrutor falou-me tão tranquilamente do que fazer no caso de um despenhamento que quase me deu a impressão que se podia rodar dentro do veículo, como um caiaque. Mas não, uma vez que ele role, está condenado. Você tem de rastejar para fora e andar (chega de protecção contra emboscada). Assim, um daqueles grandes camiões que vimos na auto-estrada para Bagram tem de aparecer e carregá-lo de volta para a base, onde o contramestre com aquele novo manual de instruções em CD pode ter de repará-lo. Isto, em suma, é a razão porque o MRAP de sete passageiros está a ser substituído pelo M-ATV de cinco passageiros, um enorme veículo blindado todo terreno não tão propenso a virar-se. Contudo, como levam menos soldados, é preciso colocar mais destes veículos na estrada e estou certa que já viu aonde leva isto.

Um benefício do nosso vício com material caro e no estado da arte, tão falho quanto possa demonstrar-se, é que o fabricante privado de armamentos agora ajuda a manter a nossa economia a sobreviver e torna ricos alguns sujeitos da indústria militar. Uma desvantagem é que – embora seja difícil para soldados americanos na linha de fogo perceberem – isto realmente enfraquece a nossa apregoada estratégia COIN. Os afegãos a combaterem nos seus pijamas de algodão tomam a confiança ocidental no armamento pesado como uma medida do nosso medo – sem mencionar a inferioridade dos nossos deuses sobre cuja protecção não parecemos confiar. (Em contraste, o guarda na pequena base do Exército Nacional Afegão adjacente à FOB que visitei dormia sobre um catre colocado no telhado, exposto ao fogo inimigo com o seu bule de chá junto a si, confiando no seu deus ou talvez sabendo algo que nós não sabemos acerca do "inimigo".)

Todos os confortos da guerra

Na grande escala de bases americanas, pense-se de Bagram como uma cidade, de bases secundárias como pequenas cidades, FOBs como condomínios fortemente fechados em zonas rurais e COPs (Combat Outposts) remotos como campos que vocês não gostariam que os seus garotos visitassem. Um FOB é, por definição, um lugar bastante afastado, mas tenho de dizer com franqueza que quando o helicóptero me despejou numa completa (e notavelmente pesada) armadura corporal e com capacete de Kevlar no FOB que me foi destinado, aquilo não me pareceu de todo como "a frente".

Eu deveria explicar que a minha imagem permanente da guerra vem das trincheiras da I Guerra Mundial, da qual o meu pai voltou com um bocado de medalhas, incapacidades para toda a vida e horríveis álbuns de fotos que não me permitiam ver quando era criança. Naquela guerra, os homens viviam durante meses a fio sem uma troca de uniforme, em trincheiras lamacentas ou congeladas, infestadas com ratos e piolhos, muitas vezes em meio aos seus próprios excrementos e os seus próprios mortos.

A linha de frente FOB onde aterrei e os seus soldados, em contraste, está limpa. O crédito por isto vai em grande medida para as equipes de trabalho extremamente baratas de filipinos, indianos, croatas e outros atraídos de terras distantes por empreiteiros privados americanos motivados pelo lucro para fazer as nossas tropas sentirem-se em casa estando longe de casa. As ruas da base são dispostas em rede. Tendas em fileiras certinhas são ladeadas por sacos de areia padrão empilhados e os seus primos de grandes dimensões, torres altas cheias de rocha e lixo.

As tendas são arrefecidas por tornados barulhentos de ar condicionado, graças ao equipamento alimentado a gasolina que custa ao Exército cerca de US$105,68 por litro [€74 por litro]. Os reabastecedores de combustível gastam três a quatro horas por dia para reencherem todo os geradores gigantes que mantém frio o ar, de modo que me senti culpada quando, para não tiritar no sono, enfiei a minha toalha nas condutas suspensas no tecto da minha tenda.

Edifícios mais permanentes estão a erguer-se e alguns, já construídos pelos afegãos e considerados não suficientemente bons para habitação americana, estão programados para reconstrução. Mesmo em FOBs distantes como esta, o boom de construções é prodigioso. Há um grande ginásio com o mais recente equipamento de musculação e um centro de levantamento de moral equipado com telefones e fileiras de computadores conectados à Internet que estão quase sempre em utilização. Uma messe que funciona 24 horas por dia e sete dias por semana serve costeletas grelhadas, bifes e lagostas, embora seja tudo cozinhado para além do reconhecimento por aqueles trabalhadores sub-pagos para os quais esta culinária é absolutamente estranha.

Há uma lavandaria notavelmente rápida e, quanto às toiletes e chuveiros – só posso falar daquelas poucos designadas por "Female" – eram do melhor que já vi em qualquer lugar no Afeganistão. Um aviso sugeria polidamente que limitasse o meu banho de chuveiro a cinco minutos, um aceno à despesas de pagar a empreiteiros motivados pelo lucro com a contratação de motoristas de camião a fim de carregarem a água necessária e a seguir despejar em localizações não reveladas a copiosa efluência de latrinas americanas. (Em Bagram, aquela efluência vai para um rio convenientemente próximo, uma fonte de água para incontáveis afegãos). Os demais detritos deste FOB em expansão são despejados num buraco e queimados, incluindo um estarrecedor, mas não revelado, número de garrafas de plástico para água. Tudo isto ajuda a explicar o custo anual de manter um único soldado americano no Afeganistão, actualmente estimado em um milhão de dólares.

Não me interpretem mal. Não estou a defender a porcaria das trincheiras. Mas por que a guerra deveria ser disfarçada como um lar? Se a guerra fosse sem disfarces tão odiosa e brutal como realmente é, poderia tender a ser curta. Soldados livres de ilusões podem amotinar-se, como muitos o fizeram no Vietname, ou desertar ou ir para casa. Mas esta moderna espécie de pseudo-guerra confortável é diferente.

Muitos jovens soldados contaram-me que realmente vivem melhor no Exército, mesmo quando deslocados, do que na vida civil que tinham, onde não podiam chegar ao fim do mês, especialmente quando tentavam pagar a escola ou manter uma família a trabalhar em um ou dois empregos de baixos salários. Eles não se amotinarão. Estão a actuar melhor do que muitos dos seus amigos em casa. (E são dedicados, o que os leva a actos de heroísmo pessoal, mesmo numa causa temerária.) Eles provavelmente realistar-se-ão, embora muitos me tenham contado que prefeririam deixar o Exército e ir trabalhar por salários muito mais altos para empreiteiros privados do que ao "serviço" da guerra americana.

Mas a coisa estranha é que nenhum parece questionar o relativo conforto desta vida em guerra (nem a injustiça da vida civil sem gratificação que abandonaram) – e menos ainda aqueles capazes de observar em primeira mão o contraste entre as nossas guarnições e o humilde equipamento e condições de vida dos afegãos, tanto amigos como inimigos. Ao contrário, o contraste parece inspirar a muitos soldados uma apreciação renovada do "nosso modo de vida americano" e uma determinação de "fazer boas coisas" para o povo afegão, assim como muitos sentem que o fizeram para o povo do Iraque.

Enfatizo tudo isto porque nada do que li acerca da instituição militar me preparou para a extensão destes confortos – ou o tédio que os acompanha. Muitos soldados não saem da base. Eles são responsáveis por tarefas administrativas, questões de abastecimento, administração logística, reparação de veículos ou rádios, reabastecimento de geradores e camiões, projectos de plano de "desenvolvimento", cuidar de assuntos públicos ou inscrever em mapas tácticos (em certas localizações que sou obrigada a não nomear) actualizações advertências como "Aqui há dragões" ou "Aqui há coisas más". Eles enfrentam o aborrecimento das tarefas comuns, não heróicas e repetitivas.

A lesão mais comum que é provável sofrerem é uma torção de tornozelo, graças ao tapete de rochas do Afeganistão oriental. Na parede da clínica médica do FOB há um poster com desenhos esquemáticos e instruções para fortalecer tornozelos, uma parte anatómica não considerada em qualquer das máquinas de educação física no ginásio. Os médicos ministram um bocado de ibuprofen [2] e mantém o stock de muletas à mão.

O que está a acontecer?

Como isto é uma base de infantaria, a maior parte dos pelotões aventura-se regularmente fora da cerca de arame e as incapacidades características com que os soldados ficam é joelhos em mau estado – devido ao grande peso das coisas que usam e carregam. O comandante da base recordou-me um dos princípios do COIN: a segurança deveria ser estabelecida por meios não letais. Assim, a maior parte das missões de infantaria são "patrulhas de presença", descritas por um oficial como "passear em torno de lugares onde não teremos tiros só para mostrar aos afs (afegãos) que estamos a mantê-los seguros".

Eu própria fui para fora da cerca numa destas patrulhas de presença, uma missão a uma aldeia e – lamento dizê-lo – não foi um passeio amistoso. É tarefa de um soldado estar "focado", isto é, observar nossos inimigos. Assim, não podem ser "distraídos" a cumprimentar pessoas ao longo do caminho ou a parar para conversar. Entrar numa aldeia para cumprimentar anciões, por exemplo, pode parecer cordial – ganhar corações e mentes. Mas entrar impetuosamente com armas destrói de imediato aquele sentimento amistoso. Falando como alguém que visitou afegãos nas suas casas ao longo de anos, tenho de dizer que esta abordagem não faz uma boa impressão. Ela provavelmente não seria aceite tão pouco na sua própria cidade natal.

Nem isto parece funcionar. Desde que os militares estado-unidenses adoptaram o COI para "proteger a massa do povo", as baixas civis subiram 23%; 6000 civis afegãos foram mortos no ano passado (e isto é sem dúvida uma subestimação). Não é de admirar que a presença de tropas americanas deixe tantos afegãos a sentirem-se não mais seguros mas sim mais em perigo e até inspire alguns a tomarem armas contra o exército ocupante. Cada vez mais frequentemente, pelo menos na área onde estive incorporada, a presença de patrulhas não letais transforma-se num combate armado letal.

Um dia, próximo ao fim da minha incorporação, observei o oficial de assuntos públicos preparar uma fotografia de um soldado que havia sido morto num combate e a afixá-la na parede do gabinete do comandante junto às fotos com orlas negras de outros soldados. Esta força combatente americana estivera colocada no FOB durante apenas umas poucas semanas, tendo substituído um outro contingente, mas já havia perdido oito homens. (Cinco soldados afegãos haviam sido mortos igualmente, mas as suas fotos estavam notavelmente ausentes da galeria memorial.) O Exército tira uma fotografia de cada soldado no princípio do seu serviço, de modo que está no ficheiro quando necessário; isto é, quando o soldado é morto.

A maior parte das bases e postos de combate americanos são nomeados em honra de soldados americanos mortos. Quando um soldado é morto – ou "cai", como o Exército gosta de dizer – o serviço Internet e os telefones da base ficam desligados até que uma delegação do Exército tenha batido à porta dos membros sobreviventes da família. Assim, mesmo que você seja um destes soldados que nunca deixa a base, você está sempre a ser recordado do que está a acontecer ali. E então habitualmente ao cair da noite alguns inimigos não observados nos picos em torno da base começam a atirar contra ela e canhões americanos respondem com granadas que levantam grandes nuvens de rocha e de pó nas montanhas com o céu a escurecer.

Fazer bem para os afegãos

Na base eu ouvia conversas incessantes acerca do COIN, a "nova" doutrina ressuscitada do desastre do Vietname com a esperança irracional de que desta vez funcione. A partir da minha experiência no FOB, contudo, fica bastante claro que o aspecto dos corações e mentes do COIN já está irremediavelmente morto e uma prática generalizada entre os militares que não tem sido relatada pelos outros jornalistas incorporados ajudar a explicar porque. Assim, aqui está um exclusivo do TomDispatch, cortesia dos homens afegão-americanos que servem como intérpretes aos soldados. Eles estavam envergonhados quase ao ponto da agonia quando mencionavam este hábito, mas desesperados por colocar um fim a isto. O COIN apela aos militares para se encontrarem e fazerem amigos com anciãos das aldeias, beberem chá, planearem "desenvolvimento" e cativarem seus corações e mentes. Contudo, vários intérpretes contaram-me que toda reunião inclui alguns jovens soldados americanos, cujo estilo macho inclui sessões características de peidos hilariantes.

Para o homem afegão, nada é mais vergonhoso. A flatulência é a prova de que um homem não pode controlar nada do seu aparelho abaixo da cintura. O homem que peida portanto não é um homem. Ele não pode ser levado a sério, nem tão pouco quaisquer das suas ideias, promessas ou planos.

Alegremente inconsciente de tais coisas, o Exército continua a planear junto com os seus consultores civis (representantes do Departamento de Estado, do Departamento da Agricultura e de vários empreiteiros independentes que inventaram a chamada Equipe Humana de Terreno encarregada de interpretar a cultura local e ajudar a ganhar os habitantes locais para o nosso lado). Alguns falam de "construir infraestrutura", outros em promover "boa governação" ou planear "desenvolvimento económico". Esta é toda a conversa de "fazer bem" e de "ajudar" o Afeganistão.

Numa típica confusão no terreno real do Afeganistão, peritos do Exército anteriormente responsáveis por esta base já tiveram um milhão de dólares para construir uma ponte suspensa sobre um rio a alguma distância da mesma, mas não pensaram em assegurar direitos territoriais, de modo que nenhuma estrada conduz a ela. Agora o especialista local americano de agricultura quer introduzir a alfafa nestas montanhas rochosas e sem água para alimentar manadas de gado que pastoreiam sobretudo na sua mente.

No momento mesmo em que estava a encher o meu livro de notas com pormenores dos seus esquemas ilusórios, o comandante da base contou-me que fora forçado a "por de lado o desenvolvimento". Ele tinha as mãos ocupadas enfrentando uma carnificina Taliban que não havia esperado. Por todo o Afeganistão, os ataques insurgentes aumentaram 51% desde a adopção oficial do COIN como a estratégia do dia. Nesta frente oriental, onde o comandante esteve em serviço seis anos atrás, ele agora enfrenta uma "alta" de intimidação, assassínio, ataques suicidas, bombas em estradas e combatentes com a maior capacidade técnica que ele já viu no Afeganistão.

Poucos dias depois de falarmos, o comando do Afeganistão foi passado para o general Petraeus, o canonizado reformador do manual de contra-insurgência dos militares. Pergunto-me se o comandante da base contou a Petraeus o que contou a mim então: "O que combatemos aqui agora é uma guerra convencional".

Estive "na frente" desta guerra menos de duas semanas e já preciso férias. Fora da cerca enchia-me de tristeza observar rapazes sinceros, pesadamente armados e blindados tentarem persuadir afegãos de barbas brancas – homens de extraordinária dignidade – que já haviam visto tudo isso antes e sabiam o resultado.

Estar na base era tedioso, muitas vezes tenso e por vezes igualmente penoso quando caíam soldados. Então o comandante da base, a pé, escoltava os veículos blindados que retornavam de um combate do modo que um antigo oficial de cavalaria podia entrar num forte de fronteira, conduzindo um cavalo sem cavaleiro. A cena pareceria boa num filme de guerra de Hollywood: entra naquele registo do Technicolor sentimental que parece imbuir com significado heróico uma morte desnecessária e inútil.

Uma noite dormi fora de portas sob uma profusão de estrelas e uma lua em crescente islâmico. Invisível na escuridão, eu não podia deixar de ouvir um soldado que saiu para telefonar para casa do seu celular. "Eu realmente precisava conversar consigo hoje", dizia ele e então, a tropeçar na sua busca de palavras, veio abaixo. "Não", disse finalmente, "estou bem. Telefonarei outra vez depois".

No dia seguinte, carregando meu capacete e minha armadura debaixo do braço, embarquei num helicóptero e voei para longe.

NR
[1] Trocadilho com embedded (jornalista incorporado às tropas).
[2] Analgésico.

[*] Autora de Kabul in Winter: Life Without Peace in Afghanistan . Seu próximo livro acerca de mulheres em zonas de conflito, War Is Not over When It's over: Women and the Unseen Consequences of Conflict , sairá em Setembro.

O original encontra-se em www.tomdispatch.com/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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