Marina Silva deixa o PV e fica perdida no espaço, sem lenço, sem documento, sem legenda e sem futuro. Por enquanto, é claro.
Carlos Newton
Maria Silva está deixando o Partido Verde para encarar um futuro totalmente imprevisível. Sua carreira passou a ser uma incógnita. Ao entrar no PV, com certeza ela desconhecia até que ponto chegavam as irregularidades no partido, dominado há 12 anos pela quadrilha comandada pelo hoje deputado federal José Luiz Penna, de São Paulo.
As fraudes contábeis descobertas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) eram desclassificantes, mostravam que o PV estava sob comando de um grupo de estelionatários vulgares. Foi comprovado o recebimento de diárias inexistentes, assim como notas frias, uso ilegal de verbas públicas do Fundo Partidário, aluguel de mansão em Brasília para esporádicas reuniões da Executiva, manipulação na escolha de delegados à convenção e tudo o mais.
A acusação mais curiosa – e comprovada – era de que o presidente Penna colocara no próprio nome um automóvel doado ao partido, da marca Fiat Palio. Além disso, as auditorias da Justiça Eleitoral mostravam que o PV pagava até mesmo as despesas corriqueiras da residência de Penna em São Paulo, como contas de luz, água e telefone.
Desde a divulgação das três auditorias do TSE que pediam a rejeição das contas de 2005, o presidente nacional José Luiz Penna e o ex-secretário financeiro Eduardo Brandão ficaram balançados. Até que em 2008 houve uma reunião da Executiva, quando um grupo de deputados federais propôs a renúncia coletiva da direção.
A proposta de renúncia coletiva previa que o partido passasse a ser presidido temporariamente pelo militante Juca Ferreira, então secretário-geral do Ministério da Cultura. Os dirigentes do PV, porém, disseram que não podiam renunciar, alegando que ficariam desmoralizados, como se fosse possível desmoralizar quem não possui moral.
Os debates foram acalorados na reunião fechada da Executiva, realizada na mansão que serve de sede ao PV no Lago Sul em Brasília. Como os dirigentes não aceitaram renunciar, foi então sugerido que se formasse uma junta provisória para comandar o partido até a realização de um congresso nacional, em dezembro, mas os dirigentes também não aceitaram, argumentando que a prestação de contas estava prestes a ser votada no TSE.
No final, acabou aprovada uma proposta aparentemente conciliatória, mas que só favorecia aos corruptos, no sentido de manter provisoriamente a direção nacional, até o julgamento das contas, o que iria demorar vários meses, porque os auditores do TSE ainda nem tinham começado a examinar as alegações finais do PV sobre as irregularidades contábeis.
O deputado Fernando Gabeira não participou do encontro da Executiva, e sua ausência foi decisiva para que a direção conseguisse uma trégua. No dia da reunião, o parlamentar preferiu viajar a Belo Horizonte, com objetivo de receber apoio do então governador mineiro Aécio Neves para disputar a Prefeitura carioca, pela coligação PV/PSDB.
Foi o seu maior erro. Se Gabeira tivesse participado da reunião, a direção seria levada à renúncia, o partido se fortaleceria como legenda ética, que afasta os próprios dirigentes. Mas Gabeira se acomodou, achando que o escândalo poderia prejudicar sua candidatura à prefeito do Rio, e chegou a pedir aos demais deputados federais que amainassem a crise.
Sem a participação de Gabeira, que era a maior liderança no PV, a bancada federal não teve condições de afastar os dirigentes, porque o presidente Penna controlava (e ainda controla) a maioria esmagadora dos 43 membros da Executiva, da qual participavam apenas dois deputados federais – o próprio Gabeira e Zequinha Sarney, que faz parte da gang que domina o PV e recentemente até viria a liderar a manobra para perpetuar Penna no poder.
Detalhe: em 2006, em função das acusações que atingiram o PT e o governo no caso do mensalão, o PV tinha sido o partido que mais crescera, elegendo uma bancada de 14 parlamentares federais, fato inédito desde sua criação em 1986. Mas em 2007, o partido logo voltou a entrar em crise, ameaçado de ter rejeitadas suas contas de 2005 e consequentemente perder os recursos do Fundo Partidário, superiores a R$ 5 milhões por ano.
Desde sua posse, em 1999, o músico Penna controla a maioria da Executiva, que vem aprovando a prorrogação de seu mandato indefinidamente. Na convenção nacional de 2006, quando seria escolhida nova direção nacional, o presidente fraudou o processo e conseguiu manipular a escolha dos delegados, que teriam que ser obrigatoriamente indicados em convenções estaduais, que por ordem de Penna não foram realizadas.
O então secretário-geral do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, fez um manifesto a todos os convencionais, alertando que os delegados tinham sido indicados irregularmente. Houve forte reação, liderada por militantes históricos do partido, que ingressaram na Justiça pedindo que a convenção fosse suspensa. Duas liminares foram concedidas, mas revogadas logo a seguir. A convenção se realizou tumultuadamente e Penna se manteve na presidência.
O site do Partido Verde passou a ficar sob censura. O clipping somente divulgava notícias positivas, expurgando qualquer reportagem, artigo ou nota que abordasse as denúncias de corrupção. Até mesmo a transcrição de um artigo do deputado Fernando Gabeira sofreu cortes, nos trechos em que ele se referia às denúncias e até aventava a possibilidade de criar um novo partido. Mesmo assim, Gabeira, Sirkis e as demais lideranças jamais se mobilizaram para efetivamente sanear o PV.
Enquanto isso, Penna e o secretário financeiro Eduardo Brandão colocavam a culpa num misterioso contador, sem citar o nome dele. Procediam como se o contador pudesse ser responsável pelas múltiplas irregularidades, entre as quais a liberação de 128 diárias para o próprio Brandão, de uma só vez, dia 31 de dezembro, em plena festa de Ano Novo de 2006, com champanhes estourando.
Quando saíram minhas primeiras reportagens de denúncia na Tribuna da Imprensa, depois seguidas por matérias na Folha, em O Globo, na Istoé, no Estadão, no Jornal de Brasília etc., Brandão enfim foi afastado da Secretaria de Finanças do PV, mas ganhou de compensação o cargo de Secretário de Assuntos Parlamentares. Já o presidente Penna seguiu lutando desesperadamente para permanecer à frente do partido, enquanto a imagem do PV ia se desgastando, de forma progressiva.
Como última cartada para aprovar as contas, a direção nacional usou de tráfico de influência e contratou o escritório de advocacia de Alexandre Jobim, filho do ministro Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo e do próprio TSE. Para disfarçar, porém, o filho de Jobim não assinou a defesa do PV, deixando-a a cargo de seus dois sócios. Resultado do tráfico de influência: o PV propôs repor os recursosdesviados, usando dinheiro do Fundo Partidário, e o TSE aceitou, aprovando as contas do partido.
Gabeira e Sirkis sabiam de tudo, todos os deputados federais (eram 14) também sabiam. Na época, Sirkis e Gabeira até defenderam a direção nacional. Mas os militantes que lutavam pelo partido e se levantaram contra a direção corrupta, foram implacavelmente perseguidos e expulsos, sem direito de defesa e sem que Gabeira, Sirkis e os demais deputados federais movessem uma palha a favor deles. Um deles, Eduardo Coelho, fundador do PV, recentemente até escreveu a respeito aqui no blog, fazendo denúncias irrefutáveis.
Marina Silva entrou no partido sem saber de nada? É possível. Na época das denúncias, ela estava no PT e era ministra do Meio Ambiente. Crtamente o Partido Verde não representava nada para ela, que estava muito ocupada com outros assuntos. É possível que não soubesse da real situação do PV. Mas Gabeira e Sirkis, não.
Se Gabeira tivesse investido contra a direção do PV com a mesma energia que usou para afastar Severino Cavalcanti da presidência da Câmara, teria se notabilizado como um dos maiores parlamentares brasileiros. Mas preferiu se acomodar e agora está por aí, sem mandato, enquanto o corrupto José Luiz Penna desfila na Câmara fantasiado de presidente do PV.
Marina deixa o PV porque, entre outros motivos, não conseguiu convencer o presidente do partido, José Luiz Penna, há 12 anos no cargo, a convocar uma convenção para escolha de uma nova direção.
“O que espanta é que o Penna nem se deu ao trabalho de dar uma resposta para a lista de condições mínimas que entregamos a ele, há mais de um mês, para a nossa permanência no partido. Simplesmente ignorou. Isso desrespeita as regras elementares de convivência política” – disse Sirkis, que conhece Penna há tanto tempo que nem deveria se surpreender com ele.
Por fim, uma dica aos rebeldes do PV: existe um partido, recém-criado no Rio de Janeiro e pronto para funcionar. Seu nome é Partido Livre. Quem sabe os verdadeiros verdes possam se libertar para se acomodar nele?
Tribuna da Internet.
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