O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Bolívia, Evo Morales, se encontram hoje na cidade boliviana de Santa Cruz de La Sierra. Eles devem discutir o impasse em torno de uma estrada financiada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) no país vizinho.
A reportagem é de Fabio Murakawa e publicada pelo jornal Valor, 29-08-2011.
Lula e Morales são as principais estrelas de um seminário com líderes de entidades empresariais bolivianas, no qual o ex-presidente proferirá uma palestra sob o tema "Integração Regional e Desenvolvimento Social dos Países Latino-Americanos". O evento é patrocinado pela construtora brasileira OAS, responsável pela obra viária que ligará os Departamentos de Beni e Cochabamba, cortando ao meio um território indígena em um de seus trechos. O líder boliviano também falará. A visita do ex-presidente também coincide com a estreia no país do filme "Lula, o Filho do Brasil".
Após as palestras, Lula e Morales terão um encontro reservado. O governo boliviano não divulgou os tópicos da conversa entre os dois, mas o Valor apurou que o tema principal do encontro será a rodovia de 306 km, orçada em US$ 415 milhões, US$ 332 milhões dos quais financiados pelo BNDES. O embaixador do Brasil na Bolívia, Marcel Biato, e o diretor-superintendente da área internacional da OAS, Augusto César Uzêda, também estarão em Santa Cruz.
Segundo fontes familiarizadas ao tema, Lula tentará convencer Morales a adotar uma postura menos beligerante em relação aos indígenas, que se recusam a permitir que o trecho 2 da rodovia atravesse o seu território.
Os índios promovem há cerca de duas semanas uma marcha rumo a La Paz em protesto contra a estrada. Eles dizem não ter sido consultados sobre o trecho de 177 quilômetros que atravessará o Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis) e temem o avanço de colonos e cocaleiros sobre a reserva. Para aumentar o clima de desconfiança dos indígenas, o governo admitiu neste mês que estudos apontam para a existência de petróleo na região.
Morales, por sua vez, vem atacando os nativos, acusando-os de estarem a serviço de ONGs estrangeiras com interesses na região e dos Estados Unidos, além de traficarem madeira.
O presidente chegou, inclusive, a divulgar em uma aparição na TV registros com telefonemas "suspeitos" entre lideranças indígenas e a embaixada americana. O conselheiro da embaixada William Mozdzierz foi chamado pelo governo a dar explicações.
O Valor apurou que, na avaliação do governo brasileiro e da própria OAS, a postura de Morales só dificulta o entendimento entre seu governo e os índios, o que coloca em risco o andamento das obras da estrada - fruto de um acordo costurado em 2008 por Lula, em seu segundo mandato, e o presidente boliviano.
"Lula é um conciliador por natureza. Ele vai tentar mostrar ao presidente Evo Morales que acirrar os ânimos com os indígenas só dificulta o seu objetivo principal, que é o de concluir a estrada", disse uma fonte do governo brasileiro.
Outra missão de Lula será acalmar Morales sobre rumores de que o BNDES está retendo o financiamento à rodovia por conta da falta de acordo com os indígenas, disse outra fonte. O banco brasileiro ainda não fez nenhum desembolso relacionado à obra, alegando que as obras recém começaram e que as verbas são liberadas de acordo com a execução dos trabalhos.
Os indígenas, por outro lado, vêm pressionando o governo brasileiro para que o dinheiro do BNDES não chegue. Há duas semanas, dezenas de manifestantes fizeram um protesto em frente à embaixada brasileira em La Paz, gritando palavras de ordem contra a estrada e acusando a postura "imperialista" do Brasil. Uma comissão de lideranças indígenas chegou a ser recebida pelo embaixador Marcel Biato e pediu, sem sucesso, que o diplomata intermediasse contatos entre eles e a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, além de representantes do BNDES.
O encontro de hoje entre Lula e Morales foi precedido de outra reunião, na última sexta-feira, entre o presidente da Bolívia e o diretor da OAS Uzêda, em La Paz. O Valor apurou que a empreiteira vem cobrando o governo boliviano por um atraso de US$ 60 milhões em repasses da agência estatal Administradora Boliviana de Carreteras relacionados à estrada.
Em entrevista ao Valor, Uzêda confirmou o encontro com Morales, mas negou que houvesse atrasos e que a estrada boliviana estivesse em pauta. "Vamos discutir outros projetos de nosso interesse na Bolívia", afirmou.
As obras da estrada, que ligará San Ignácio de Moxos (Beni) a Villa Tucunari (Cochabamba), já começaram em seus trechos 1 e 3, nos dois extremos da rodovia. O trecho principal, no entanto, é 2, que atravessa o Tipnis - uma reserva indígena de 1 milhão de hectares, onde vivem de 10 mil a 12 mil indígenas de três diferentes etnias.
O trecho 2 responde por cerca de 40% do valor total da estrada e tem o início dos trabalhos marcado para 2012. A conclusão da estrada está prevista para 2014
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