sábado, 27 de agosto de 2011

POLÍTICA - Eles espionaram a Dilma.

"Os Infiltrados" e Dilma Rousseff

Vitor Hugo Soares

De Salvador (BA)


Na sua passagem mais recente por Salvador, para rever a cidade - que anda meio perdida em labirintos de modernices e descontrolada sanha imobiliária - além de reencontrar amigos de antigos carnavais baianos que ela cultivou no Rio Grande do Sul em tempos temerários -, a arquiteta gaúcha Helga Corrêa me trouxe de presente um desses livros cada vez mais raros de encontrar em estantes de livrarias baianas: "Os Infiltrados".

O livro de apenas 126 páginas é uma construção de jornalistas profissionais produzida por Carlos Etchichury, Carlos Wagner, Humberto Trezi e Nilson Mariano. Inspirado na série publicada pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre, no verão de 2010, "Os Infiltrados" pode e deve ser lido neste inverno confuso da política brasileira, em 2011, por vários motivos. Entre eles o prazer despertado pelos bons textos e as surpresas de cada página recheada do melhor jornalismo investigativo. Produto cada vez mais raro na época das operações tipo "prato feito" da Polícia Federal no estilo atirar (ou algemar) primeiro e perguntar depois, dos filmes de caubói americano.

Um exemplo é o capítulo no qual Dilma Rousseff - a presidente do Brasil posta esta semana no terceiro lugar do ranking das 100 mulheres mais poderosas do mundo da revista Forbes - vivia como militante de esquerda na capital gaúcha. Com o subtítulo "eles eram os olhos e ouvidos da ditadura", o livro tem como ponto de partida "uma foto embolorada" de arquivo de jornal, caída por acaso nas mãos do premiado repórter Carlos Wagner, quando ele produzia reportagem sobre Trabalhadores Sem Terra (MST).

A imagem mostrava homens de chapéu de palha e sandálias de couro curtido acampados em um parque público "como se agricultores fossem, sorvendo mate à sombra de uma árvore". Na vida real, como dizem os baianos, eram policiais em campana, disfarçados de trabalhadores rurais na linha de frente dos chamados conflitos de terra na virada dos anos 1970 para 80, no Rio Grande do Sul, berço da luta pela reforma agrária.

O resultado decorre do faro jornalístico, instinto investigativo, garra e competência profissional de repórteres especiais que se reuniram para apurar fatos escondidos a sete chaves em arquivos e porões poeirentos. "O cheiro da foto deu impulso à idéia de revelar pela primeira vez a face dos espiões da ditadura militar que assombrou o Brasil", assinala Ricardo Stefanelli na apresentação do livro que reli ainda mais atentamente e surpreso esta semana de tumultos e dúvidas em Brasília e em vários estados do País, incluindo a Bahia.

Na verdade, o livro desvenda a trajetória do "agente policial infiltrado", um personagem indispensável à sustentação da ditadura militar de 64 a 85 no Brasil (e de tantos outros regimes repressivos e prepotentes na América Latina no mesmo período, e em outros países do mundo atualmente). "Vinte e cinco anos depois de cumprida a missão secreta, eles rompem o silêncio a que foram obrigados, pela profissão, para contar como se introduziram nos movimentos de resistência ao regime autoritário. Pela primeira vez os espiões revelam como se transformaram em clones daqueles a quem deviam vigiar e sabotar, como estudantes, guerrilheiros, colonos sem terra, políticos, religiosos e sindicalistas".

"São relatos exclusivos que agora (o livro saiu ano passado) se incorporam à História do Brasil", destacam os editores gaúchos da obra. Um desses episódios está relatado em "Os Infiltrados" no capítulo intitulado "Olhos treinados vigiavam Dilma e Prestes". Fala do período em que a volta dos exilado políticos ao País ainda era uma miragem, mas os espiões da ditadura não largavam o calcanhar dos perseguidos políticos, de Montevidéu a Paris.

Uma noite em 1979 na capital francesa, por exemplo, um público, formado por muitos banidos e jornalistas, assistiu a uma palestra. Ao microfone um dos mais famosos perseguidos pela ditadura militar, Luis Carlos Prestes, dirigente máximo do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o primeiro da lista de cassados pelo regime militar de 1964.

O que ninguém sabia é que, dias depois da palestra em Paris, uma foto do evento chegaria às mãos do capitão Sílvio Carriço Ribeiro. Oficial da Brigada Militar, ele não usava farda. Trabalhava em roupas civis, a serviço do Departamento Central de Informações (DCI), o núcleo de operações secretas da Secretária de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.

"Como a foto foi parar lá?", perguntam aos autores no livro.

A resposta é dada em "Os Infiltrados" pelo próprio Ribeiro, hoje com 70 anos e aposentado, que abre o jogo no livro. Ele não tem certeza de quem a enviou. Sabe apenas que desde Paris "alguém avisou a comunidade de informação - como gostam de ser chamados os policiais que atuavam para o regime militar - da reunião de comunistas brasileiros".

Aponta, também, que a foto pode ter sido obtida em uma das inúmeras vezes em que a polícia política deu batidas e fez buscas no Coojornal, veículo ao qual Prestes deu entrevista exclusiva pouco antes de retornar ao Brasil, depois de 15 anos de exílio. O fato, revela o livro, é que a fotografia está numa pasta guardada com carinho por Ribeiro.

Entre os vigiados da mesma operação estava a atual presidente da República, a terceira mulher mais poderosa do mundo, segundo a revista americana, que na época assinava Dilma Linhares. Ela morava então com o advogado Carlos Araújo, militante brizolista, numa bonita residência da Vila Assunção, à beira do Guaíba. "Ribeiro e uma policial vigiaram o casal, fazendo-se passar por namorados numa praça contígua à casa de Araújo".

E mais não digo para não bater com a língua nos dentes e quebrar outras surpresas de quem ainda não leu o livro dos jornalistas gaúchos. Só digo e garanto, antes do ponto final: "Os Infiltrados" é leitura mais que recomendada nestes dias da política e do governo no Brasil. E na passagem dos 50 anos da Campanha da Legalidade, liderada por Leonel de Moura Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, que através de uma cadeia nacional de emissora de rádio, a partir de Porto Alegre, comandou a mobilização que empolgou o País. Confira.

Vitor Hugo Soares é jornalista

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