Esse Toffoli também poderia ir junto.
Roberto Gurgel poderá sair da PGR direto para o lixo da história
Leandro Fortes, Carta Capital
Mudança suspeita
Às vésperas da aposentadoria, Roberto Gurgel, em parceria com a
mulher, altera de forma inexplicável um parecer e aceita acusações
falsas contra o deputado Protógenes Queiroz
Em boa medida, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel,
caminhava para uma aposentadoria tranquila. Desde a sua recondução ao
cargo, em 2011, havia se tornado símbolo de um moralismo seletivo e,
por consequência, ídolo da mídia. O desempenho no julgamento do
“mensalão” petista o blindou de variados lapsos e tropeços, digamos
assim, entre eles o arquivamento das denúncias contra o senador goiano
Demóstenes Torres, dileto serviçal do bicheiro Carlos Cachoeira, como
viria a demonstrar a Operação Monte Carlo.
A três meses de se aposentar, Gurgel decidiu, porém, unir-se à frente
de apoio ao banqueiro Daniel Dantas. E corre o risco de se dar muito
mal. Em uma decisão inusual no Ministério Público Federal, ele e sua
mulher, a subprocuradora-geral da República Claudia Sampaio, alteraram
totalmente um parecer redigido por eles mesmos um ano e três meses
antes. Não é só a simples mudança de posição a despertar dúvidas no
episódio. Há uma diferença considerável entre os estilos do primeiro e
do segundo texto. E são totalmente distintas a primeira e a segunda
assinatura da subprocuradora-geral nos pareceres.
O alvo principal da ação é o deputado federal Protógenes Queiroz,
delegado federal responsável pela Operação Satiagraha, investigação que
levou à condenação em primeira instância de Dantas a dez anos de
prisão. Há duas semanas, Gurgel e Claudia Sampaio solicitaram a José
Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal, o prosseguimento de
um inquérito contra o parlamentar que a própria dupla havia recomendado
o arquivamento. Pior: basearam sua nova opinião em informações falsas
provavelmente enxertadas no processo a pedido de um advogado do
banqueiro, o influente ex-procurador-geral da República Aristides
Junqueira.
É interessante entender a reviravolta do casal de procuradores. Em 20
de outubro de 2011, documento assinado pela dupla foi enviado ao STF
para tratar de questões pendentes do Inquérito nº 3.152, instaurado
pela 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo. A ação contra Queiroz,
iniciada pelo notório juiz Ali Mazloum, referia-se a pedidos de quebra
de sigilo telefônico do então delegado federal, de Luís Roberto
Demarco, desafeto de Dantas, e do jornalista Paulo Henrique Amorim,
alvo de inúmeros processos judiciais do dono do Opportunity. O parecer
foi encaminhado ao Supremo por causa do foro privilegiado assegurado ao
delegado após sua eleição a deputado federal em 2010.
Nesse primeiro texto, Gurgel e Claudia Sampaio anotam: “O Ministério
Público requereu a declaração de incompetência do citado juízo para
processo e julgamento do feito (...); a declaração de nulidade da prova
colhida de ofício pelo magistrado na fase pré-processual, bem como o
desentranhamento e inutilização”.
O segundo parecer é completamente diferente. Em 12 de março deste ano,
o casal solicita a Toffoli vistas dos autos. Alegam, no documento, que
um representante de Dantas os procurou “diretamente” na PGR com
“documentos novos”. O representante era Junqueira, e os “documentos
novos”, informações sobre uma suposta apreensão de dinheiro na casa de
Queiroz e dados acerca de bens patrimoniais do delegado. Tudo falso ou
maldosamente distorcido.
Apenas seis dias depois, em 18 de março, Gurgel e sua mulher
encaminharam a Toffoli outro documento. Tratava-se do encadeamento
minucioso de todas as demandas de Dantas transcritas para o papel, ao
que parece, pelo casal de procuradores. Ao que parece, pois o estilo do
segundo texto destoa de forma inegável da redação do primeiro. Em 11
páginas nas quais consideram “fatos novos trazidos pela defesa de
Daniel Dantas”, o procurador-geral e a esposa afirmam ter cometido um
equívoco ao solicitar o arquivamento do inquérito em 2011.
O novo parecer acolhe velhas teses de Dantas para explicar seus crimes.
Segundo o banqueiro, a Satiagraha foi uma operação montada por
desafetos e concorrentes interessados em tirá-lo do mercado de
telefonia do Brasil. O Opportunity era um dos acionistas da Brasil
Telecom e há quase uma década vivia em litígio com os demais sócios, a
Telecom Italia e os maiores fundos de pensão do País.
A mentira incluída pelos procuradores no pedido de reabertura do caso
diz respeito à apreensão de 280 mil reais em dinheiro na casa de
Queiroz durante uma busca e apreensão determinada pela 7ª Vara Federal
de São Paulo em 2010. Segundo Gurgel e Claudia Sampaio, “haveria
registro até mesmo de conta no exterior”, e insinuam, com base em
“indícios amplamente noticiados na imprensa”, que o deputado do PCdoB
teria um patrimônio “absolutamente incompatível” com as rendas de
funcionário público. Citam, na lista de suspeitas, dois imóveis doados
ao hoje parlamentar por um delegado aposentado da Polícia Civil do Rio
de Janeiro, José Zelman.
“É incrível, mas o procurador-geral da República plantou provas falsas
em um processo do STF a pedido do banqueiro bandido Daniel Dantas”,
afirma Queiroz. E Toffoli não só acatou o pedido da Procuradoria Geral
como, na sequência, autorizou a quebra do sigilo bancário do deputado e
o sigilo telefônico de Demarco. Postas sob segredo de Justiça, as
medidas tomadas pelo ministro do STF só foram informadas ao deputado há
15 dias. Sua primeira providência foi exigir do STF uma certidão dos
autos de apreensão e busca citados pelo Ministério Público. O
parlamentar foi à sala de Toffoli. Recebido pela chefe de gabinete
Daiane Lira, saiu de mãos vazias.
Queiroz solicitou a mesma certidão a Mazloum, que o condenou em 2010 a
três anos de prisão por vazamentos de informações da Satiagraha. Uma
fonte acima de qualquer suspeita, portanto. Segundo o parecer enviado a
Toffoli por Gurgel e senhora, Mazloum ordenara a busca que resultou na
apreensão dos tais 280 mil reais. O juiz enviou a certidão ao STF, mas
não sem antes declarar publicamente a inexistência de qualquer
apreensão de dinheiro na residência do delegado. “Isso é fantasia. Em
nenhum momento apareceu qualquer apreensão de dinheiro. Acho grave uma
acusação baseada em informações falsas”, afirmou o juiz na quarta-feira
29 ao blog do jornalista Luis Nassif.
O deputado encaminhou uma representação contra o procurador-geral no
Conselho Nacional do Ministério Público. Na queixa, anexou diversas
informações, entre elas escrituras de seus imóveis. Os documentos
provam que seu patrimônio atual foi erguido na década de 1990, quando
atuava como advogado e antes de ingressar na Polícia Federal. Zelman,
padrinho de batismo de Queiroz, doou ao afilhado dois imóveis em 2006,
bem antes da Satiagraha, portanto.
Os procuradores também miraram em Demarco, ex-sócio do Opportunity que travou uma longa batalha judicial contra Dantas.
Com base em notícias publicadas pelo site Consultor Jurídico, de
propriedade de Márcio Chaer, dono de uma assessoria de imprensa e um
grande amigo do ministro Gilmar Mendes, Gurgel e Claudia Sampaio voltam
a uma espécie de bode na sala, um artifício batido recorrentemente
evocado pelos advogados do banqueiro: a investigação em Milão de crimes
de espionagem cometidos por dirigentes da Telecom Italia. A tese de
Dantas, sem respaldo na verdade, diga-se, é que os italianos
financiavam seus desafetos no Brasil, inclusive aqueles infiltrados no
governo federal e na polícia, para persegui-lo.
Procurado por CartaCapital, Demarco preferiu não comentar o caso, mas
repassou três certidões da Procuradoria da República de Milão que
informam não existir nenhum tipo de investigação contra ele em
território italiano.
Dantas costumava alardear, segundo o conteúdo de escutas telefônicas da
Operação Satiagraha, que pouco se importava com decisões de juízes de
primeira instância por ter “facilidades” nos tribunais superiores. De
fato, logo após ser preso e algemado por Queiroz em 2008, conseguiu
dois habeas corpus concedidos pelo ministro Gilmar Mendes em menos de
48 horas. Um recorde. As motivações de Toffoli ao atender o pedido de
Gurgel e Claudia Sampaio sem checar a veracidade das informações
continuam um mistério. A assessoria do ministro informou que ele não
vai se manifestar sobre o assunto por se tratar de processo sob segredo
de Justiça.
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