Enviado por luis nassif
Por Webster Franklin
Um julgamento de ribalta não produz segurança jurídica
Passados meses do fim do espetáculo do julgamento do “mensalão”, fica cada vez mais evidente que o STF sucumbiu à mídia e acabou se tornando o protagonista de uma onda de comoção criada para uso político.
Maria Inês Nassif
A história ainda julgará o Supremo Tribunal
Federal (STF) pelo dia 17 de dezembro de 2012, quando a mais alta Corte
brasileira concluiu o julgamento do chamado “mensalão”. Nos cinco meses
seguintes ao gran finale do show midiático promovido pelos ministros do
Supremo durante todo o processo eleitoral, ocorreu uma sucessão de
fatos que desmontam várias das condenações dadas aos envolvidos no
caso. Existe um vigoroso conjunto de novas provas produzidas pelos
advogados e acusados, boa parte delas desconsiderada pelo
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pelo relator da
matéria no STF, ministro Joaquim Barbosa, e desmentidos lógicos a
premissas importantes do julgamento – que, se houver alguma
racionalidade e justiça no julgamento dos embargos dos condenados,
poderá resultar na redução de pena de vários deles; e, no limite, pode
inocentar os casos mais flagrantes de condenação sem provas, ou a
condenação por provas que não eram provas.
Quanto mais o tempo se afasta do rumoroso
julgamento do chamado “mensalão”, mais a fragilidade do julgamento fica
evidente. Isso não ocorre porque a “fragilidade ficou mais frágil” –
apenas porque a opinião pública e os especialistas que passam a ter
acesso aos fatos sem a mediação dos meios de comunicação estão mais
distanciados da onda de comoção criada nos meses que antecederam o
julgamento dos envolvidos numa denúncia feita por um aliado da base do
governo, Roberto Jefferson, presidente do PTB, num momento de raiva
pela divulgação de uma denúncia contra um seu indicado para os
Correios, em 2005. Nesse acesso, Jefferson agravou um crime do qual
participou: transformou um caixa dois de campanha – a transferência de
dinheiro “frio”, pelas empresas de Marcos Valério, para o seu partido,
para pagamento de dívidas de campanha das eleições municipais de 2004 –
em uma fantástica história sobre como o Partido dos Trabalhadores
comprou apoio dos partidos aliados dentro do Congresso. Jefferson virou
réu e desmentiu-se, dizendo que caixa dois não é mensalão. Não
adiantou. Foi condenado pelo “mensalão”.
O “mensalão” teve duas grandes ondas de
comoção que decidiu os seus destinos: a primeira, em 2005, quando
Jefferson botou a boca no trombone. A crise provocada pela mídia,
avalizadas por sucessivos pequenos vazamentos da Polícia Federal e do
Ministério Público, alimentaram a maior ofensiva oposicionista contra o
governo Luiz Inácio Lula da Silva de seus oito anos de governo. Se não
fosse Lula resistir ao primeiro impacto dessa amplificação –
transformada em fatos altamente relevantes e comprometedores pela mídia
(quando necessariamente não eram), jogadas aos partidos de oposição,
que instrumentalizavam as informações jogadas ao público sem filtro e
por fim tinham sua ação política emocionalizada pela mesma mídia – ,
ele teria sofrido um impeachment ou renunciado, como sugeriram líderes
de oposição em recados mandatos ao governante.
Essa primeira onda foi desmontada por
pesquisas de opinião que deixaram claro para a oposição partidária que
a popularidade de Lula era um elemento que não havia sido considerado:
naquele exato momento, o presidente colhia o reconhecimento amplamente
majoritário dos setores mais pobres da população pela ação de seu
governo contra a pobreza. Lula apostou nisso e não renunciou. A
oposição reconheceu isso e não levou avante o processo de impeachment.
A segunda onda de comoção foi criada no ano
passado, às vésperas das eleições municipais, e desta vez teve como um
dos protagonistas um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que
julgaria em seguida o chamado “mensalão”. Em maio do ano passado,
quando ainda não havia sido marcado o início do julgamento – e existia
a hipótese de que fosse adiado, justamente para que a Justiça não
contaminasse algo que não lhe é próprio, um processo político – a
revista Veja apareceu com uma capa esquisita, em que Gilmar Mendes diz,
mas parece que fala a terceiros, que o ex-presidente Lula sugeriu a ele
ajuda para adiar o julgamento e, em troca, ofereceu a Gilmar
“blindagem” na CPI do Cachoeira, que poderia comprometer o ministro com
o esquema do bicheiro de Goiás.
A conversa teria ocorrido no escritório de
Nelson Jobim, em Brasília, e a proposta comprometedora ocorrido na
copa, quando Gilmar e Lula foram tomar café (sem desprezar pequenos
detalhes, para que a matéria pareça mais verídica, a matéria conta que
Lula estaria comendo uma fruta quando falava a sós com o ministro do
STF). Ninguém atentou para o fato de que, no escritório de Jobim, não
existe copa, e não haveria qualquer lugar onde os dois pudessem
conversar sem o testemunho do anfitrião. Jobim desmentiu, disse que
esteve com os dois o tempo todo, e Lula, em nota à imprensa, disse que
Gilmar mentiu – mas prevaleceu o estranho critério jornalístico de que
a palavra do ministro do Supremo vale mais do que a palavra de outras
duas pessoas presentes ao mesmo encontro.
Embora a história tenha parecido muito mal
contada, serviu de pretexto, não apenas para o julgamento, mas para um
fingido espírito de corpo que iria resultar numa condenação exemplar
para os condenados, mesmo que a condenação ocorresse em cima de fatos
que não tinham provas consistentes para isso.
O jogo midiático foi completo: a TV Justiça
tornou públicas barbaridades faladas por ministros, amplificadas
novamente na mídia tradicional – que, por sua vez, com um corpo de
especialistas a postos para analisar o julgamento on line, valorizou de
forma invertida decisões muito importantes da maioria do plenário do
STF. Em vez, por exemplo, de cobrar do Supremo a aceitação de provas,
elogiou o plenário todas as vezes que ele omitiu esse direito aos
julgados, a bem da celeridade do julgamento. A questão cívica colocada
era condenar rapidamente, antes das eleições, os réus petistas, e não
cobrar um julgamento justo para cada um dos julgados. Essa onda teve
pouco efeito eleitoral, mas produziu o efeito prático de levar para a
ribalta a maioria dos ministros do STF. Nem todos tiveram coragem de ir
contra uma onda de opinião pública e uma montagem de espírito de corpo
previamente montada justificou a decisão deles.
O julgamento não deve ter sido tão honroso,
todavia, para deixar para a história todo o seu relato. A transcrição
dos anais das sessões omitiu, por exemplo, barbaridades faladas pelo
ministro Luiz Fux, recém-chegado que foi tomado de uma indignação
insólita para quem não entendia muito do processo. A pedido do próprio
ministro. Outras impropriedades foram tiradas pelos seus pares. No
acórdão, alguns fatos apresentados erroneamente por Barbosa como provas
do crime, e que na sua cabeça avalizavam a afirmação de que o esquema
mexeu com dinheiro público, simplesmente foram omitidos.
O mundo jurídico até agora se manteve à margem
desse processo – e a abertura de todos os precedentes trazidos pelo
julgamento do “mensalão” é uma insegurança jurídica intolerável. As
pressões que se iniciaram pelas bocas de Barbosa e Gilmar Mendes para
que o STF proceda às prisões sem julgar os embargos; ou de Barbosa,
para que o Supremo simplesmente desconheça os embargos infringentes,
não tem nenhuma razão jurídica. Deve ter a intenção de forçar os pares
a não rever uma frágil peça jurídica produzida pela maioria dos membros
do Supremo Tribunal Federal que não honrará nenhum de seus pares no
futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário