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As ideias econômicas do conservadorismo autêntico
O conservadorismo autêntico continua presente, exibindo suas ideias e
buscando espaço para um eventual retorno à cena principal. Cabe aos
responsáveis pela política econômica não enveredar por caminhos que
contribuam para criar um ambiente favorável a tais projetos.
Paulo Kliass
As evidentes dificuldades apresentadas pela equipe de governo
em lidar com as questões centrais da política econômica têm causado
grande desgaste à Presidenta Dilma e prejudicado a credibilidade quanto à
busca de saídas para o baixo crescimento das atividades em nosso País.
A ausência de sinalização a respeito de um rumo
claro a ser adotado tem provocado uma enorme confusão entre os chamados
“agentes econômicos”,
a respeito de qual seria a verdadeira tendência a seguir em vários
aspectos das políticas públicas. Vejamos alguns desses elementos:
a) política
monetária: o início do mandato foi marcado pela manutenção da taxa de
juros oficial nas alturas, provocando um custo elevado nas operações de
crédito para empresas e famílias. Foram 15 meses com SELIC acima de 10%.
A tendência logo depois é revertida e a taxa é reduzida 7,25%. No
entanto, ao longo dos últimos meses, mais uma vez, a opção foi pela
retomada da alta nos juros. Um ziguezague desorientador.
b)
política cambial: o governo optou pelo discurso favorável à manutenção
da “liberdade cambial”, com as consequências obviamente negativas da
valorização artificial de nossa moeda. No período de juros muito
elevados, por exemplo, a cotação chegou a R$ 1,54 por dólar. Em seguida,
o governo passa a aceitar alguma mudança - positiva, diga-se de
passagem - no patamar da relação do real com o dólar norte-americano,
que chega a superar R$ 2,25 por dólar. Mas teme que isso provoque
efeitos na inflação. Não há clareza a respeito da essência de tal
política.
c) política fiscal: a Presidenta Dilma faz questão de
ressaltar, a todo momento, seu compromisso com a chamada “austeridade
fiscal”. Esse fio orientador para o conjunto de sua equipe, e para a
sociedade de forma geral, se vê reforçado pela geração sucessiva de
superávit primário ao longo dos exercícios. Porém, esse tipo de
estratégia compromete a execução orçamentária nas áreas do social e dos
investimentos. Ao invés de assumir publicamente a necessidade de mudar
tal orientação, o governo recorre a manobras contábeis e artifícios
casuísticos de maquiagem do superávit. Com isso, o instrumento da
política fiscal acaba perdendo a credibilidade necessária.
d)
política tributária: desde o início da crise em 2008, a política de
isenção e desoneração tributária passou a ser utilizada em maior escala,
com o objetivo de reduzir preços e manter a demanda interna aquecida.
Porém, o governo lançou mão de outros instrumentos de redução de
tributos, como foi o caso da desoneração previdenciária da folha de
pagamentos das empresas e dos impostos sobre aplicações de recursos
externos no mercado de capitais. Ora, esse tipo de medida - executada no
afogadilho e sem nenhum planejamento - apenas contribui para reduzir a
capacidade arrecadadora do Estado e compromete a execução das políticas
públicas.
e) política de concessões: a continuidade do processo
de privatização dos serviços públicos deu-se pela via da concessão dos
mesmos ao capital privado. Assim, tem sido o caso das rodovias, das
ferrovias, dos portos, dos aeroportos, entre outros. Porém, a cada
leilão ou licitação realizada, o governo acaba cedendo às pressões do
empresariado interessado, o que provoca redução dos recursos a serem
pagos ao poder público, aumento das tarifas previstas e elevação das
taxas de rentabilidade asseguradas aos consórcios vencedores. Ao
sinalizar com esse tipo de flexibilidade de forma recorrente, o governo
reforça a postura de chantagem do capital, que simula desinteresse e
exige sempre melhores condições e mais benesses.
A esse
quadro de preocupante instabilidade começam a se agregar os resultados
negativos quanto ao aumento da inflação, à elevação do déficit no setor
externo e ao baixo desempenho do PIB. Esse é o caldo de cultura ideal
para que os setores conservadores comecem a trabalhar seus porta-vozes
em busca de mudanças de rota e de pessoas nos cargos mais importantes na
esfera econômica.
Ainda que a orientação básica do governo tenha se comportado bastante
favorável e adequada aos interesses do capital ao longo da década, o
fato é que a pressão por mudanças mais radicais nunca deixou de se fazer
presente.
As origens das ideias do conservadorismo Durante
a primeira quinzena deste mês, dois economistas renomados lançaram
algumas de suas ideias a respeito do que deveria ser feito, de acordo
com a lógica mais ortodoxa e liberal. Ambos eram professores da PUC/RJ e
a partir da década de 1980 tiveram a oportunidade de se iniciar como
responsáveis pela política econômica na área federal. Em seguida,
tornaram-se banqueiros. Profissionais bem preparados, formaram parte do
núcleo duro que se encarregou pela divulgação e implementação dos
alicerces e fundamentos do neoliberalismo por nossas terras. Depois que
os tucanos saíram do governo federal, eles se reúnem periodicamente em
um instituto de pesquisa no bairro carioca da Gávea, a Casa das Garças.
Fica situado a apenas algumas centenas de metros daquele campus
universitário, onde tudo começou e continua - os meninos da PUC.
O
foco central da abordagem conservadora continua sendo a questão do
Estado. Aqueles que propugnavam que a História tinha chegado a seu fim,
também consideram que tudo o que é público carrega em si um karma
negativo e a solução a ser perseguida é - sempre! - o Estado reduzido à
sua dimensão mínima. Mas nessa luta desesperada para justificar essa
causa anacrônica, acabam por se valer de argumentos que não encontram
nem mesmo respaldo na realidade concreta.
Reflexões de Lara Rezende Vejamos o que pensa André Lara Rezende, em artigo publicado no Valor Econômico:
“O
Estado brasileiro tornou-se um sorvedouro de recursos, cujo principal
objetivo é financiar a si mesmo. Os sinais dessa situação estão tão
evidentes, que não é preciso conhecer e analisar os números.”
Porém,
o fato é que os dados e informações oficiais - que ele acha que nem
precisam ser conhecidos - demonstram um quadro bem diferente. Em
primeiro lugar, quase a metade dos recursos do Orçamento da União são
destinados para o pagamento de juros e serviços da dívida pública -
gasto parasita, na esfera do financismo. Em seguida, em que pese todo o
esforço que foi feito em sentido contrário na época de ouro do
neoliberalismo, boa parte dos recursos públicos ainda são alocados em
setores sociais, como a educação, a saúde, previdência e assistência
social. Apesar de todos sermos a favor de uma melhoria na gestão da
máquina estatal e de maior eficiência na alocação do gasto público, o
Estado brasileiro está longe de ser um ente que “se financia a si
mesmo”. Na verdade, esse tipo de assertiva só pode ser compreendido como
a pavimentação do terreno para a volta de propostas sugerindo
privatização completa desses últimos resquícios de Estado de bem estar
social.
Em seguida Lara Rezende se aventura a explicar fenômenos
como a sobrevalorização cambial e a desindustrialização, com base em uma
suposta repartição do espaço público entre os diferentes agentes da
base política do governo. Uma loucura! Vejamos aqui:
“A
combinação de um projeto anacrônico com o loteamento do Estado entre o
sindicalismo e o fisiologismo político, ao contrário do pretendido,
levou à sobrevalorização cambial e à desindustrialização.”
Ora,
qualquer indivíduo minimamente informado a respeito do fenômeno
econômico sabe que a valorização artificial e excessiva de nossa moeda
guarda relação direta com a enxurrada de recursos externos, que se
explica pela alta taxa de juros aqui praticada. E isso só foi possível
graças à abertura tresloucada de nosso mercado ao capital especulativo
internacional, que foi levada a cabo quando eles estavam à frente da
política econômica. Esse mesmo fenômeno acaba provocando consequências
negativas para a atividade industrial interna, uma vez que os preços dos
manufaturados importados ficam muito baixos e os nossos produtos
industriais não conseguem condições de competir tampouco nos mercados
externos. Pressão sindical e fisiologismo político passam longe de tais
movimentos.
Propostas de Pérsio Arida Em
entrevista concedida ao mesmo jornal, Pérsio Arida avança outras ideias
do conservadorismo genuíno e sincero. Logo no início, identifica aquele
que seria um dos maiores problemas de nossa economia: a questão da
remuneração da força de trabalho. Vejamos aqui:
“Várias
medidas necessárias dependem de vontade política. A mais óbvia é mudar a
lei de indexação do salário mínimo. É uma excrescência: o mínimo sobe
automaticamente com o PIB, em termos reais. Quem ganha salário mínimo
merece ter aumento real, é obvio que sim. Mas o problema não é esse. É
que ele é piso para todas as negociações sindicais. A economia funciona
como se tivesse choques de salário real e indexa as aposentadorias.”
A
crueldade da observação não esconde o sentido de classe presente no
raciocínio. Ora, em tese parece razoável imaginar que se há crescimento
da economia, então o resultado dessa ampliação real do PIB deva ser
repartido por todos os setores da sociedade. Mas, aqui, não! É uma
“excrescência” que o salário mínimo receba esse mesmo ganho real (sic).
Os trabalhadores não merecem compartilhar do crescimento da economia
nacional. Apenas o capital deve ser beneficiado por essa elevação de
renda. Isso sem levar em conta a enorme dívida histórica que a sociedade
brasileira tem para com os que vivem apenas de sua capacidade laboral e
que, precisamente por isso, merecem receber um tratamento mais
acelerado de recomposição de seu poder aquisitivo.
Não contente
em sugerir a redução de direitos ao conjunto dos trabalhadores da ativa,
Arida passa a tecer considerações a respeito dos aposentados e do nosso
modelo previdenciário. Ao ser indagado se seria ruim um sistema que
repassa ganhos reais para as aposentadorias, ele afirma o seguinte:
“O
Brasil é o único país que conheço no mundo que dá compulsoriamente
aumento real de pensão para aposentados. No fundo, está tirando renda
dos segmentos ativos da sociedade e transferindo para os aposentados.”
Mais
da metade dos benefícios concedidos pelo Regime Geral de Previdência
Social não supera o valor de um salário mínimo mensal. Uma parcela
bastante reduzida alcança a soma de 2 salários. Ora, não é concebível
criticar o modelo por incorporar esses ganhos reais de alguns pontos
percentuais a cada biênio, segundo o que estabelece a legislação. Não
são os aposentados que estão “tirando renda” dos segmentos ativos da
sociedade. Na verdade, os inativos já estão mais do que prejudicados
pela vigência da fórmula do “fator previdenciário” (criado ainda no
governo de FHC e mantido desde então). Essa redução do valor dos
benefícios e de outros gastos públicos ocorre para que possam ser
beneficiados os setores de renda elevada, esses sim os que se apropriam
do rentismo financeiro gerado pelo próprio Estado.
Além disso,
Arida se esquiva de mencionar o fato de que foram justamente a política
de valorização do salário mínimo, a manutenção da política da
previdência social e as alocações do tipo Bolsa Família que permitiram
ao Brasil se voltar para o mercado interno a partir de 2008 e evitar um
maior prejuízo provocado pela crise financeira internacional.
Mais
à frente, o autor resvala para o comércio internacional e faz algumas
considerações carregadas de significado, pois implicam o retorno à
política externa do período anterior a 2003. Suas palavras são as
seguintes:
“Mas acho que fazer acordos de livre comércio com
os parceiros comerciais que importam, que são Estados Unidos, Europa e
Ásia, seria mais produtivo do que insistir no caminho do Mercosul.”
Assim,
o ideal seria abandonar o projeto estratégico de consolidação do bloco
regional e das políticas comerciais na linha do chamado “sul-sul”.
Segundo ele, a opção mais adequada deveria ser a retomada da via
preferencial pelos países ricos, com a definição de Estados Unidos e
Europa como parceiros prioritários. Uma loucura! Ao longo da última
década - por mais críticas que se possa fazer ao modelo neocolonial
baseado no setor primário exportador - o Brasil conseguiu diversificar
sua corrente de comércio e deixou de ser dependente apenas da economia
norte-americana. O Mercosul passou a ter um peso cada vez mais
expressivo em nosso regime de trocas, assim como a China. Aliás, não
fosse tal reorientação e estaríamos ainda em piores condições, haja
vista as consequências provocadas pela recessão nos países do Hemisfério
Norte.
Como se pode perceber, o conservadorismo autêntico
continua presente, exibindo suas ideias e buscando espaço para um
eventual retorno à cena principal. Cabe aos responsáveis pela política
econômica não enveredar por caminhos que contribuam para criar um
ambiente favorável a tais projetos. Afinal, estão baseados em princípios
que a própria história recente acabou por relegar à condição de
coadjuvante no debate econômico.
Paulo Kliass é Especialista em
Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e
doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
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