Mais Médicos, cubanos e a postura dos grandes jornais
Um fato interessante na cobertura de hoje das hostilidades sofridas pelos médicos cubanos, é o tom das matérias nos dois jornais. Se antes havia críticas à vinda desses profissionais, com farto material sobre alegações de trabalho escravo e veementes declarações dos dirigentes dos conselhos de medicina, a tônica agora é outra. O exagero dos protestos de ‘médicos’ brasileiros acabou por torná-los figuras pouco apreciadas dentro das críticas ao Programa Mais Médicos, fazendo com que os grandes jornais baixassem o tom e velassem a mordacidade depois do episódio em Fortaleza. Um exemplo pode ser dado na abordagem de hoje da Folha, que anuncia em seu texto que a foto (a mesma que rodou nas redes sociais) de Juan Delgado foi capa de sua edição de terça, mas esquece da alfinetada dada aos médicos cubanos, em que repórter narra a dificuldade no entendimento do português por parte dos entrevistados, mas se esquece de dizer que a conversa se deu em meio ao calor da manifestação.
Mas ainda há pontos importantes, que deveriam ser criticados exaustivamente, que ficam perdidos no meio da matéria. O Estadão, por exemplo, traz a informação de que o Sindicato dos Médicos de Pernambuco decidiu denunciar ao Conselho Regional de Medicina os tutores dos cursos ministrados aos médicos estrangeiros. A alegação é que fere o código de ética da categoria, que reza que um profissional “não deve se posicionar contra um movimento legítimo da categoria”. O tema foi inserido na matéria que diz que Governo ameaça ir à Justiça contra os conselhos regionais.
No ponto a ponto, eis a abordagem geral do tema nos dois jornais paulistas.
O foco principal da Folha, ao contrário do Estadão, que deu o tema e a entrevista em destaque menor, é o médico cubano, Juan Delgado, que teve sua foto em evidência nas redes sociais. Na entrevista ele se diz surpreso com manifestação e afirma que só ocuparão os lugares “que eles não vão”. O médico se disse impressionado com as manifestações, e a Folha traz a informação que o ato foi administrado pelo Sindicato dos Médicos do Ceará, coisa que o Estadão faz com mais destaque, em entrevista. E ainda, a declaração de Juan de que “isso não está certo, não somos escravos”, rebatendo o coro feito por ‘profissionais’ brasileiros da saúde, e mais: “seremos escravos da saúde, dos pacientes doentes, de quem estaremos ao lado todo o tempo necessário”. Para Juan, os médicos brasileiros deveriam fazer o mesmo que eles: “ir a lugares mais pobres prestar assistência”, mesmo assim, o cubano não acredita que todos os médicos brasileiros rejeitem a presença dos estrangeiros e entende que assistência pode ser possível mesmo em lugares com infraestrutura precária.
A Folha traz, após a entrevista com Juan Delgado, a informação de que o presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará, José Maria Pontes, teria dito que as vaias não foram dirigidas aos cubanos, mas aos gestores do programa, sendo que os gritos de ‘escravo, escravo, escravo’ não foi no sentido pejorativo, mas sim no sentido de defesa, “de que eles estão submetidos a trabalho escravo e que estamos lutando para mudar aquele vínculo”. O Estadão já trata isso em matéria ao pé da página, informações adicionais sobre os próximos passos da categoria, uma assembleia geral com a pauta “resposta às últimas ações de luta contra as recentes medidas do governo federal”.
O Estadão estampa foto de médicos cubanos recebendo flores, em ato de desagravo, após episódio em Fortaleza. As flores foram entregues ontem, no momento em que saíam da aula, em claro contraponto à ação do dia anterior, aquela tão execrada nas redes sociais. A matéria traz a declaração do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que se referiu aos médicos como sendo ‘xenófobos’, criticando a postura dos cerca de 50 ‘profissionais’ da área que participaram da manifestação. Os ‘médicos’, na desagradável ação, chamaram os cubanos de ‘escravos’, e fizeram um “verdadeiro corredor polonês da xenofobia, atacando médicos que vieram de outros países para atender a população naqueles municípios onde nenhum profissional quis fazer atendimento”, esbravejou Padilha.
O Estadão ainda traz que várias entidades populares, o PT e o SUS soltaram nota contra o protesto dos ‘profissionais cearenses’, e fizeram apelo às entidades médicas “para que respeitem os cubanos e outros estrangeiros, que sejam acolhidos como merecem”. Segundo o Estadão, Padilha afirmou que governo vai insistir no Programa Mais Médicos, tirando dele qualquer conotação ideológica e partidária, “até porque o primeiro governo a buscar médicos em Cuba para atender no Brasil foi do PSDB”, alfinetou ele, “Fernando Henrique era presidente da República e o governador do Tocantins (Siqueira Campos, hoje no PSDB, que trouxe os médicos) era do PFL”, completou o ministro. Padilha ainda afirmou, no Estadão, que o governo recebeu apelo de prefeitos de todos os partidos.
Outro ponto polêmico da ação dos ‘médicos’ de Fortaleza foi a de criar uma situação tal que foi preciso pedir reforço policial e, também, a informação de que José Maria Pontes, presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará, liderou a manifestação. A Folha insere na reportagem, o Estadão traz em matéria separada.
Do lado dos médicos cubanos, as declarações recolhidas pelo Estadão, de que estão tranquilos com o futuro e que eles estão em contato com a língua desde novembro passado quando se aventou a possibilidade da vinda de médicos estrangeiros ao Brasil.
Um fato interessante, que demonstra a maior integração dos jornais com as redes sociais, foi a menção à revolta na web, quando a jornalista potiguar, Micheline Borges, que afirmou em seu Facebook que “cubanas têm ‘cara de doméstica’”. Tanto Estadão quanto Folha fizeram menção ao fato e a segunda foi mais longe, encontrando a personagem, que declarou que falou “em um momento infeliz” e que não tem preconceito com ninguém. A Micheline não aguentou a pressão e apagou seu perfil no Facebook.
Ainda sobre o Mais Médicos, os dois trazem a informação de que governo pode processar conselho que negar registro aos médicos estrangeiros do Programa. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, disse ontem que o governo pode tomar medidas judiciais aos que negarem o registro provisório pois “existe uma lei no Brasil que prevê para esse programa o registro provisório, se negar é negar a aplicação da lei”, disse ele. A Folha tratou o tema em um tripinha do lado direito da página, e o Estadão deu grande destaque, em matéria de seis colunas abaixo da matéria principal, com mais informações sobre as ações do lado dos médicos.
No Estadão a importante informação de que o Sindicato dos Médicos de Pernambuco decidiu denunciar ao Conselho Regional de Medicina os tutores do curso que está sendo ministrado pelos médicos estrangeiros, com a alegação que estão descumprindo o artigo 49 do Código de Ética Médica que determina que o profissional não deve se posicionar contra um movimento legítimo da categoria. A informação do Estadão é emblemática, é importante e fica perdida no meio da matéria.
Adams afirmou que podem fazer objeção pública, questionar a legalidade da lei, podem até entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (como entraram), “tudo é permitido, mas eles não podem descumprir a lei”, declarou, “se não, nós vamos entrar numa anarquia”, concluiu.
Outro ponto abordado pelos dois jornais, de forma mais sucinta, é o fato de que o Ministério Público Federal, no Distrito Federal, ter decidido instaurar inquérito civil para apurar denúncia de supostas violações de direitos humanos de cubanos participantes do programa. Foram solicitadas informações aos ministros da Saúde, da Educação, à Organização Pan-Americana de Saúde e Organização Mundial de Saúde.
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