O Ocidente revida na Síria
por Melkulangara Bhadrakumar [*]
Pouco antes de os inspectores de armas químicas das Nações Unidas chegarem a Damasco – dentro de 72 horas, de facto – figuras da oposição síria baseadas em Istambul, Turquia, afirmaram que mais de 1400 pessoas foram mortas em ataques de armas químicas pelas forças do governo nos arredores da capital síria na manhã de quarta-feira.
Os Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Alemanha, a União Europeia e a Liga Árabe estão entre aqueles que pediram acção urgente. Não surpreendentemente, o próprio governo sírio refutou fortemente a alegação chamando-a de guerra "suja" dos media, a qual reflectia a "histeria, desordem e colapso" dos rebeldes que sofreram uma série de derrotas militares devastadoras nos últimos dias e semanas. O que é o plano de jogo? Uma pista vital está na nomeação do perito sueco Ake Sellstrom como o chefe da equipe da ONU que aterrou em Damasco três dias atrás. Sellstrom serviu no bando selecto dos inspectores de armas da ONU no Iraque... A Reuters citou Sellstrom a apoiar o pedido de que os alegados ataques nos subúrbios de Damasco deveriam ser investigados e ele mesmo propôs um plano de acção. O secretário britânico dos Estrangeiros, William Hague, considerou a ideia de Sellstrom como excelente e disse: "Apelo ao governo sírio a que permita acesso à área à equipe da ONU actualmente a investigar alegações anteriores de utilização de armas químicas". A França, Alemanha e Turquia concordaram de imediato. Curiosamente, a Casa Branca em Washington endossou o pedido europeu-turco: "Há hoje, quando falamos, sobre o terreno na Síria, uma equipe das Nações Unidas com a especialidade em investigar a utilização de armas químicas. Assim, vamos dar a esta equipe a oportunidade para investigar o que aconteceu exactamente e ir ao fundo disto de modo a que possamos responsabilizar aqueles que foram os responsáveis". Na verdade, uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU já se havia verificado em Nova York. O conselho não pediu explicitamente uma investigação da ONU mas concordou em que há "forte preocupação entre os membros do Conselho" acerca das alegações e "um sentimento geral de que deve haver clareza sobre o que aconteceu" e que a "situação tem de ser seguida cuidadosamente". Enquanto isso, o porta-voz de Ban Ki-Moon disse a jornalistas em Nova York que Sellstrom já está "em discussões com o governo sírio sobre todas as questões referentes à alegada utilização de armas químicas, incluindo este mais recente incidente relatado". Em suma, a equipe de inspecção da ONU que está mandatada para estar na Síria até 14 dias – como acordado entre o governo sírio e a ONU – "com uma possível extensão" para investigar a utilização do alegado uso de armas químicas em Khan al-Assal e dois outros locais não revelados podem estar a acabar de obter um mandato prolongado. Se assim é, isto torna-se uma espécie de golpe para as potências ocidentais e seus aliados do Médio Oriente, os quais têm estado persistentemente a procurar alguma forma de intervenção da ONU na Síria. No fundo, Sellstrom pode estar numa missão ilimitada à procura de stocks dos armas químicas do regime de Bashar Al-Assad. Claramente, o camelo entrou na tenda de Bashar. Sellstrom agora começará a apresentar relatórios para Ban, o qual finalmente será obrigado a levar a notícia ao Conselho de Segurança e isso, por sua vez, poderia significar a abertura de um processo sírio em Nova York, o que o Ocidente sempre quis. O que resulta de tudo isso? Três coisas emergem. Primeiro, o momento dos êxitos espantosos dos militares sírios sobre os rebeldes está quase certamente em vias de ser interrompido. O regime sírio precisará voltar sua atenção para a batalha diplomática que está pela frente. Isto é uma coisa. Em segundo lugar, as placas tectónicas na geopolítica do Médio Oriente estavam começando a mostrar algum movimento nas últimas semanas com os desenvolvimentos no Egipto. A desarmonia entre os antigos aliados que estavam até há pouco a colaborar sobre o projecto da Síria estava a tornar-se demasiado óbvia para ser camuflada. No mínimo, a controvérsia da arma química síria coloca um travão brusco nos movimentos incipientes de uma "recomposição" nos alinhamentos políticos no Médio Oriente. As potências ocidentais puseram os vagões em círculo e assinalaram aos seus inquietos aliados regionais que o projecto sírio é obra em curso. Paradoxalmente, a controvérsia das armas químicas também proporciona uma bóia de salvação para o assediado Recep Erdogan, da Turquia, escapar de um isolamento agudo em relação ao Egipto. Erdogan está exasperado a enfrentar o problema curdo, o qual ultimamente tem estado a agitar-se como o motivo central do conflito sírio. Os curdos sírios desafiaram frontalmente a ligação encoberta de Ancara com filiados da Al-Qaeda, o que coloca Erdogan em apuros. ENVOLVIMENTO DA ADMINISTRAÇÃo OBAMA NAS ARMAS QUÍMICAS Em terceiro lugar, levanta-se uma questão tormentosa. As potências europeias – Grã-Bretanha e França em particular – e a Turquia estão evidentemente a encabeçar a controvérsia mais recente sobre armas químicas. Mas até onde foi e quão real é o envolvimento da administração Obama na mesma? O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, gen. Martin Dempsey, declarou publicamente ainda na segunda-feira passada que a administração opunha-se mesmo a uma intervenção limitada na Síria porque acredita que os rebeldes combatendo o regime Assad não apoiariam interesses americanos se tomassem o poder agora. Ele escreveu com franqueza brutal numa carta dirigida ao congressista Eliot Engel (Democrata - Nova York): "A Síria hoje não está prestes a optar entre dois lados mas, ao invés, prestes a optar entre muitos lados. É minha crença que o lado que nós optarmos deve estar pronto a promover os seus interesses e os nossos quando o equilíbrio [de forças] mudar em seu favor. Hoje, eles não estão. "Trata-se de um conflito profundamente enraizado e de longo prazo entre facções múltiplas, e lutas violentas pelo poder continuarão após o fim do domínio de Assad. Deveríamos avaliar a eficácia de opções militares limitadas neste contexto... A utilização de força militar estado-unidense pode mudar o equilíbrio militar. Mas não pode resolver as subjacentes questões históricas, étnicas, religiosas e tribais que estão a alimentar este conflito". Dempsey concluiu que a política da administração Obama de centrar-se sobre assistência humanitária e promover a oposição moderada na Síria "representa o melhor quadro para uma estratégia eficaz dos EUA em relação à Síria". De um modo geral, portanto, a controvérsia das armas químicas abre uma espécie de porta de saída para as potências ocidentais (e a Turquia) na Síria. As potências ocidentais têm estado a esquivar-se à questão do armamento dos rebeldes sírios depois de fazerem promessas verbais, enquanto as forças de Assad têm estado gradualmente a ganhar superioridade militar. A oposição síria está numa confusão e a Irmandade, a qual domina a oposição síria, está sob o fogo pesado da artilharia saudita por toda a região. Em suma, a bússola do projecto de "mudança de regime" na Síria comutou em favor dos salafistas. Além disso, estes ainda são dias preliminares no Egipto e o que acontecer nas margens do Nilo no final das contas acabaria por reescrever a política do Médio Oriente. Na presente situação, Assad negociará de uma posição de força inexpugnável na mesa de negociação "Genebra 2", o que é inadmissível para o Ocidente. É aqui que a controvérsia das armas químicas e a abertura de um processo sírio no Conselho de Segurança da ONU oferece uma pausa para respirar e quebrar o ímpeto do exército de Assad e a insolência do Hezbollah e do Irão. Será isto um prelúdio para um cenário tipo Iraque? Sem dúvida, Sellstrom está a andar na ponta dos pés perigosamente próximo rumo aos stocks de armas de destruição maciça de Bashar, ou de alguma coisa, a qual os EUA (e Israel) sempre quiseram segurar. A única tarefa assinalada ao inspector de armas Sellstrom quando ele aterrou em Damasco três dias atrás com a sua equipe era inspeccionar três sítios específicos para determinar se foram utilizadas armas químicas na Síria. Ele não tinha um mandato mesmo para nomear a parte responsável. Agora tudo isso tornou-se história.
22/Agosto/2013
Ver também: (A verdade proibida: Os EUA estão a canalizar armas químicas para a Al Qaeda na Síria, Obama é um mentiroso e um terrorista) (Ataque de armas químicas sob falsa bandeira na Síria. Pretexto para guerra total?) (Ministro russo dos negócios estrangeiros: Materiais que implicam governo sírio em ataque químico foram preparados antes do incidente) (Peritos lançam dúvida sobre filmagem de armas químicas na Síria) (Carla del Ponte: "Evidentemente rebeldes sírios utilizaram Sarin") (Evidência preliminar indica que o governo sírio NÃO lançou um ataque com arma química contra o seu povo) (Rebeldes sírios utilizam produtos químicos tóxicos contra tropas governamentais perto de Damasco) (O alarde dos media acerca de "armas químicas" na Síria: pressionando pela intervenção militar) [*] Diplomata de carreira da Índia durante 29 anos, foi embaixador no Usbequistão (1995-1998) e na Turquia (1998-2001). O original encontra-se em www.strategic-culture.org/news/2013/08/22/the-west-strikes-back-in-syria.html Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
Carlos Augusto de Araujo Dória, 82 anos, economista, nacionalista, socialista, lulista, budista, gaitista, blogueiro, espírita, membro da Igreja Messiânica, tricolor, anistiado político, ex-empregado da Petrobras. Um defensor da justiça social, da preservação do meio ambiente, da Petrobras e das causas nacionalistas.
sábado, 24 de agosto de 2013
SÍRIA - O Ocidente revida na Síria
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