Luis Nassif
O episódio do mensalão deflagrou uma debandada de intelectuais do PT. O sucesso das políticas sociais e, especialmente, a campanha de Serra em 2010 os trouxeram de volta.
No segundo turno das eleições, ante a ameaça da volta do obscurantismo, velhos militantes das diretas, intelectuais que fizeram nome na luta contra o arbítrio tiraram suas armaduras do armário e voltaram às praças acadêmicas, em apoio à candidatura Dilma. Órfãos do PT, poderiam ter buscado abrigo em outro partido. Mas o que viam, do outro lado, era Serra com olhos de pastor alucinado, lendo a Biblia em casas humildes, par atrair eleitores crédulos.
O que cativa os militantes, o que conquista adesões, são as ideias, as propostas legitimadoras, generosas, a criação da utopia, em contraposição à realpolitik, inevitável nas relações de poder. É esse círculo que forma as ideias; são as ideias legitimadoras que atrem os formadores de opinião. O resto, vem atrás. E, nas democracias, não existe nada de mais legitimador que a busca da igualdade, o apoio às minorias, a defesa dos fracos - sem o oportunismo do "populismo" clássico.
No entanto, o padrão Murdoch de mídia criou a figura do colunista agressivo, misturando o neoliberalismo mais obtuso e atrasado (porque crítico de qualquer avanço social) com a exploração de figuras ancestrais da superstição internacional (o inimigo sibilino, infiltrado em todos os cantos, comedor de criancinhas) e com níveis de raciocínio similares aos polemistas de botequim.
Aliás, o episódio dos dois comentaristas da CBN apostando garrafas de vinho na condenação dos “inimigos” talvez tenha sido o momento mais revelador desses tempos. Justificaram bem o que certa vez escreveu Luiz Fernando Veríssimo: cada vez que critico o governo e olho ao lado de quem eu fico, perco a vontade de continuar.
Para conferir alguma densidade intelectual à discussão, a mídia tentou a adesão de intelectuais orgânicos. Mas nenhum intelectual sério quis se comprometer com a companhia. Restou meia dúzia de acadêmicos, recorrentes, brandindo os mesmos bordões anti-comunistas, o discurso da ética seletiva, fazendo qualquer coisa por um espaço na mídia.
Até Boris Fausto, o respeitável Boris Fausto, para quem existe Deus no céu e FHC na terra, recusou a companhia desses halterofilistas das ideias e se recolheu à seriedade habitual de seus estudos acadêmicos.
Com os intelectuais tucanos da USP encolhendo, com receio de serem confundidos com os intelectuais tucanos da mídia, o discurso acadêmico da oposição restringiu-se aos mesmíssimos economistas do Plano Real – cuja eficácia acabou nos anos 90.
O Instituto Perseu Abramo – dirigido por Márcio Pochmann – esforça-se por desbravar os novos tempos políticos e sociais, levantando novas teses para discussão. É o que tem mais avançado no conhecimento do novo mundo.
No PSDB há um conjunto de intelectuais tentando definir novos pontos, mas ainda submersos. O Instituto Teotônio Vilella foi entregue a um parlamentar agressivo e intelectualmente inexpressivo, como Sérgio Guerra, a mais perfeita tradução de Roberto Freire.
Desde que foi eleito presidente, FHC passou a estigmatizar como “populista” qualquer proposta que trouxesse um mínimo de benefício aos cidadãos. No auge das manifestações de rua, “descobre” que o discurso eficaz é o que prometer melhorar a vida do contribuinte. Julga que com uma declaração remove vinte anos de atraso no seu discurso político.
Para avançar, o PSDB terá que desenvolver um discurso pós-FHC, com foco nos temas centrais – inclusão social, educação, inovação, enfase nos serviços públicos -, tratando-os de acordo com sua ótica mais liberalizante. Não poderá mais colocar os meios (redução do Estado, privatização, redução dos gastos sociais) à frente dos fins, mas apresentando propostas alternativas que atinjam os objetivos finalísticos.
O PSB conta com o respaldo de Roberto Amaral, velho militante nacionalista. Mas ainda não mostrou o discurso adaptado ao século 21. O velho Miguel Arraes teve experiências bastante interessantes, de levar inovação às pequenas comunidades, uma bandeira contemporânea, que casa preocupação social com modernização.
O Instituto Ulisses Guimarães, do PMDB, está entregue ao deputado gaúcho Eliseu Padilha, notório por seu estilo político, não por suas ideias. Se houvesse um mínimo de esperteza do partido, entregaria a alguém mais aparelhado, como Gabriel Chalita. Ou recuperaria intelectuais históricos, mas que se afastaram do partido – como os economistas da Unicamp, trabalhando de forma integrada o conceito de desenvolvimento com a nova geração de acadêmicos da instituição.
O primeiro passo para recuperar a legitimidade da política e dos partidos será trazer de volta os intelectuais e valorizar os programas partidários. A discussão tem que sair do campo dos ataques pessoais e da escandalização disseminada para o das propostas e ideias.
Houve um longo período na política brasileira em que se superestimou o papel dos intelectuais na atividade política. Nos últimos anos ocorreu processo inverso, com fundas consequências na vida dos partidos, especialmente da oposição.
É interessante analisar o tiro no pé dado pela velha mídia, em sua militância partidária, ao abandonar propostas legitimadoras e aderir ao vale-tudo do modelo Rupert Murdoch de jornalismo, explorando o anticomunismo mais tacanho, a criminalização das políticas sociais, o elitismo mais obtuso.O episódio do mensalão deflagrou uma debandada de intelectuais do PT. O sucesso das políticas sociais e, especialmente, a campanha de Serra em 2010 os trouxeram de volta.
No segundo turno das eleições, ante a ameaça da volta do obscurantismo, velhos militantes das diretas, intelectuais que fizeram nome na luta contra o arbítrio tiraram suas armaduras do armário e voltaram às praças acadêmicas, em apoio à candidatura Dilma. Órfãos do PT, poderiam ter buscado abrigo em outro partido. Mas o que viam, do outro lado, era Serra com olhos de pastor alucinado, lendo a Biblia em casas humildes, par atrair eleitores crédulos.
O que cativa os militantes, o que conquista adesões, são as ideias, as propostas legitimadoras, generosas, a criação da utopia, em contraposição à realpolitik, inevitável nas relações de poder. É esse círculo que forma as ideias; são as ideias legitimadoras que atrem os formadores de opinião. O resto, vem atrás. E, nas democracias, não existe nada de mais legitimador que a busca da igualdade, o apoio às minorias, a defesa dos fracos - sem o oportunismo do "populismo" clássico.
No entanto, o padrão Murdoch de mídia criou a figura do colunista agressivo, misturando o neoliberalismo mais obtuso e atrasado (porque crítico de qualquer avanço social) com a exploração de figuras ancestrais da superstição internacional (o inimigo sibilino, infiltrado em todos os cantos, comedor de criancinhas) e com níveis de raciocínio similares aos polemistas de botequim.
O fim da ética dos guerreiros
Aberta a temporada do "procuram-se polemistas de esgoto", não faltaram candidatos a preencher a vaga de colunista de olhar rútilo de sangue, a baba escorrendo pelos cantos da boca, a insensibilidade total em relação à miséria, combatendo o inimigo de forma incessante e selvagem. Conseguiram avacalhar até a ética do guerreiro – de não chutar adversário caído.Aliás, o episódio dos dois comentaristas da CBN apostando garrafas de vinho na condenação dos “inimigos” talvez tenha sido o momento mais revelador desses tempos. Justificaram bem o que certa vez escreveu Luiz Fernando Veríssimo: cada vez que critico o governo e olho ao lado de quem eu fico, perco a vontade de continuar.
Para conferir alguma densidade intelectual à discussão, a mídia tentou a adesão de intelectuais orgânicos. Mas nenhum intelectual sério quis se comprometer com a companhia. Restou meia dúzia de acadêmicos, recorrentes, brandindo os mesmos bordões anti-comunistas, o discurso da ética seletiva, fazendo qualquer coisa por um espaço na mídia.
Até Boris Fausto, o respeitável Boris Fausto, para quem existe Deus no céu e FHC na terra, recusou a companhia desses halterofilistas das ideias e se recolheu à seriedade habitual de seus estudos acadêmicos.
Com os intelectuais tucanos da USP encolhendo, com receio de serem confundidos com os intelectuais tucanos da mídia, o discurso acadêmico da oposição restringiu-se aos mesmíssimos economistas do Plano Real – cuja eficácia acabou nos anos 90.
A reconstrução das ideias
Há a necessidade urgente dos partidos reconstruírem suas utopias, suas bases ideológicas mas, principalmente, renovar sua geração de intelectuais – sem abrir mão das linhas condutoras dos intelectuais históricos.O Instituto Perseu Abramo – dirigido por Márcio Pochmann – esforça-se por desbravar os novos tempos políticos e sociais, levantando novas teses para discussão. É o que tem mais avançado no conhecimento do novo mundo.
No PSDB há um conjunto de intelectuais tentando definir novos pontos, mas ainda submersos. O Instituto Teotônio Vilella foi entregue a um parlamentar agressivo e intelectualmente inexpressivo, como Sérgio Guerra, a mais perfeita tradução de Roberto Freire.
Desde que foi eleito presidente, FHC passou a estigmatizar como “populista” qualquer proposta que trouxesse um mínimo de benefício aos cidadãos. No auge das manifestações de rua, “descobre” que o discurso eficaz é o que prometer melhorar a vida do contribuinte. Julga que com uma declaração remove vinte anos de atraso no seu discurso político.
Para avançar, o PSDB terá que desenvolver um discurso pós-FHC, com foco nos temas centrais – inclusão social, educação, inovação, enfase nos serviços públicos -, tratando-os de acordo com sua ótica mais liberalizante. Não poderá mais colocar os meios (redução do Estado, privatização, redução dos gastos sociais) à frente dos fins, mas apresentando propostas alternativas que atinjam os objetivos finalísticos.
O PSB conta com o respaldo de Roberto Amaral, velho militante nacionalista. Mas ainda não mostrou o discurso adaptado ao século 21. O velho Miguel Arraes teve experiências bastante interessantes, de levar inovação às pequenas comunidades, uma bandeira contemporânea, que casa preocupação social com modernização.
O Instituto Ulisses Guimarães, do PMDB, está entregue ao deputado gaúcho Eliseu Padilha, notório por seu estilo político, não por suas ideias. Se houvesse um mínimo de esperteza do partido, entregaria a alguém mais aparelhado, como Gabriel Chalita. Ou recuperaria intelectuais históricos, mas que se afastaram do partido – como os economistas da Unicamp, trabalhando de forma integrada o conceito de desenvolvimento com a nova geração de acadêmicos da instituição.
O primeiro passo para recuperar a legitimidade da política e dos partidos será trazer de volta os intelectuais e valorizar os programas partidários. A discussão tem que sair do campo dos ataques pessoais e da escandalização disseminada para o das propostas e ideias.
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