quarta-feira, 18 de setembro de 2013

EUA - Os bandidos impunes da crise financeira.


Cinco anos depois, os bandidos impunes da crise financeira



Fuld e uma de suas mansões: livre, leve e solto. E rico
Ex-chefões de Wall Street vivem luxuosamente depois da crise mundial
Por Alison Fitzgerald no Center for Public Integrity
sugerido por Valter Sanches e Paulo Grazioli, no Facebook
Primeira parte da série sobre o impacto da crise financeira de 2008
Nota do editor: Há quase cinco anos, no dia 15 de setembro, a Lehman Brothers Holdings Inc. pediu falência, a maior da história da nação. A medida desencadeou uma série de ações dramáticas em Washington, D.C., e em Wall Street — onde bancos reguladores tentavam evitar um colapso da economia global. Para marcar o aniversário, o Centro para Integridade Pública está publicando uma série de três partes sobre o que aconteceu desde então.
Passados cinco anos do quase colapso do sistema financeiro da nação, a economia continua em uma recuperação lenta marcada por grande desemprego, consumidores hesitantes e taxas de investimento apáticas.
Vários banqueiros graúdos de Wall Street, grandes responsáveis pelo desastre – e cujas empresas não quebraram, mas recebem bilhões de dólares em socorro financeiro do governo – também estão desempregados. Mas como se afastaram do desastre com milhões de dólares, eles estão administrando o vasto tempo livre alternando entre mansões e golfe, esqui e tênis.
Enquanto isso, os grandes bancos que sobreviveram à crise, em grande parte porque foram salvos com dinheiro do contribuinte após terem sido considerados “grandes demais para quebrar”, são hoje ainda maiores e mais poderosos do que nunca.
O Centro para Integridade Pública analisou o que aconteceu com cinco dos grandes chefes de Wall Street para ver o que andam fazendo hoje em dia. Nenhum deles está na cadeia e não se espera que acusações criminais sejam feitas contra eles.
Certamente, nenhum deles está precisando de dinheiro.
Veja Richard Fuld. Cinco anos depois da quebra da Lehman Brothers Holdings Inc., a empresa de 158 anos que ele dirigia, que entrou em colapso sob o peso dos maus investimentos e deflagrou uma onda de pânico por todo o sistema financeiro global, Fuld está vivendo confortavelmente.
Ele tem uma mansão em Greenwich, Connecticut, um rancho de mais de 40 acres em Sun Valley, Idaho, além de uma casa de cinco quartos em Jupiter Island, Flórida. Ele não tem mais um lugar em Manhattan, já que vendou o apartamento da Park Avenue em 2009 por US$ 25,87 milhões.
Os outros quatro banqueiros que o Centro investigou – Jimmy Cayne (Bear Stearns), Santley O’Neal (Merrill Lynch), Chuck Prince (Citigroup) e Ken Lewis (Bank of America) também estão vivendo com bastante luxo.
Manual da crise
Para refrescar a memória sobre a crise: nos primeiros anos da última década, o valor dos imóveis nos Estados Unidos estava disparando, alimentado por uma taxa de juros ultra baixa.
Os investidores de Wall Street, doidos para entrar na festa, desenvolveram um apetite enorme por títulos lastreados em dívidas imobiliárias da população.
Empresas como a Lehman compravam milhares de dívidas imobiliárias, juntavam tudo em um bolo e vendiam o fluxo de caixa do pagamento das prestações a investidores, incluindo fundos de pensão e fundos hedge (de risco).
Imaginava-se que os títulos eram quase tão seguros quanto os títulos do Tesouro dos Estados Unidos, mas tinham uma taxa de juros alta.
A demanda era tão grande que eventualmente os credores de empréstimos imobiliários começaram a relaxar as regras e fazer empréstimos a pessoas que não tinham como pagar, somente para satisfazer a fome dos investidores.
Quando o mercado imobiliário despencou em 2007 e os devedores passaram a atrasar os pagamentos dos empréstimos, o sistema todo começou a ruir.
Em março de 2008, a Bear Stearns quase quebrou e foi vendida. Seis meses depois, a Lehman faliu, detonando uma reação em cadeia que destruiu dezenas de bancos e credores imobiliários. Semanas depois, o Congresso aprovou um pacote de socorro de US$ 700 bilhões para o sistema financeiro e logo, logo quase todas as grandes instituições financeiras já estavam recebendo a doação.
A recessão que se seguiu destruiu cerca de US$ 34 trilhões em riqueza e elevou o índice de desemprego para além de 10% pela primeira vez em 25 anos.
“Cada uma dessas instituições estava insolvente”, disse Neil Barofsky, ex-inspetor geral especial encarregado de fiscalizar o socorro financeiro que foi chamado de Programa de Auxílio a Bens em Dificuldades (TARP em inglês).
“Havia, claramente, uma grande fraude subjacente”, disse Barofsky, que também foi promotor federal e argumenta que o governo não perseguiu, adequadamente, o indiciamento criminal dos que provocaram a crise.
Cinco anos depois da crise, a possibilidade de os envolvidos nos eventos que levaram ao colapso serem indiciados criminalmente sumiu, já que o prazo para uma ação de fraude financeira já prescreveu.
Os cinco ultra-ricos ex-chefões de Wall Street desapareceram em uma luxuosa obscuridade enquanto os sobreviventes – Jamie Dimon do JPMorgan Chase & Co. e Lloyd Blankfein da Goldman Sachs – apenas se consolidaram no poder e são vistos ora como grandes vilões ora como quase estadistas, dependendo de como oscila a sorte de suas empresas.
Fuld checa o que se passa
Cinco anos depois que a Lehman Brothers declarou falência, Fuld continua calado. Não está dando entrevistas nem palestras e não fez uma turnê para pedir desculpas.
De vez em quando ele pega o telefone e liga para ex-colegas da Lehman – os que ele considera amigos – para ver como vão as coisas.
Kevin White, ex-diretor administrativo da Lehman, diz que fala com Fuld uma vez por mês. O ex-CEO faz perguntas a respeito da família de White, checa como estão os negócios do fundo de risco que White fundou depois da Lehman, oferece ajuda, quem sabe pode apresentar alguém a ele.
“O Dick é um homem de família e considera toda essa história da falência da Lehman algo muito pessoal”, diz White. Ele admite que alguns de seus ex-colegas odeiam Fuld e não entendem porque White ainda fala com ele.
Fuld foi muito criticado por ex-funcionários da Lehman e em investigações oficiais por ter permitido que a empresa se afogasse em dívidas.
Quando ela quebrou, para cada dólar que a Lehman tinha em capital, ela estava tomando US$ 30 emprestados. Alguns relatórios falam em uma taxa maior, de 40 para 1.
Isso deixou a empresa sem um colchão para absorver perdas quando o mercado começou a cair.
A miríade de investigações sobre as causas da crise revela que sob a administração de Fuld os executivos da Lehman brincaram com a contabilidade da empresa para fazer com que esse índice de endividamento tivesse uma aparência melhor do que tinha e usaram, para isso, o que alguns funcionários da Lehman chamavam de “artifício contábil” conhecido como Repo 105, de acordo com o relatório oficial da falência escrito por Anton Valukas, da empresa de advocacia Jenner & Block.
A tática permitia que a empresa chamasse um empréstimo de curto prazo de venda de bens e depois usasse o dinheiro dessa venda falsa para reduzir a dívida. Fazendo isso, a Lehman dava a impressão de que tinha menos dívida e mais dinheiro em caixa.
A Lehman usou a transação Repo 105 para reduzir em até US$ 50 bilhões o volume de dívida nos livros contábeis imediatamente antes de anunciar o resultado financeiro do trimestre, dando aos investidores a falsa impressão de que o banco estava financeiramente saudável.
Em documentos apresentados em uma ação movida por um investidor, Fuld e outros executivos da Lehman disseram que os investidores eram informados que o nível de endividamento da Lehman era frequentemente mais leve que o que se via no fim de cada trimestre.
A Lehman revelou especificamente que seu balanço  “flutuaria de tempos em tempos e poderia ser, em alguns momentos, maior do que o balanço que  apresentava no fim do trimestre ou do ano”, diz o documento.
Em depoimento diante da Comissão de Inquérito sobre a Crise Financeira, Fuld culpou a falência da Lehman na decisão do governo de negar ajuda financeira.
“A Lehman foi forçada a quebrar não porque se negou a agir responsavelmente ou buscar soluções para a crise, mas por causa da decisão, baseada em informações errôneas, de não fornecer à Lehman o mesmo apoio dado aos seus competidores”, ele declarou.
“Existe evidência suficiente… de que Fuld foi no mínimo grosseiramente negligente”, escreveu Valukas no seu relatório.
Negligência não é necessariamente um crime, portando Fuld não enfrentou qualquer punição pelo estrago provocado pelo colapso de sua empresa, a não ser talvez ter sido banido à irrelevância.
No ano passado, um juiz federal aprovou um acordo de US$ 90 milhões em uma ação coletiva movida por investidores da Lehman contra Fuld e outros executivos e diretores da empresa.
O juiz Lewis Kaplan questionou se o acordo, que será pago integralmente pelos seguradores da Lehman, era justo já que nenhum dos indivíduos tiraria dinheiro do bolso. Ele concordou com o acordo, porém porque o custo de um processo provavelmente esgotaria o fundo disponível para compensar os investidores.
Na calada, Fuld abriu seu escritório de consultoria, chamada Matrix Advisors, em um edifício da Terceira Avenida, em Manhattan, em frente à sede da Avon, a empresa de cosméticos.
Ele já conseguiu alguns clientes, segundo algumas reportagens, documentos apresentados na SEC e documentos da Justiça. A Matrix serviu como consultora da AT&T em sua mal sucedida tentativa de comprar a T-Mobile. E deu consultoria à GlyEco, uma empresa que recicla o produto químico glicol, além da Ecologic Transportation Corp, uma companhia de aluguel de carros ecológicos.
Fuld foi visto recentemente no Doubles, um clube-restaurante privê, no hotel Sherry-Netherland, em Manhattan, de acordo com um ex-funcionário da Lehman.
Ainda assim, muitas empresas preferem não associar o próprio nome ao de Fuld, por isso não tem sido fácil conseguir clientes, segundo pessoas que conhecem o negócio.
Através de seu advogado, Fuld declinou vários pedidos de entrevista para essa reportagem. Ele não estava no escritório quando um repórter fez uma visita em julho. Seu assistente, através de um segurança, se recusou a dizer onde ele estava.
Mesmo que os negócios andem devagar, talvez Fuld não se importe. Ao contrário de muitos de seus ex-funcionários, e ao contrário de milhões de pessoas ainda desempregadas depois do colapso financeiro de 2008, Fuld tem dinheiro.
Quando a Lehman Brothers pediu falência no dia 15 de setembro, existia uma sensação de que Fuld teria administrado a Lehman mal até a morte e ao menos ele teria perdido um monte de dinheiro, já que o valor das ações de sua empresa caiu para zero.
E ele perdeu um bocado.
As 10,8 milhões de ações da empresa que Fuld tinha um dia valeram mais de US$ 900 milhões; de acordo com estudo do professor da Universidade Harvard, Lucian Bebchuk, perderam todo o valor.
Porém, ele não estava exatamente caminhando para a pobreza. De 2000 até 2007, Fuld levou para casa cerca de US$ 529 milhões por seu trabalho na Lehman. Isso inclui salário e bônus em dinheiro, além de ações da Lehman que lhe foram dadas pela empresa e vendidas antes da quebra de setembro de 2008.
Esse total vem de uma análise de Oliver Budde, ex-conselheiro geral da Lehman, que deixou a empresa em 2006 porque, como diz, a Lehman estava escondendo dos acionistas a remuneração que dava a seus executivos.
Essa renda permitiu a Fuld comprar imóveis caríssimos.
Em Greenwich, ele tem uma mansão de nove quartos, com uma casa de hóspedes, avaliada em US$ 8 milhões. Ele e sua esposa, Kathleen, compraram a casa em 2004 depois que venderam a residência anterior de Greenwich a Robert Steel, um executivo da Goldman Sachs que se tornou subsecretário do Tesouro em 2006, na gestão de Henry Paulson.
Steel depois se tornou CEO do Wachovia, que quase faliu 11 dias depois da Lehman e foi vendido para o Wells Fargo sob recomendação de reguladores federais.
Quando quer sair de Greenwich, Fuld pode ir rumo ao sul, para Jupiter Island, na Flórida, uma elegante ilha que é residência de Tiger Woods e Greg Norman. Ele transferiu a casa de frente para o mar, avaliada em US$ 10,6 milhões, com piscina e quadra de tênis, para o nome da mulher, em novembro de 2008, uma estratégia comum para proteger bens de processos na Justiça.
Ele também passa muito tempo no seu rancho de mais de 40 acres em Ketchum, Idaho, no centro da área de resort de Sun Valley. O local oferece “a última palavra em privacidade”, de acordo com Daryl Fauth, CEO do Blaine County Title, em Ketchum.
Fuld também conseguiu ganhar muito dinheiro administrando imóveis no auge do colapso. O apartamento que ele e a mulher compraram na Park Avenue, em 2007, por US$ 21 milhões, foi vendido em 2009 com um lucro líquido de US$ 4,8 milhões.
O que ele não fez foi uma declaração pública, um gesto ou um esforço óbvio para reabilitar sua imagem. Ele não fez nenhuma doação pública a uma das grandes instituições de caridade.
Fuld parece ter torrado a fundação da família depois da falência da Lehman, distribuindo os US$ 10.948,00 restantes em 2009, de acordo com a declaração do imposto de renda. No último verão, Fuld processou o ex-genro para reaver um dinheiro que emprestara para o rapaz comprar uma casa com a filha de Fuld.
Fuld esperava receber dinheiro e ações daqueles que aconselhava, de acordo com uma pessoa que tem conhecimento a respeito da empresa. Esse é o tipo de acordo que ele fechou com a Ecologic, que pagou a ele US$ 10.000,00 por mês e lhe deu 2,29 milhões de opções de compra de ações da empresa no valor de 25 centavos cada.
Jimmy Cayne, ex-CEO da Bear Stearns
Cayne, que mora em um apartamento de US$ 25 milhões no Hotel Plaza, em Nova York, pode ser visto, quase todos os dias, no espaço cibernético organizando jogos de bridge online.
No mês passado, no hotel Hyatt Regency, em Atlanta, Cayne passou horas sentado em um salão de festas lotado, com um carpete laranja, marrom e amarelo, competindo no disputado Spingold Cup.
Com uma camisa bem engomada, Cayne se sentou com seu time – dois italianos e dois israelenses – mastigando um cigarro e falando baixinho em uma das dezenas de mesas de armar. Ele provavelmente paga a cada um de seus jogadores mais de US$ 100.000,00 por ano para o ajudarem a ficar entre os melhores do ranking mundial, de acordo com duas pessoas que já disputaram torneios com ele.
Ele é ranqueado em vigésimo segundo lugar no mundo, de acordo com a Liga de Bridge Americana. No mês passado ele perdeu no 16º round no jogo eliminatório do Spingold.
O fato de ele ter preferido bridge no lugar das finanças é revelador, já que Cayne foi muito criticado por passar mais tempo jogando golfe e bridge do que lidando com a crise que estava esmagando sua empresa.
Enquanto estava na Bear, Cayne saía cedo toda quinta-feira, pegava um helicóptero para sua casa de praia em Nova Jersey para um longo fim de semana de golfe no Clube de Golfe Hollywood. Ele desembarcava do helicóptero de óculos escuros, mordendo o charuto, sua marca registrada, de acordo com pessoas que o viram lá.
Cayne sobreviveu à falência de dois fundos hedge da Bear Stearns no verão anterior mas sucumbiu ao inevitável quando, no quarto trimestre de 2007, a empresa teve que descontar US$ 1,9 bilhão em apostas ruins em dívidas imobiliárias, o que resultou no primeiro trimestre de prejuízo da história da empresa.
Ele se aposentou do cargo de CEO em janeiro de 2008, dois meses antes do colapso da empresa sob o peso de seus investimentos em subprimes imobiliários, mas permaneceu como presidente do conselho. Quando o mercado começou a duvidar que os títulos de dívida imobiliária, nos livros da Bear, valiam o que a empresa dizia que valiam, as empresas retiraram seus negócios, rapidamente e em massa.
A Bear Stearns foi vendida no dia 16 de março de 2008, em um negócio fechado à noite, para o JPMorgan Chase & Co., que eventualmente pagou US$ 1,2 bilhão, mais ou menos o que teria custado comprar o prédio da sede da empresa na Avenida Madison.
O grau de endividamento da empresa era de 38 para 1 ou mais, de acordo com Phil Angelides, presidente da Comissão de Inquérito da Crise Financeira. Cayne admitiu, em depoimento diante da comissão, que esse endividamento era muito alto.
“O negócio era assim”, disse ele. “Essa realmente era a prática na indústria”.
Ele disse a Angelides que acreditava tanto na Bear que quase nunca vendeu suas ações. “Eu raramente vendi minhas ações da empresa, a não ser quando precisei pagar impostos”, testemunhou no dia 5 de maio de 2010.
Assim como Fuld, Cayne perdeu US$ 900 milhões nos papéis quando a ação despencou, mas ele levou para casa o suficiente, antes da quebra.
Ele ganhou US$ 87,5 milhões em dinheiro, em bônus, entre 2000 e 2007 e ganhou, com a venda de ações, US$ 289,1 milhões neste período, de acordo com o estudo de Bebchuk.
Além do condomínio no Hotel Plaza, ele e a mulher têm um segundo apartamento, na Avenida Park. Eles puseram esse imóvel no mercado, no mês passado, por US$ 14,95 milhões.
Quando eles querem sair da cidade, podem ir para a mansão de US$ 8,2 milhões na costa de Nova Jersey, a cerca de dois quilômetros do Clube de Golfe Hollywood, ou para o condomínio de US$ 2,7 milhões em Boca Raton, na Flórida.
Cayne, como muitos de seus colegas CEOs, aparentemente trabalhou para proteger seus bens de possíveis dívidas.
Em novembro e dezembro de 2009 ele transferiu quarto imóveis para quatro empresas separadas chamadas Legion Holdings I, II, III e IV, por um total de US$ 21,00. Algumas das LLCs tem o mesmo endereço de correspondência do Hotel Plaza listado na declaração do imposto de renda.
“Eu assumo responsabilidade pelo que aconteceu. Não vou me eximir da responsabilidade”, disse Cayne à Comissão.
Porém, ele não precisou assumir nada do fracasso da Bear. Ele não pagou acordos ou indenizações de processos, segundo seu advogado, David Frankel.
Chuck Prince está ajudando os amigos
Enquanto Fuld afundou com seu navio e Cayne ficou até bem perto do fim, dois de seus confrades CEOs foram expulsos mais cedo – quando o colapso das subprimes começou a atrapalhar os lucros – e viram de longe suas empresas cambalearem.
Charles O. Prince III pediu demissão do cargo de CEO do Citigroup no da 5 de novembro de 2007, quando a empresa anunciou que havia perdido entre US$ 8 e US$ 11 bilhões em apostas nas dívidas imobiliárias.
“Considerando o volume de perdas no nosso negócio de títulos lastreados em dívida imobiliárias, o único caminho honroso para mim como CEO é sair”, disse em uma declaração por escrito. Prince se afastou com um paraquedas dourado estimado em US$ 33,6 milhões.
De 2000 até entregar o cargo, Prince levou para casa US$ 65,2 milhões em dinheiro que ganhou em salários e bônus, de acordo com a análise do Centro. Não existem relatórios da SEC que mostrem que ele vendeu ações entre 2000 e 2008.
Não fica claro se ele vendeu ações desde que pediu demissão. As ações do Citigroup valiam mas de US$ 300,00 na semana em que Prince deixou a empresa e hoje estão em torno de US$ 50,00 depois de uma operação de partilha de 1 para 10.
A queda aconteceu apenas alguns meses depois de sua famosa explicação para o envolvimento contínuo do Citi com as subprimes:
“Quando a música parar, em matéria de liquidez, as coisas vão se complicar. Mas enquanto a música estiver tocando, nós temos que nos levantar e dançar. Nós ainda estamos dançando”, disse ele ao Financial Times em julho de 2007.
Prince foi substituído por Vikram Pandit, um ex administrador de um fundo hedge comprador pelo Citi poucos meses antes por US$ 800 milhões.
Enquanto Pandit tentava endireitar o barco que adernava, a empresa continuou fornecendo um escritório ao Prince, um assistente administrativo e um carro com motorista durante cinco anos, um pacote avaliado em US$ 1,5 milhão por ano, de acordo com documentos da SEC.
Até o fim de 2008, o Citi recebeu do Tesouro Americano um socorro financeiro no valor de US$ 45 bilhões e o Federal Reserve garantiu centenas de milhões de dólares das dívidas do banco.
Prince pediu desculpas pelo desastre que a crise financeira causou durante depoimento à Comissão, em 2010. “Eu sinto muito que a crise financeira tenha tido um impacto devastador para o nosso país”, testemunhou.
“Sinto muito pelas milhões de pessoas, norte-americanos comuns, que perderam suas casas. Sinto muito que nossa equipe administrativa, começando por mim, como tantos outros, não pode ver o colapso sem precedentes que estava diante de nós”.
Depois do Citigroup, Prince foi para a empresa de consultoria global Stonebridge International, fundada por Sandy Berger, que foi do Conselho de Segurança Nacional. Em 2009, a empresa se fundiu com o Albright Group, fundado pela ex-secretária de EstadosMadeleine Albright para formar a Albright Stonebridge Group.
Prince descreveu a mudança para a Albright Stonebridge como uma forma de “ajudar meus amigos em suas atividades”, em uma entrevista em 2009. Quando foi pressionado a dizer no que, exatamente, consistia seu trabalho ele disse: “Sou apenas um amigo”.
Ele não aparece mais na lista de executivos no website da empresa e uma porta-voz da companhia não respondeu e-mails nem telefonemas a respeito de seu novo status.
Ele é membro do conselho diretor da Xerox Corp. e da Johnson & Johnson Inc. A Harry Walker Agency o representa para o agendamento de palestras remuneradas sobre temos como “Governança de Corporações: Plano de Cinco Pontos sobre as Melhores Práticas nos Negócios”, e “Por Dentro da Crise Financeira Corrente”.
No ano passado Prince, junto com o Citigroup e vários membros do conselho da empresa antes de 2008, fecharam acordo para pagar US$ 590 milhões em uma ação coletiva na qual foram acusados de enganar os investidores a respeito do volume de títulos relacionados às subprimes que a empresa tinha declarado em seus livros contábeis. No acordo, Prince e os demais réus não admitiram qualquer delito.
Não se sabe com que frequência Prince ia ao escritório reservado para ele no Citi, mas é bem claro que Prince tinha outros lugares onde passar seu tempo.
Ele tem um refugio de US$ 3,6 milhões em Nantucket e uma casa de US$ 2,7 milhões em uma comunidade de golfe de Jack Nicklaus em North Palm Beach, na Flórida, chamada Lost Tree Village.
Stan O’Neal vai para Vineyard
A saída de Prince do Citigroup foi precedida, em alguns dias, pela partida de Stanley O’Neal da Merrill Lynch.
O’Neal havia tomado a Merrill quando ela era basicamente uma corretora de varejo e a transformou em uma grande fabricante de obrigações de dívida com colateral, um tipo de título lastreado em dívidas imobiliárias.
Em 2006, ela era a maior corretora de CDOs de Wall Street e um ano depois a empresa tinha US$ 55 bilhões em empréstimos de subprime nos seus livros contábeis que ninguém queria comprar.
Enquanto as perdas se acumulavam, O’Neal apresentou propostas, primeiro ao Bank of America, depois ao Wachovia, para que comprassem a Merrill Lynch – sem a aprovação do conselho, de acordo com uma entrevista de 2010 que O’Neal deu à revista Fortune.
Quando a Merrill anunciou, em outubro de 2007, que estava dando baixa em US$ 8 bilhões de seus títulos garantidos pelas dívidas imobiliárias, e veio à tona a informação de que O’Neal estava pensando em vender a empresa, foi o fim. Ele estava demitido.
O’Neal flutuou para fora da Merrill confortavelmente, amparado por um paraquedas dourado de US$ 161,5 milhões. Nos oito anos que antecederam sua saída, O’Neal ganhou US$ 68,4 milhões, em dinheiro, em salário e bônus e vendeu ações da Merrill com um lucro de ao menos US$ 18,7 milhões, segundo análise de balanços anuais e documentos da SEC feita pelo Centro.
Ele foi substituído por John Thain, um ex-CEO da Bolsa de Nova York, que convenceu o Bank of America a compra a Merrill Lynch por US$ 50 bilhões justamente quando a Lehman estava implodindo e arrastando com ela quase todo o sistema financeiro.
(O próprio Thain foi eventualmente demitido depois que se tornou público o fato dele ter gastado mais de US$ 1 milhão para redecorar seu escritório na Merrill – incluindo US$ 877000,00 por um par de cadeiras – enquanto a empresa estava diante da falência).
Já O’Neal está com tudo. Além dos US$ 161,5 milhões, ele e a mulher têm um apartamento na Avenida Park. O âncora da NBC, Tom Brokaw, vendeu seu apartamento no mesmo edifício por US$ 19,75 milhões em 2011.
O’Neal transferiu o imóvel para sua mulher em novembro de 2008, uma estratégia comum para proteger a casa de qualquer ação legal.
O casal também é dono de uma casa de US$ 12,4 milhões em Martha’s Vineyard através de uma LLC chamada KZ Vineyard Land.
Hoje ele é membro do conselho da Alcoa Inc,. a maior produtora de alumínio do mundo e faz parte do comitê de auditoria e governança corporativa.
Ken Lewis se muda para a Flórida
Kenneth Lewis sobreviveu ao derramamento de sangue de setembro de 2008 e para alguns ainda se saiu como herói quando arrumou a rápida compra da Merrill Lynch pelo Bank of America – o ex-empregador de O’Neal – por US$ 50 bilhões no mesmo fim de semana em que a Lehman quebrou, possivelmente evitando o mesmo destino da Lehman.
Logo ficou claro que a Merrill não era uma pechincha. Isso, somado ao péssimo conselho de Lewis para a compra da Countrywide Financial, a gigante das subprimes, justamente quando o mercado imobiliário despencava, levou o Bank of America a uma hemorragia de dinheiro vivo.
Eventualmente, a empresa recebeu US$ 54 bilhões em socorro financeiro do governo para estancar a hemorragia.
Lewis sabia das perdas excessivas da Merrill antes dos acionistas aprovarem o negócio final, de acordo com o depoimento que deu em 2009 ao então procurador-geral de Nova York, Andrew Cuomo. Ele disse que manteve as perdas escondidas sob pressão do secretário do Tesouro, Henry Paulson, que temia que se a compra não se efetivasse prejudicaria um mercado já abalado — e também toda a economia.
No mês passado, o Departamento de Justiça acusou o Bank of America, em uma ação civil, de saber sobre os riscos de que os empréstimos, incluindo US$ 850 milhões em títulos garantidos por dívidas imobiliárias, se tornassem inadimplentes.
O Departamento de Justiça disse que a empresa estava tão ávida por empréstimos para transformar em títulos que ela baixou seu controle de qualidade e não verificou adequadamente a renda dos tomadores ou sua habilidade de pagar o empréstimo. A ação não citou Lewis como réu.
A empresa já fechou um acordo com a SEC no processo de fraude, no qual pagou US$ 150 milhões, e outro na ação movida por investidores de fundos de pensão, no valor de US$ 62,5 milhões.
Lewis se aposentou em setembro de 2009 com um pacote de partida no valor de US$ 38 milhões, apesar de a empresa estar, naquele momento, dependendo do governo federal para sobrevier.
Ele já  tinha no banco pelo menos US$ 86,4 milhões, que ganhou com a venda de ações do Bank of America entre 2000 e 2008, de acordo com registros da SEC. Ele também recebeu US$ 52 milhões em salários e bônus no período.
Ele e a mulher Donna venderam a casa de Charlotte, na Carolina do Norte, em janeiro, por US$ 3,15 milhões e a mansão na encosta de Aspen por US$ 13,5 milhões, US$ 3,35 milhões a menos do que pagaram por ela em 2006.
Agora, aparentemente, eles têm apenas uma casa, um condomínio de US$ 4,1 milhões em um espigão na praia de Naples, na Flórida.
Os vencedores
Enquanto Lewis e vários outros CEOs que lideraram suas empresas a caminho do matagal dos títulos garantidos por dívidas imobiliárias acabaram ricos mas desempregados, dois viram suas fortunas crescerem.
Jamie Dimon e Lloyd Blankfein, líderes do JPMorgan Chase & Co. e da Goldman Sachs Group Inc., hoje estão no topo do sistema financeiro global, seus bancos ainda maiores e mais poderosos do que nunca e suas fortunas pessoais engordando.
Blankfein atraiu muito desprezo e inveja antes da crise, quando a Goldman lhe deu um bônus de US$ 68 milhões em 2007, momento em que a economia ia mal. Ele então se tornou alvo da ira popular que se seguiu ao colapso da economia, quando declarou que a Goldman estava fazendo “o trabalho de Deus” emprestando dinheiro a empresários.
Sua reputação despencou para os patamares mais baixos em 2010, depois de revelado que a Goldman Sachs empacotou e vendeu títulos de dívidas imobiliárias que aparentavam ter sido desenhadas para fracassar, depois apostou contra os títulos, ganhando muito dinheiro para a empresa enquanto os clientes perdiam.
A empresa foi processada pela SEC por conta de um desses negócios, chamado Abacus, e a Goldman fez um acordo para pagar US$ 550 milhões, sem admitir culpa.
Enquanto Blankfein era o vilão, Dimon era tratado como o estadista rock-star.
Ele era bem vindo na Casa Branca e alardeado como o único banqueiro que não precisou de socorro financeiro – apesar de ter aceitado um, diz-se, sobre recomendação de Paulson.
Obama o elogiou em fevereiro de 2009, poucas semanas depois de ocupar o Salão Oval.
“Existem muitos bancos bem administrado, o JPMorgan é um bom exemplo”, disse Obama. “Jamie Dimon, este CEO, acho que não deve ser punido por ter feito um bom trabalho administrando um portfolio enorme”.
A popularidade de Dimon na Casa Branca começou a desaparecer porque ele era um oponente ferrenho das reformas financeiras que estavam sendo defendidas em resposta à crise. Então, em 2012, o JPMorgan anunciou que tinha perdido bilhões em apostas ruins de um vendedor de derivativos trapaceiro de Londres.
Dimon foi investigado por minimizer o problema diante dos investidores – ele chamou o problema de “uma tempestade em um bule de chá”.
A empresa foi processada pela SEC e Dimon teve que depor diante do Congresso. Na primavera passada, ele quase não sobreviveu ao voto dos acionistas que queriam separar seus dois papéis, de presidente do conselho e de executivo chefe (CEO).
No mês passado a empresa disse que estava sob investigação civil e criminal do Departamento de Justiça por conta dos títulos de subprime garantidos por dívidas imobiliárias.
Quando atingiu o nadir de seus problemas, Dimon teria buscado o conselho de Blankfein sobre como sobreviver à tempestade sem perder sua reputação e a reputação de sua empresa.
No começo do verão, Blankfein se manteve firme diante de uma sala cheia de jornalistas e lobistas no Hotel Mayflower, em Washington, como um velho estadista, quando lhe perguntaram sobre tudo, da reforma da imigração a seu emprego de vendedor de cachorr- quente no Yankee Stadium.
A revista BusinessWeek escreveu um artigo sobre o impacto de sua barba na moda.
Através dos altos e baixos, nenhum dos dois CEOs sofreu financeiramente.
Blankfein recebeu US$ 21 milhões no ano passado e foi o CEO mais bem pago entre as 20 maiores empresas financeiras, de acordo com a Bloomberg. Dimon ganhou cerca de metade, US$ 11,5 milhões, como resultado da perda com os derivativos que se tornou conhecida como “a Baleia de Londres”. Blankfein tem cerca de US$ 256 milhões em ações da Goldman, de acordo com a revista Forbes.
Dimon comprou um apartamento na avenida Park, em 2004, por US$ 4,9 milhões e comprou uma segunda unidade no mesmo edifício, este ano, por US$ 2 milhões. Ele também tem uma propriedade de US$ 17 milhões em Mt. Kiski, Nova York. A penthouse de Blankfein no Central Park West é avaliada em US$ 26,5 milhões, de acordo com os arquivos mobiliários de Nova York.
No fim do ano passado, ele sua mulher também compraram uma propriedade de 7,5 acres nos Hamptons, com piscina e quadra de tênis, por US$ 32,5 milhões. A Forbes estima que o Dimon tenha US$ 223 milhões em ações do JPMorgan.
Enquanto Dimon e Blankfein se mantiveram no poder, os bancos que dirigem, e os outros mega bancos dos Estados Unidos, cresceram e se tornaram mais poderosos.
Os bens do JPMorgan – uma forma comum de medir o tamanho de  um banco – aumentaram de US$ 1,78 trilhão, pouco antes da falência da Lehman em 2008, para US$ 2,44 trilhões.
Os bens do Bank of America inflaram de US$ 1,72 trilhão para US$ 2,13 trilhões enquanto os do Wells Fargo mais do que dobraram, passando de US$ 609 milhões, há cinco anos, para US$ 1,44 trilhão.
A Goldman Sachs, que não estava na lista dos 50 maiores bancos em 2008 porque era exclusivamente um banco de investimentos na época, agora é o quinto maior banco do país, com um total de bens de US$ 939 bilhões.
O Citigroup, com problemas financeiros, é o único dos cinco maiores bancos cujo balanço encolheu nos últimos cinco anos.
O total de bens não mede adequadamente o tamanho total dessas instituições porque a medida não leva em conta contratos de derivativos ou itens mantidos fora do balanço e que ainda podem colocar o banco em risco. Se esses bens fossem incluídos, o tamanho do JPMorgan subiria para US$ 3,95 trilhões, de acordo com o documento preparado pelo vice-presidente do FDIC, Thomas Hoenig.
 ‘Bandidos por toda parte’
Desde aquele mês épico em 2008, que começou com a falência da Lehman na manhã de segunda-feira do dia 15 de setembro, e terminou com o socorro financeiro de US$ 80 bilhões para a seguradora gigantes American International Group e as vendas da Merrill Lynch para o Bank of America, Wachovia para Wells Fargo e Washington Mutual para JPMorgan, milhares de horas e milhões de páginas foram escritas tentando explicar o que aconteceu.
A mais ampla tentativa, o Relatório do Inquérito da Crise Financeira, disse que o colapso financeiro era evitável.
“Os capitães das finanças e os administradores públicos do nosso sistema financeiro ignoraram os sinais e não foram capazes de perguntar, entender e administrar riscos crescentes de um sistema essencial para o bem estar do público americano. O erro deles foi enorme, não foi um tropeço”, disse o relatório.
Que esses “capitães das finanças” tenham sofrido poucas consequências pelo grande erro é agora parte do legado da crise, e lança uma sombra sobre o sistema judicial dos Estados Unidos, que processa pequenas ofensas, mas parece virar o rosto para o que muitos veem como crimes dos ricos.
“Essa é a maior fraude de colarinho branco e a fraude mais destrutiva do colarinho banco na história e nos encontramos incapazes de processar qualquer banqueiro da elite”, disse Bill Black, economista e professor da Universidade de Missouri e autor do The Best Way to Rob a Bank is to Own One. “Isso é ultrajante”.
O ministro da Justiça, Eric Holder, aparentemente confirmou essa visão no começo do ano quando disse que está hesitando em processar criminalmente os grandes bancos porque teme o estrago que uma ação pode causar à economia.
“Quando nós somos atingidos por indicadores de que se você processar, se apresentar queixa criminal, haverá um impacto negativo na economia da nação, talvez até da economia mundial… isso é função do fato de que algumas dessas instituições se tornaram grandes demais”, disse ele durante depoimento ao Comitê Jurídico do Senado, em março.
Desde então, o Departamento de Justiça retirou essas declarações e assegurou aos congressitas e ao público que investigaram agressivamente e perseguiram todo ato criminoso relacionado à crise financeira.
O obstáculo, dizem autoridades, é que para provar que houve crime é preciso provar a intenção. Isso significa que se o governo quiser apresentar queixa contra qualquer um dos CEOs das empresas que levaram a nação ao desastre financeiro, os promotores terão que provar para o juri, acima de qualquer suspeita, que esses indivíduos tiveram a intenção de cometer fraude.
“Eles tendem a trabalhar em um universo muito mais preto ou branco”, disse Jordan Thomas, um ex-advogado da SEC que trabalhou com a justiça em vários casos de fraude financeira. Provar má conduta criminosa é um obstáculo tão grande que o governo tem se apoiado primordialmente em ações civis, onde o peso da prova é menor. Isso não significa, disse Thomas, que ninguém fez nada errado.
“A crise financeira tem bandidos por toda parte”, disse ele.
Bem Wieder contribuiu.
[Tradução de Heloisa Villela]

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