terça-feira, 17 de setembro de 2013

Infelizmente, os embargos infringentes cabem sim!


Infelizmente, os embargos infringentes cabem sim!


Fernando Orotavo Neto
Não venho aqui fazer a defesa dos acusados do mensalão nem de seus operadores políticos, financeiros ou institucionais. Repudia-me, bem como a todo o povo brasileiro, o atentado à democracia, descortinado pelo STF, todo ele fundado em trabalho hercúleo, sólidas provas e determinantes argumentos de natureza jurídica.
Preocupa-me, entretanto, o confronto que hoje se estabelece nos meios de comunicação entre a busca pela celeridade do processo, também princípio constitucional (razoável duração e eficiência), e as garantias constitucionais do devido processo legal (especialmente em seu aspecto processual ou procedimental: procedural due process of law), do duplo grau de jurisdição, da ampla defesa (com os recursos inerentes) e da dignidade da pessoa humana.
Queiramos ou não, o processo é uma relação jurídica de natureza técnica; e é a observância às regras processuais que valida e legitima a decisão final, sob pena de descambarmos diretamente da justiça (virtude) para o justiçamento (patologia).
A questão central que me pus a analisar, então, com olhos mais de humanista do que de advogado, é se são cabíveis os embargos infringentes, porque, se são, não cabe, a meu ver, invocar a celeridade do processo para obstaculizar um direito da parte, o que constituiria tenebroso e teratológico precedente judicial, pronto a contaminar a esmo julgamentos outros e diversos.
CONSTITUIÇÃO AUTORIZOU
Veja-se, nesse contexto, que a Constituição da República de 1967 autorizou o Supremo Tribunal Federal a estabelecer o processo e o julgamento dos feitos (causas) de sua competência originária ou (conjunção aditiva, sentido de “e”) de recursos (afeitos à sua competência, como é óbvio):
Art. 115 – O Supremo Tribunal Federal funcionará em Plenário ou dividido em Turmas.
        Parágrafo único - O Regimento Interno estabelecerá:
        a) a competência do plenário além dos casos previstos no art. 114, n.º I, letras a, b , e, d, i, j e l , que lhe são privativos;
        b) a composição e a competência das Turmas;
        c) o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou de recurso;
        d) a competência de seu Presidente para conceder exequatur a cartas rogatórias de Tribunais estrangeiros.
Parece-me claro, assim, que ao instituir o recurso de embargos infringentes em seu Regimento Interno, publicado no Diário Oficial da União em 27 de outubro de 1980, o STF agiu mediante expressa autorização constitucional (rectius, do legislador constituinte de 1967). Fê-lo, porque a Constituição determinou que podia fazê-lo, passando o regimento interno a possuir status de norma constitucional regulamentar, configurando ato jurídico perfeito (e acabado).
AGORA, QUATRO VOTOS
O Regimento Interno, que alhures (1980) tinha como requisito apenas 3 votos divergentes, hoje exige 4 votos divergentes, e possui a seguinte redação:
Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma:
I – que julgar procedente a ação penal;
Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.
Não me parece ser questão saber-se se a Lei nº 8.038/90 prevê os embargos infringentes ou não. O Regimento Interno do STF prevê, quando o Plenário julgar procedente ação penal, sem distinguir se originária ou não, bastando para isso que haja 4 votos divergentes, como de fato há. Oriundo que é, o Regimento Interno, de norma constitucional, para afastar seu cabimento não basta a inexistência de previsão na Lei nº 8.038/90, mas de outra norma, de igual natureza, que revogue o cabimento previsto na anterior.
CELERIDADE
Cabíveis os embargos infringentes, passo a analisar a celeridade em detrimento dos demais princípios constitucionais. E entendo que para harmonizar todos os princípios (já que no sistema constitucional uma norma não deve pesar mais do que a outra, já que se encontram, todas, no mesmo patamar), o processo deve ser o mais célere possível, observando-se os direitos e garantias dos acusados e litigantes. Trocando em miúdos, ser o mais célere possível significar ser célere desde que assegurados, respeitados e observados os direitos fundamentais do cidadão previstos na Constituição da República.
Impensável seria que qualquer um de nós, cidadãos, não pudéssemos recorrer de uma sentença desfavorável, somente porque o processo tramitou por muito tempo. Imaginem só: a apelação é o recurso cabível contra a sentença, mas o Sr. não pode apelar porque o processo já dura 9 anos. Inconcebível!
Como já disse num livro de minha autoria, afora a existência dos erros judiciais, irresignar-se é da natureza do ser humano, e daí a necessidade do recurso.
O fato de a decisão condenatória ser do plenário do STF, também não me convence da impossibilidade de interposição do recurso previsto no Regimento Interno. O Supremo dará a última decisão, mas julgando o recurso de embargos infringentes, manifestamente cabível. Deste modo, a decisão que sobrevier será legítima e justa, pois será prolatada em estrita observância ao devido processo legal, à ampla defesa, ao duplo grau de jurisdição e à dignidade da pessoa humana, princípios constitucionais que não podem ser conspurcados pela premência do tempo. Ora bolas, que se tivesse pensado nisso antes!
“Ser supremo”, que eu conheça, é Deus! E não adianta chorar pelo leite derramado (ou melhor: o tempo jurisdicional dispendido), pois os acusados ainda terão direito ao pedido de revisão, igualmente previsto na norma regimental, o que fará com que o Plenário do STF se debruce novamente sobre as questões do julgamento do mensalão. O que muito obviamente afasta o argumento de que o Supremo é o Supremo e, portanto, basta a ele julgar uma só vez. Não, não basta!
POLÍTICO E PARCIAL
Se se abdicar das garantias constitucionais apenas em função do tempo e de satisfação que se pretenda dar à sociedade, o processo judicial, aí sim, se tornará político e parcial, ao invés de técnico e justo. E o Judiciário não pode nem deve se apequenar, homenageando a fórmula rueira segundo a qual “os fins justificam os meios”.
A credibilidade do Judiciário consiste em fazer com que todos respeitem a Constituição, a começar por ele próprio. Ao condenar respeitando e observado as garantias fundamentais do cidadão, o Judiciário se mostra forte; ainda que a Justiça não se faça no tempo desejado pela sociedade. Ao contrário, condenando rápido, sem observar essas garantias, o Judiciário se mostrará fraco, deixando antever que está sujeito aos humores sociais, não raramente voláteis, o que só contribuirá para aumentar seu descrédito perante os jurisdicionados, embora, num primeiro momento, o aumente. Isto, sem falar que criará mártires políticos, espécimens de que o Brasil não mais precisa.
Infelizmente, os embargos infringentes são cabíveis sim! Tanto quanto é cabível ao Judiciário, julgando-os, manter as condenações. Que assim o faça e, então, terá cumprido seu papel, com a dignidade que dele se espera. Os homens ignorantes querem sangue (justiça do mais forte), desde que não seja o seu. Já o Homem sábio quer Justiça, e não justiçamento, porque ele sabe que “a injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos” (Montesquieu).
 Fernando Orotavo Neto é advogado, professor universitário e jurista. 

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