O
Revalida, ou Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médico, foi
adotado em 2011 como uma solução para uniformizar o procedimento de
validação do diploma de médico obtido em faculdades do Exterior, por
brasileiros ou estrangeiros. Antes, esse exame era realizado de forma
independente por algumas universidades, como a USP, pelo qual a obstetra
brasileira Anita Hinggs tentou passar, sem sucesso. "É uma prova para
não aprovar ninguém", diz ela, que hoje faz um trabalho médico social em
Moçambique, a serviço de uma organização internacional. Seu depoimento:
"Por
ter pai brasileiro e mãe inglesa, nasci e morei no Brasil, mas resolvi
fazer faculdade de medicina na Inglaterra, na University of Nottingham.
Depois dos cinco anos de graduação, pensei em voltar para o Brasil, por
querer trabalhar com medicina social. Comecei a pesquisar as
possibilidades, mas, enquanto isso, fui cumprindo a trajetória exigida
para me especializar. Lá, é necessário uma longa especialização para
poder trabalhar onde você quiser e passei sete anos nesse processo até
conseguir o título máximo, o de "consultant", trabalhando no Hospital da
Universidade de Oxford. Também fiz mestrado em Saúde Pública.
Então
resolvi investir na minha mudança ao Brasil e na validação do meu
diploma. Nos dois exames que fiz na USP fui reprovada, ainda que por uma
pequena margem de pontos. No primeiro exame, em 2005, tive que
enfrentar uma burocracia enorme, fornecer documentos detalhados sobre o
meu curso, todos traduzidos. Demorou um ano para eu conseguir me
habilitar e, depois de ser aceita para fazer o exame, a USP não definia a
data e nem as matérias que seriam abordadas. Só fui informada da data
do exame um mês antes. Nessa época, eu estava trabalhando em Serra Leoa,
no Médicos sem Fronteira. Não foi nada simples eu me deslocar de lá
para São Paulo e ao mesmo tempo me preparar adequadamente para as provas
em prazo tão curto. Mesmo assim, tirei a maior nota entre todos os
outros cinco candidatos. Eram questões dificílimas, que só pude
responder porque tenho sete anos de especialização. Mas um recém-formado
não teria nenhuma condição de respondê-las. É uma prova para não
aprovar ninguém.
Mesmo
assim, quis tentar de novo. Sempre pensei em voltar ao Brasil. Minha
vocação, como médica, é atuar em comunidades carentes, dando um sentido
social à minha atividade. Foi por esse motivo que também fiz mestrado em
Saúde Pública na Inglaterra. Lá, eu não teria oportunidades para
trabalhar de acordo com meus objetivos. A USP relutou em me dar uma nova
oportunidade Depois de insistir muito por um ano, consegui ter uma nova
chance. Desta vez, procurei me preparar bem fazendo um estágio de dois
meses no Hospital das Clínicas, em São Paulo, e estudando muito. No dia
da prova, recebi a informação de que o exame havia mudado. Além do teste
de múltipla escolha, teria que fazer também um exame escrito — mas no
mesmo espaço de tempo. E a nota de aprovação tinha subido de 55% para
70%. De novo, tive a melhor nota entre todos os participantes, mas não o
suficiente para passar.
Depois
disso, não tive o menor interesse em tentar, em passar por tudo aquilo
de novo, sabendo que se trata de um exame para não ser aprovada. Acho
que há um protecionismo da classe médica brasileira que estimula um
sistema de saúde completamente distorcido, baseado num atendimento
público deficitário e, para quem pode pagar, na indústria dos planos de
saúde.
Então
fiz contato com uma organização suíça, a Solidarmed, e fui contratada
para trabalhar em Moçambique, numa pequena vila próxima à cidade de
Pemba, no norte do país. Era tudo o que eu queria. Em Moçambique, meu
diploma foi validado rapidamente, apenas com a comprovação da minha
formação e atividades médicas. Agora, faço um trabalho de extensão
social e médica com mães carentes de grande repercussão na comunidade
local e estou muito feliz por aqui."
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