domingo, 1 de dezembro de 2013

ENERGIA - Sociólogo analisa embates entre países e empresas por energia.

 
Uma estatal chinesa (Cnooc) quis comprar uma petroleira californiana (Unocal), que possuía reservas no Sudeste Asiático, no golfo do México e no mar Cáspio. O negócio, de US$ 18,5 bilhões, era objetivo também da norte-americana Chevron, que buscava compensar a exaustão gradativa de suas reservas.
A disputa foi parar no Congresso norte-americano. Parlamentares afirmaram que o controle da China sobre uma parcela (relativamente pequena) dos suprimentos norte-americanos ameaçava a segurança nacional dos EUA.
Embargos articulados pela Chevron foram providenciados no Congresso, e a pressão política surtiu efeito. A China (com a melhor oferta) saiu da disputa. A Chevron ficou com a Unocal em 2005.
O episódio, que mostra a realidade do chamado "livre mercado", é lembrado por Igor Fuser em "Energia e Relações Internacionais".
Doutor pela USP, sociólogo e jornalista, o autor é professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC. Didático, seu livro percorre as disputas geopolíticas e econômicas em torno de fontes de energia a partir do final do século 19.
Seu estudo passa por guerras, choques de preço e de produção de petróleo e investimentos em alternativas. Fuser foca a política e descreve os embates entre países produtores e consumidores e empresas transnacionais.
Ele afirma que o petróleo e o gás natural são recursos estratégicos que "não podem ser encarados como simples mercadorias, regidas apenas pelas forças de mercado". Relata a ascensão de John Rockefeller, a hegemonia das "sete irmãs" petroleiras e o papel vital do petróleo a partir da Primeira Guerra Mundial.
NACIONALISMOS
Essencial na reconstrução europeia após a Segunda Guerra Mundial, o petróleo tinha um custo de produção de US$ 0,10 na Arábia Saudita em 1945. A Casa Real recebia de royalties US$ 0,16. E o preço de venda oscilava entre US$ 1,05 e US$ 1,13.
Os estratosféricos ganhos das petroleiras foram abalados pela primeira vez em 1948, quando a Venezuela adotou uma regra que dividia os lucros igualmente entre empresas e Estados.
No Irã, a estatal britânica se recusou a compartilhar os ganhos em 50%, e, em 1951, o primeiro-ministro Mohammed Mossadegh nacionalizou o petróleo.
A seguir, foi derrubado por um golpe promovido pela CIA e pelo Reino Unido. Mas a onda nacionalista continuou. A Opep foi criada em 1960 e mudou a correlação de forças. Em 1973, ocorreu a guerra entre Israel e países árabes. Houve embargo de fornecimento aos EUA e o primeiro choque do petróleo --800% de aumento de preço do combustível.
Hoje, 77% das reservas mundiais de petróleo se encontram sob o controle de estatais ou semiestatais.
CONFLITOS 9
Os EUA, com apenas 5% da população mundial, consomem 21% de todo o petróleo produzido no mundo. Importando praticamente a metade do que usa, o país adotou a "estratégia da máxima extração", com foco no golfo Pérsico e no norte da África.
Assim, enquadra-se a guerra que derrubou Saddam Hussein, um inimigo dos EUA no Iraque, que detém a quarta maior reserva do planeta (atrás da Arábia Saudita, da Venezuela e do Irã).
Após a invasão norte-americana, ExxonMobil, Shell e BP voltaram ao país --de onde estavam afastadas desde 1973-- e levaram os mais vantajosos contratos, conta Fuser. A mesma lógica explica o apoio aos sauditas e a constante pressão sobre o Irã.
Fuser lembra o caso do golpe contra Hugo Chávez e a "guerra do gás" que marcou a ascensão de Evo Morales na Bolívia. Para ele, "a mudança do modelo neoliberal dos hidrocarbonetos do país por uma política de soberania energética trouxe benefícios": a renda do setor passou de 5,5% do PIB, em 2004, para 21,9%, em 2009.
Preocupado em expressar diferentes lados do problema energético, Fuser tenta resumir para leigos um tema complexo. Seria necessário mais espaço para aprofundar alguns pontos. Mas a leitura é útil para quem quer entender a história e a política por trás de eventos cruciais de hoje. Olhando bem, petróleo e energia vão aparecer.
Fonte: Folha de S. Paulo

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