Não vão se interessar pela situação brasileira? E os crimes praticados pelo Estado Brasileiro?
Lei dá imunidade a agentes estatais que cometeram crimes contra a humanidade
15 de novembro de 2014. Esta é a data máxima dada pela Organização
das Nações Unidas (ONU) para que a Espanha modifique a Lei de Anistia de
1977, que dá imunidade aos agentes do Estado que cometeram crimes
durante a guerra civil (1936 – 1939) e a ditadura de Francisco Franco
(1939-1975).
A modificação é uma das várias recomendações que o Comitê contra os
Desaparecimentos Forçados, em sua sigla em inglês (CED) incluiu em seu
relatório final, em 15 de novembro deste ano. Nele, o CED admite que no
país ibérico existem 114.226 pessoas desaparecidas e que 30.960 bebês
foram roubados no período entre 1936 e 1975.
O relatório é o documento final que exprime a visão da organização
em relação às obrigações internacionais não cumpridas pela Espanha e
observadas por um grupo de trabalho que percorreu o país entre os dias
23 e 30 de setembro. “Nós, o que dizemos é que para cumprir com as
obrigações dos tratados internacionais, o país deve seguir certas
coisas. Nossas recomendações, neste sentido, têm a mesma obrigatoriedade
que os tratados assinados voluntariamente pela Espanha”, explica Ariel
Dulitzky, professor de direito da Universidade do Texas, nos Estados
Unidos e um dos enviados da ONU à Espanha.
Segundo Dulitzky, o desaparecimento forçado se defi ne como
qualquer tipo de privação da liberdade de uma pessoa por agentes
estatais ou por particulares que atuam com a tolerância ou cooperação do
Estado. Além disso, o conceito também abrange o fato de o Estado se
negar a reconhecer a detenção ou o lugar onde a pessoa se encontra
detida e, por isso, esta pessoa fi ca fora da proteção da lei.
Entre os principais tratados internacionais que regulam este tipo
de crime estão a Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra
os Desaparecimentos Forçados, de 1992, e a convenção internacional de
mesmo nome adotada em 2006. Como país signatário, a Espanha é obrigada a
cumprir as normas dos tratados. Para o CED, os principais problemas
encontrados na Espanha são o tempo transcorrido desde que os
desaparecimentos ocorreram, a falta de um procedimento claro, detalhado e
específico em relação às exumações e identificações e a inexistência de
uma base de dados genéticos de familiares das pessoas desaparecidas.
Além destes fatores, Dulitzky destaca a eliminação completa dos fundos
estatais para exumações.
No último governo socialista, o Estado destinou 6,5 milhões de
euros em subvenções para o trabalho de identificação dos restos mortais
encontrados nas mais de 2,3 mil valas comuns identificadas em território
espanhol. Deste total, segundo as associações de vítimas, menos de 400
foram abertas. O governo de Mariano Rajoy (PP) cortou os subsídios que
estavam amparados pela Lei da Memória Histórica.
Revogação da lei de anistia
“O que aprendemos é que as anistias não servem para garantir a
justiça, não servem para garantir a verdade e muitas vezes também não
são sinônimos de garantia da paz e da estabilidade democrática”, diz
Dulitsky. No relatório fi nal, os integrantes do comitê admitiram certa
surpresa com a sentença fi nal do Tribunal Supremo espanhol sobre a
possibilidade de julgar os crimes do franquismo. Nesta sentença, o
tribunal afi rmava: “a argumentação sobre a permanência do delito não
deixa de ser uma fi cção contrária à lógica jurídica. Não é razoável
argumentar que um detido ilegalmente em 1936, cujos restos não foram
achados em 2006, possa racionalmente pensar-se que seguiu detido além do
prazo de prescrição de 20 anos”.
Os tratados assinados pela Espanha consideram que, para iniciar a
conta para a prescrição dos delitos de desaparecimento forçado, é
preciso que a pessoa ou os restos mortais dela apareçam. Ou seja,
enquanto a pessoa segue desaparecida, o crime não prescreve. “Esta
decisão do Tribunal Supremo pode ser discutível. Muitos setores
jurídicos aqui na Espanha não estão de acordo”, conta o juiz Joaquim
Bosch. “De acordo com a evolução do direito internacional, as anistias
completas que impedem a investigação, o julgamento e sanção dos crimes
internacionais, como os que ocorreram na Espanha, são consideradas
ilegais”, explica Dulitzky.
Comissão da verdade
Além da modificação da lei de anistia, o comitê também convida a
Espanha a criar uma Comissão da Verdade, com “especialistas
independentes encarregados de determinar a verdade sobre as violações
aos direitos humanos ocorridas no passado”. Sobre as comissões da
verdade, Dulitzky explica que “uma de suas características é que não
estudam casos isolados, mas sim padrões gerais. E, segundo, são
comissões de ofi ciais do Estado, é o reconhecimento estatal da verdade.
Esta é a verdade de acordo ao Estado. Como este tipo de crimes são
necessariamente cometidos pelo Estado, é o Estado que diz: tudo isso é o
que fizemos”.
Apesar de apontar as falhas do Estado, o comitê da ONU não tem
poder de aplicar nenhuma sanção em caso de nãocumprimento das
recomendações. Dulitzky assume que o mais importante para eles é “o que
vai suceder na sociedade espanhola, o debate que será gerado na Espanha e
a responsabilidade que as autoridades espanholas irão assumir”. Já o
juiz Joaquim Bosch acredita que algumas recomendações serão cumpridas.
“Algumas [questões do relatório] eu acredito que têm muita
viabilidade porque não tem sentido que a Espanha tenha assinado o
convênio internacional sobre desaparecimentos forçados e que siga tendo
mais de 100 mil desaparecidos em seu território”. Entretanto, Bosch não é
tão otimista em relação às mudanças de maior importância: “as outras
questões propostas, que se derrogue a lei de anistia, por exemplo,
dependerá das forças políticas e do poder legislativo”.
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