Otávio Frias Filho, dono da Folha
Estava na Folha, num editorial.
A
carga tributária brasileira é alta. Cerca de 35% do PIB. Esta tem sido a
base de incessantes campanhas de jornais e revistas sobre o assim
chamado “Custo Brasil”.
Tirada
a hipocrisia cínica, a pregação da mídia contra o “Custo Brasil” é uma
tentativa de pagar (ainda) menos impostos e achatar direitos
trabalhistas.
Notemos.
A maior parte das grandes empresas jornalísticas já se dedica ao
chamado ‘planejamento fiscal’. Isto quer dizer: encontrar brechas na
legislação tributária para pagar menos do que deveriam.
A
própria Folha já faz tempo adotou a tática de tratar juridicamente
muitos jornalistas – em geral os de maior salário – como PJs, pessoas
jurídicas. Assim, recolhe menos imposto. Uma amiga minha que foi
ombudsman era PJ, e uma vez me fez a lista dos ilustre articulistas da
Folha que também eram.
A
Globo faz o mesmo. O ilibado Merval Pereira, um imortal tão empenhado
na vida terrena na melhora dos costumes do país, talvez pudesse
esclarecer sua situação na Globo – e, transparentemente, dizer quanto
paga, em porcentual sobre o que recebe.
A
Receita Federal cobra uma dívida bilionária em impostos das
Organizações Globo, mas lamentavelmente a disputa jurídica se trava na
mais completa escuridão. Que a Globo esconda a cobrança se entende, mas
que a Receita Federal não coloque transparência num caso de alto
interesse público para mim é incompreensível.
A
única vez em que vi uma reprovação clara em João Roberto Marinho,
acionista e editor da Globo, foi quando chegou a ele que a Época fazia
uma reportagem sobre o modelo escandinavo. Como diretor editorial da
Editora Globo, a Época respondia a mim. O projeto foi rapidamente
abortado.
Roberto Irineu Marinho, presidente da Globo
Voltemos ao queixume do editorial da Folha.
Como
já vimos, a carga tributária do Brasil é de 35%. Agora olhemos dois
opostos. A carga mais baixa, entre os 60 países que compõem a
prestigiada OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, é a do México: 20%. As taxas mais altas são as da
Escandinávia: em redor de 50%.
Queremos ser o que quando crescer: México ou Escandinávia?
O
dinheiro do imposto, lembremos, constrói estradas, portos, aeroportos,
hospitais, escolas públicas etc. Permite que a sociedade tenha acesso a
saúde pública de bom nível, e as crianças – mesmo as mais humildes -- a
bom ensino.
Os
herdeiros da Globo – os filhos dos irmãos Roberto Irineu, João Roberto e
José Roberto – estudaram nas melhores escolas privadas e depois, pelas
mãos do tutor Jorge Nóbrega, completaram seu preparo com cursos no
exterior.
A
Globo fala exaustivamente em meritocracia e em educação. Mas como
filhos de famílias simples podem competir com os filhos dos irmãos
Marinhos? Não estou falando no dinheiro, em si – mas na educação pública
miserável que temos no Brasil.
Na
Escandinávia, a meritocracia é para valer. Acesso a educação de bom
nível todos têm. E a taxa de herança é alta o suficiente para mitigar as
grandes vantagens dos herdeiros de fortunas. O mérito efetivo é de quem
criou a fortuna, não de quem a herdou. A meritocracia deve ser
entendida sob uma ótima justa e ampla, ou é apenas uma falácia para
perpetuar iniquidades.
Recentemente o site da Exame publicou um ranking dos 20 países mais prósperos
de 2012 elaborado pela instituição inglesa Legatum Institute. Foram
usados oito critérios para medir o sucesso das nações: economia,
empreendedorismo e oportunidades, governança, educação, saúde, segurança
e sensação de segurança pessoa, liberdade pessoal e capital social. A
Escandinávia ficou simplesmente com o ouro, a prata e o bronze: Noruega
(1ª), Dinamarca (2ª) e Suécia (3ª).
Se
quisermos ser o México, é só atender aos insistentes apelos das grandes
companhias de mídia. Se quisermos ser a Escandinávia, o caminho é mais
árduo. Lá, em meados do século passado, se estabeleceu um consenso
segundo o qual impostos altos são o preço – afinal barato – para que se
tenha uma sociedade harmoniosa. E próspera: a qualidade da educação gera
mão de obra de alto nível para tocar as empresas e um funcionalismo
público excepcional. O final de tudo isso se reflete em felicidade:
repare que em todas as listas que medem a satisfação das pessoas de um
país a Escandinávia domina as posições no topo.
O sistema nórdico produz as pessoas mais felizes do mundo.
A
Escandinávia é um sonho muito distante? Olhemos então para a China. À
medida que o país foi se desenvolvendo economicamente, a carga
tributária também cresceu. Ou não haveria recursos para fazer o
extraordinário trabalho na infraestrutura – trens, estradas, portos,
aeroportos etc – que a China vem empreendendo para dar suporte ao
velocíssimo crescimento econômico.
Hoje,
a taxa tributária da China está na faixa de 35%, a mesma do Brasil. E
crescendo. Com sua campanha pelo atraso e pela iniquidade, os donos da
empresa de mídia acabam fazendo o papel não de barões – mas de coronéis
que se agarram a seus privilégios e mamatas indefensáveis.
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