POLÍTICA - Não basta ser coxinha.
Não basta ser coxinha, tem que envergonhar o país
Voltar ao Brasil para mim é sempre um pesadelo
logístico. E acreditem, não porque eu tenho medo danado de avião, mas
porque tenho que aguentar o comportamento de meus compatriotas nas filas
de embarque.
Quem tem que viajar seguido, especialmente passando pelos aeroportos
dos Estados Unidos e da Europa, tem uma bela amostra do pior espírito
da pior classe média brasileira. Aquela mesma que manda a Presidenta
tomar no cu, que chama rolezinho de arrastão e que acha que pobre negro
tem mesmo é que ser espancado e amarrado em poste. Como bem descreveu
Marilena Chauí, a classe média violenta, ignorante, fascista e
arrogante.
Antes de prosseguir, apenas um lembrete a alguns leitores. Meu
espelho me diz que eu sou branca e de classe média. Eu me refiro a um
tipo bem específico, mas que infelizmente representa uma grande parte da
população brasileira.
Refiro-me àquele grupo que vive pelo consumo e, por ser um
consumidor, acredita estender sua lógica da comoditização ao campo da
vida coletiva, sendo um ser detentor de direitos e privilégios
individuais. Acima do bem e do mal, é claro. Esse ser “cordial” já foi
demasiadamente explorado pela sociologia e antropologia: de Sérgio
Buarque de Holanda à Roberto da Matta: personalista, patrimonialista, e
todos os piores ISMOS que formam uma espécie única burguesa que, no
senso estrito do termo, não é burguesa nem liberal, mas algo que mistura
uma elite emergente com uma aristocracia falida. Também conhecida como,
gente DIFERENCIADA. Algo que só pode acontecer em um país cuja
burguesia não fez ainda a revolução burguesa, e é ainda dominado no
congresso por uma bancada ruralista. Entre outras coisas bizarras
advindas de um passado recente calcado na ditadura, na violência e na
tortura, mas todos aplaudiam (e continuam aplaudindo) a seleção
brasileira com lágrima nos olhos.
***
Aeroporto do Heathrow, Londres
Normas internacionais estabelecem padrões de tamanho e peso de mala
de mão. Chega uma família com malas enormes e a senhora do check-in
gentilmente explica que ela não pode embarcar com aquele tamanho todo.
Ela explica que existe uma taxa a ser paga para despachar o excesso. A
passageira explica que já gastou todo o limite de seu cartão de crédito e
que não pode pagar. A funcionária diz, então, que ela terá que deixar
as coisas de lado. Começa a lamentação: isso é um absurdo! A funcionária
mantém-se calma, dizendo sinto muito, senhora. Depois, vieram os
gritos: eu vou para a justiça, neste país as coisas se resolvem na
justiça. Não é como no Brasil! Vou recuperar tudo na justiça, todos os
meus perfumes. E ela tirava fotos das malas tamanho super plus dizendo
que era uma prova para a justiça. Apontava para a minha mala de mão e
dizia que a minha era maior (sim, porque não basta ser ignorante, tem
que ser igualmente filha da puta). Eu, calmamente, tirei os fones do
ouvido e disse: minha senhora, a minha mala de mão atende a padrões
internacionais permitidos, e voltei a ouvir música. Muitos outros
passageiros se comoveram com o assassinato dos perfumes e começaram a
gritar: é um absurdo! Aos berros e cercando a funcionária, eles
massacraram-na.
Aeroporto de Lisboa. Conexão.
Um voo para Brasília atrasa. Começa a gritaria e aquela cena típica,
na qual cada um grita para um lado, todo mundo quer ser ouvido, mas
ninguém ouve o que o outro tem a dizer. Pessoas bem vestidas novamente
cercam a funcionária que está apenas comunicando que o voo atrasou.
– Isso é um A-B-S-U-R-D-O! (como aquela fúria da coxinha de ossobuco…)
– Se fosse no Brasil, a gente entenderia, porque lá nada funciona. Mas na Europa?
– Moça, eu tenho um compromisso imperdível. E vou processar a companhia. Nunca mais voo por esta empresa!
A fila se desorganiza e todo mundo fala ao mesmo tempo com a
funcionária. Ninguém age coletivamente, as pessoas apenas começam a
dizer que o seu compromisso no Brasil é mais importante do que qualquer
outra coisa. Os estrangeiros e os outros brasileiros que não pertencem à
elite-coxa ficavam bravos, balançavam a cabeça, mas pareciam entender
que era preciso, simplesmente, esperar. Não adiantava dizer que é amigo
do rei, porque o avião não chegaria mais cedo por causa disso.
Entro na fila do voo para Porto Alegre e observo meus conterrâneos.
Entramos todos numa salinha após o embarque. Quando a elite-coxa viu que
entraríamos em um ônibus, e não direto na aeronave, começou mais uma
gritaria desorganizada: e não é nem no Brasil! Pessoas visivelmente
nervosas falavam sozinhas e faziam seus pequenos protestos anti-Brasil
(ainda que o problema acontecesse em Portugal). É por isso que eu vou
torcer contra o Brasil hoje, disse uma mulher. Ela continuava: não pode
ganhar! Essa gente do bolsa família, cega, ignorante vai se encachaçar e
esquecer dos problemas do Brasil. Ela vê um grupo de jovens ao meu lado
e nos dirige a palavra de forma soberana: São vocês, jovens, que
precisam mudar isso, vocês têm que ir para rua.
Já no ônibus que levava à aeronave, essa senhora teve a brilhante
ideia de continuar a protestar no busão e começou a gritar “NÓS ESTAMOS
INDO PARA UMA DITADURA COMUNISTA E NINGUÉM ESTÁ VENDO. NINGUÉM ESTÁ
VENDO”. As sardinhas espremidas se identificaram e, então, cada um
falava por si: é verdade, é verdade. Enquanto isso, eu pensava que não
demoraria mais do que 40 segundos para eu sair correndo daquele veículo.
A mulher continuou: eu ia para as ruas para lutar contra a ditadura e
agora são vocês que têm que ir, porque hoje é pior que a ditadura. É
tudo pro pobre! (Eu: poxa deve ser por isso que o pobre não está
viajando para a Europa e você está, porque realmente é muito difícil a
vida da classe média). As pessoas começaram a falar, como de costume,
cada um para um lado
Que se foda a seleção. Esse país é uma merda
Se eu pudesse eu não morava no Brasil.
Nem eu!
Nem eu!
Nem eu!
(Eu: Boa ideia! Isso! Vão embora, mas não voltem!)
Finalmente, a lata de sardinha se abriu e todo mundo começa a correr
e a se atropelar para entrar na escada do avião. Um pisa por cima do
outro, como se os assentos não fossem marcados. Afinal, trata-se de
gente muito phyna.
Meu lugar é o último da fileira de um compartimento do avião. Do meu
lado, senta um casal, que reclamou que seus assentos reclinavam menos
que os dos outros. O avião estava lotado. Chamam a comissária, e
eu: não! chega por hoje! O marido disse: Meu assento blá blá blá e isso e
aquilo. E a funcionária gentilmente explica que era apenas impressão,
pois o assento reclinava igual aos outros. Daí o passageiro
super-prejudicado larga a máxima: Eu vou reclamar com o piloto! Nesse
momento, eu pensei que era uma pena eu não ter um Boa Noite Cinderela
para aguentar as próximas 12 horas. E o diabo ainda roncava como um
porco. Mas isso é outra história.
Aeroporto Salgado Filho, Porto Alegre. 05 de julho de 2014 – precisamente às 18h45min.
Todos perguntam quanto está o jogo do Brasil enquanto aguardam as
(muitas) malas. O jogo acaba. O Brasil venceu. Todos começaram a
aplaudir, assobiar e a se abraçar. Todos, inclusive a galera da
sardinha.
Brasil, ame-o, odeie-o e (finja que) deixe-o.
Rosana Pinheiro Machado
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