segunda-feira, 22 de junho de 2009

CHILE - "Quantas pessoas você conhece cujo pai morreu por um país?".

Filho de um líder guerrilheiro e criado por um senador socialista, o pré-candidato presidencial do Chile Marco Enriquez-Ominami desafia os políticos tradicionais.

A reportagem é de Mónica González, publicada no jornal Clarín, 21-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Aos 37 anos, o cineasta Marco Enríquez-Ominami se converteu no novo fenômeno da política chilena. A seis meses da eleição presidencial que repete a histórica disputa entre a Concertación, com Eduardo Frei, que já foi presidente (1994-2000), e Sebastián Piñera, apoiado pela direita e que já foi derrotado por Michelle Bachelet, esse deputado dissidente renunciou ao Partido Socialista e desafiou o tabuleiro oficialista ao se apresentar como candidato presidencial independente. Irrompeu com a mesma mecha de cabelos sobre a testa que caracterizou seu pai, o líder do MIR [Movimiento de Izquierda Revolucionaria] Miguel Enríquez, que morreu em um enfrentamento com a polícia secreta de Pinochet (Dina, Dirección de Inteligencia Nacional). Marco não o conheceu. Tinha só cinco meses quando ele partiu para o exílio na França junto com sua mãe, a jornalista Manuela Gumucio. Seu álbum de fotos foram recortes de jornais. E sua conexão para com a terra, o seu pai por amor: Carlos Ominami, senador socialista, que deverá escolher entre o apoio a seu filho ou sua recandidatura ao Senado.

São necessárias 35 mil assinaturas para que seu nome figure no voto. E em só três meses conseguiu agitar e assombrar. Casado com uma jornalista e pai de duas filhas, na quinta-feira passada concentrou a atenção quando foram conhecidos os resultados da pesquisa CEP.

Ele obteve 15%, Piñera 34% e Frei 29% das preferências. Mas o padrão eleitoral é quase o mesmo que em 1988. Para que lhe servem os votos que conseguiu até agora?

Para ir ao segundo turno. A quem se deve perguntar se alguém sem partido e castigado por todos que, em três meses subiu de 0 a 14% versus dois candidatos em baixa vai ao segundo turno? A eles.

Eis a entrevista.

Quando o senhor decidiu ser candidato?

Em outubro de 2008, fizemos um decálogo programático que 30 parlamentares assinaram, metade da força da Concertación. O motor fui eu. E decidi que não iria trabalhar para uma candidatura presidencial à qual não assinasse. O primeiro ponto dizia: primárias abertas e fundacionais. Aí se gerou uma oportunidade: quatro líderes evitavam a competição. Minha grande discussão com as elites concertacionistas é que eles dizem que eu não entendi que fomos eleitos para governar com a mesma matriz e lógica. E é todo o contrário: Bachelet é presidenta porque as regras mudaram para sempre no Chile.

O que o senhor disse que é Michelle Bachelet era um produto midiático.

Disse algo muito pior, algo assim que ela era como a Fanta e a Coca-Cola. E disse isso quando foi eleito deputado, porque, da mesma forma que ela, eu fui eleito contra uma ordem. Quando ocorreu a derrota da Concertación nas eleições municipais, os deputados dissidentes voltaram a se reunir. E disse então que há uma oportunidade para que nos escutem e que façamos das primárias um tema de forma e de fundo: a Concertación está disposta a escutar outras vozes? Se houvessem me deixado participar, o resultado teria obedecido. O problema é que não foi possível nem mesmo expressar essa visão.

A dívida pendente é política ou social: fincar o dente na brecha da redistribuição da renda?

É a política que está em crise. A redistribuição da renda, do acesso e da qualidade da educação, tudo remete a que o conluio ou o medo impediram as reformas fundamentais. Eu vi isso.

Qual é o lobby que o senhor considera como o mais perverso que tenha visto se desdobrar entre os Deputados?

Algo que não é um lobby, mas é mais inquietante: a direita se transformou em guardiã da Constituição. É impressionante ver hoje – e já não em 1990 – a direita sem matiz nem pudor como um verdadeiro pitbull da Constituição dizendo "nisso não se toca!".

O senhor disse "passaremos da segunda vez e faremos história".

Faremos história. Esse período é o mais difícil de todos. Pelo cansaço dos quadros, excelência e de estilo de uma coalizão. E, em segundo lugar, que a presidenta Bachelet revelou algo não estabelecido: terminar com a monarquia presidencial. Por isso, os chilenos a instalaram em La Moneda [palácio presidencial chileno]. Por isso, agora vamos derrotar o conservador que se deve derrotar.

Frei e Piñera são a mesma coisa?

Têm similitudes que me preocupam. Os dois são cristãos-democratas, são acionistas, têm um bispo que os defende, ambos têm um jovem de uma organização da Igreja católica, a cargo de seus comandos e os dois acabam de descobrir que existiam as minorias sexuais. Sigo acreditando que no Chile há uma geração de políticos – com a qual estou brigando –, fascinante e que foi se cansando. Cheguei a me convencer de que essa geração – não toda – está invadida de medos e perdeu coragem.

Medo de quê?

Da mudança, de novas vozes, de não controlar tudo. E o Chile mudou, Cristián Cuevas é um exemplo. O fato de um dirigente sindical da esquerda chilena ter reconhecido a sua homossexualidade é algo inédito.

Como o senhor pode querer ser presidente desse país depois do mapa de horrores em sua família?

Porque meu pai morreu por este país. E isso deixou uma grande pergunta para mim e me obrigou a construir minha "chilenidade". Eu a busquei desesperadamente e a encontrei. Quantas pessoas você conhece cujo pai morreu por um país?

Onde está hoje o seu domicílio político?

Na esquerda. Sou parte de uma minoria crítica que vai crescendo. E como as pessoas não avaliam nem de onde vem nem pelo que tem, mas para onde vai e o que sonha, aí tudo se complica. Hoje sou independente, com uma equipe de pessoas libertárias, desinibida de medos, implementando políticas transformadas e enfrentando os conservadores de direitas e de esquerda. Não acredito que seja bom seguir atribuindo o monopólio do conservadorismo à direita porque existe um na esquerda. E é preciso revelá-lo.
Fonte:IHU

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