terça-feira, 30 de junho de 2009

HONDURAS - Um golpe anunciado.

Ricardo Zúniga García *

Adital

Um golpe militar anunciado, realizado com violência; porém, os tempos e a consciência dos povos estão mudando.

Antes do amanhecer, na penumbra da madrugada do domingo 28 de junho uns 200 soldados das tropas de elite do exército de Honduras invadiram na residência do Presidente Manuel Zelaya, renderam a guarda presidencial; encapuzados, ameaçaram-no com armas, e sem permitir-lhe sequer que trocasse de roupa e nem recolhesse nada, o sequestraram, levando-o a um avião que partiu de uma base militar de Tegucigalpa sem comunicar-lhe seu destino.

Na passada quarta-feira, o presidente Zelaya destituiu o chefe de Estado Maior conjunto, General Romero Vázquez, por desacatar a ordem de distribuir papeis e o material necessário para realizar uma consulta popular, não vinculante, ou seja, uma pesquisa massiva, para consultar a população sobre a conveniência de convocar uma assembleia constituinte. A solicitação de consultar sobre uma constituinte foi feita pelo movimento social hondurenho e entregue ao presidente com o respaldo de mais de 400 mil assinaturas de cidadãos. Sendo um país com população de um pouco mais de 6 milhões de habitantes, esse respaldo foi altamente significativo, além de se considerar também o ceticismo sobre a democracia representativa que se vive no país.

A oligarquia hondurenha havia manifestado seu desacordo quanto à realização da consulta, o que reafirmou por meio da proibição da mesma, por parte do Tribunal Supremo Eleitoral e da Corte Suprema de Justiça. O presidente reafirmou seu direito a fazer uma consulta "não vinculante", que estava sendo solicitada por uma grande quantidade de cidadãos. É óbvio que legalmente nenhuma autoridade pode proibir a realização de uma consulta popular não vinculante. Portanto, qual é o sentido do conflito que estourou de forma tão violenta?

O governo de Honduras, nos últimos dois anos, vem avançando na busca de superar a pobreza e as grandes desigualdades em que vive o país. Ante o aumento do custo do petróleo, buscou a forma de reduzir a taxa de comercialização cobrada pelas transnacionais petroleiras, buscando comprar o petróleo pelo menor preço possível no mercado. Seguindo essa dinâmica, primeiro incorporou-se ao Petrocaribe, um mecanismo de ajuda desenhado pelo governo Bolivariano de Chávez para garantir o abastecimento petroleiro dos países pobres da América Latina e Caribe, com facilidades de pagamento. Posteriormente, em agosto de 2008, incorporou-se a Alba (Alternativa Bolivariana para os Povos da América). A partir da entrada do país na Alba, abriram-se maiores espaços para o movimento social hondurenho, na busca por uma sociedade mais justa. A partir de sua incorporação a Alba, Honduras tem exercido uma política exterior digna e independente, em função dos interesses de seu povo e trabalhando pela integração latinoamericana bolivariana.

A cerrada oposição dos partidos com representação majoritária na Assembleia Legislativa e dos grêmios dos grandes empresários à consulta popular nos parece indicativo das grandes possibilidades de uma clara aprovação da consulta por uma Nova Constituição. Ainda sem ter força vinculante (por não ter sido aprovada como uma lei do país), a consulta popular e seus resultados teriam uma inquestionável força mora; uma legitimidade clara se a maioria dos hondurenhos/as estão aprovando a ideia da constituinte. Por essa razão, o presidente Zelaya, à frente de uma marcha dos movimentos populares, foi resgatar os materiais da consulta retidos pelo exército; e os mandos militares viram-se obrigados a entregar o material. Por essa razão também, diante da firmeza de Zelaya e dos previsíveis resultados da consulta, a oligarquia hondurenha, fazendo uso legal da Assembleia Legislativa e do exército, fez o país retroceder mais de trinta anos, com um golpe militar.

Os métodos têm sido a força bruta, a mentira e a censura. Sequestraram e deportaram o presidente e deportaram também a Chanceler Patricia Rodas. Inventaram uma carta de renúncia que o presidente nunca assinou, cortaram a energia elétrica, silenciaram as rádios e TVs e finalmente decretaram um toque de recolher por quarenta e oito horas, com o propósito de frear e impedir o crescimento da mobilização popular.

Porém, felizmente os tempos estão mudando. Como sabemos, o último golpe militar efetuado na América foi o primeiro do século XXI, na Venezuela (2002); foi frustrado devido a resposta contundente do povo organizado e de um setor do exército que não aderiu ao golpe contra Chávez. O povo mobilizado e organizado restituiu o presidente ao seu cargo antes que se cumprissem 50 horas de seu sequestro.

Hoje, boa parte do povo hondurenho está mobilizada em torno à casa presidencial e em outros pontos do país, declarando-se em resistência popular ativa e pacífica, demandando a restituição do presidente. As principais organizações sindicais e populares estão convocando a uma greve geral com os mesmos objetivos, a partir de hoje, 29 de junho.

Praticamente todos os governos da América Latina se pronunciaram demandando respeito à ordem constitucional e a restituição do Presidente Zelaya. Nos mesmos termos pronunciou-se a União Europeia. O governo estadunidense tem sido menos categórico. Obama declarou que reconhece somente a Zelaya como presidente; porém, chamou as partes em conflito a buscar um acordo, dando certa legitimidade aos golpistas.

A OEA demandou o respeito à ordem constitucional e à carta democrática que proscreve os golpes de estado.

Hoje estão reunidos em Manágua os presidentes dos países integrantes da Alba e, posteriormente, se reunirão os presidentes do SICA (Sistema de Integração Centroamericano). Espera-se também uma convocação de urgência dos chanceleres do Grupo do Rio, que reúne praticamente a todos os países da América Latina e Caribe. Pelas declarações prévias de todos os chanceleres, espera-se uma posição bem firme de todas estas instâncias, exigindo a restituição incondicional do presidente hondurenho.

Os movimentos sociais centroamericanos estão se pronunciando também unanimemente pelo respeito à vontade do povo hondurenho e pela restituição do presidente constitucional de Honduras.

Se a resistência organizada do povo hondurenho se mantém, como até agora, somada à força das gestões diplomáticas latinoamericanas, podemos esperar o retorno de Zelaya ao cargo para o qual foi eleito por seu povo. E o avanço do movimento popular hondurenho em direção a novas conquistas de justiça social e maior democracia participativa.

* Colaborador de Adital. Educador nicaraguense. Analista político

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