Para o cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, apesar de Obama ter prometido alterar as diretrizes políticas estabelecidas pelo presidente George W. Bush, “ele só promoveu mudanças cosméticas”. Na avaliação do professor de história da política exterior do Brasil na Universidade de Brasília (UnB), “Até agora não fechou o campo de concentração de Guantánamo e recuou em diversas outras medidas”.
Por Tatiana Merlino*
Qual o significado de se ter uma pessoa como Obama na presidência dos EUA?
A eleição para a presidência dos Estados Unidos de um homem de cor representa mais um sintoma do declínio político do Império Americano, até então governado por uma elite chamada de WASP (White, Anglo-saxon, Protestant), isto é, branca, anglo-saxônica e protestante, a elite “loira, de olhos azuis” que controla o sistema financeiro e à qual o presidente Lula se referiu como responsável pela débâcle da economia mundial. Essa elite fracassou. Mas não significa que perdeu o poder.
Obama realmente representa o “novo”?
Seja a resposta afirmativa ou negativa, por quê?
O novo que Barack Obama representa, como disse, é a eleição de um afro-americano para a presidência. Mas, em termos de diretrizes políticas, as diferenças não são fundamentais, devido às relações reais de poder nos Estados Unidos. Obama, por exemplo não pode cortar substancialmente as encomendas do Pentágono a fim de reduzir o déficit fiscal dos Estados Unidos, que cresce de ano a ano. Se tentasse fazê-lo, diversas indústrias de material bélico logo quebrariam, aumentando o desemprego e arruinando os Estados onde estão instaladas. Mas o complexo industrial-militar é uma bolha, inflada pelos recursos públicos, e mais dias menos dia vai estourar, como aconteceu com a bolha do sistema financeiro e a indústria automobilística, Em artigo recente, o jornalista português Miguel Urbano Rodrigues afirma, sobre o novo presidente dos EUA:
“O seu sorriso permanente e o discurso recheado de promessas ocultam mal as suas posições conservadoras: mudar alguma coisa na aparência para que tudo fique, afinal, na mesma”. Qual sua opinião sobre essa afirmação?
A observação do jornalista Miguel Urbano Rodrigues é procedente. Barack Obama, por mais bem intencionado que seja, é presidente dos Estados Unidos, a potência regente do sistema capitalista mundial, e seu objetivo obviamente não podia nem pode ser outro senão preservá-lo, mediante certas reformas necessárias, mas dentro das condições que a política interna e externa lhe permitem. Não se podia nem se pode ter ilusão a respeito do que Barack Obama poderia ou poderá realizar ao longo de sua administração.
No período em que o governo de Barack Obama completa 100 dias, qual sua avaliação a respeito das medidas tomadas por ele até o momento?
O que elas dizem sobre o que é e sobre o que será seu governo?
Qualquer que seja sua tendência política, um presidente não pode fazer o que quer, o que deseja. Faz apenas o que pode, dentro da correlação de forças existente na sociedade. E os lobbies, que representam interesses econômicos, sociais e políticos nos Estados Unidos são muito poderosos. Tendem sempre a pautar e delimitar a atuação do governo. Daí que o presidente Barack Obama, apesar das promessas de alterar as diretrizes políticas estabelecidas pelo presidente George W. Bush, só promoveu mudanças cosméticas. Até agora, meados de maio de 2009, com um pouco mais de 100 dias no governo, não fechou o campo de concentração de Guantánamo e recuou em diversas outras medidas. Aliás, nem George W. Bush pode executar todo o programa neo-conservador (The New American Century), atacando preventivamente (preemptive attacks) outros países do “Axis of evil” (Eixo do Mal), como Irã e a Coréia do Norte, com o propósito de exportar militarmente o modelo americano de democracia, assumindo os Estados Unidos a “responsabilidade única” de preservar e estender uma ordem internacional amigável para a sua segurança.
Quais são as principais diferenças entre os governos de Obama e Bush que ficaram evidentes nesses cem dias? A que elas se devem?
Barack Obama procura recuperar a imagem dos Estados Unidos, tão desgastada e desmoralizada internacionalmente pelas políticas de George W. Bush, que representava no governo, o que há de mais reacionário e conservador naquele país. E não há dúvida de que ele é muito mais inteligente e instruído que seu antecessor. Em termos políticos, tratou de relaxar as tensões políticas internacionais, o antagonismo com outros países, que a administração do ex-presidente George W. Bush fomentava. Mas Barack Obama assumiu o governo em meio a uma profunda crise econômica e financeira mundial, cujo epicentro está nos Estados Unidos. E até meados de maio de 2009, em termos políticos, não efetivou todas as suas promessas de campanha. Pelo contrário, recuou em várias iniciativas que antes anunciara.
O que mudou e o que irá mudar na política externa dos EUA?
Só posso dizer que ela continuará pautada pelos seus interesses nacionais. Porém é difícil fazer qualquer previsão específica, em face da grave crise econômica e financeira, que terá inevitavelmente reflexos políticos, afetando os Estados Unidos e alterando de alguma forma, a médio prazo, o sistema internacional de poder. A situação internacional é muito volátil.
O senhor acredita que Obama vem colocando em prática uma nova estratégia imperialista, mais sutil, inteligente? Se sim, quais seriam as bases dessa estratégia?
Não se trata velha bem de nova estratégia imperialista. Não se pode tomar os parâmetros da primeira metade do século 20. A política imperialista de conquista e competição armada entre as potências industriais evoluiu após a 2ª Guerra Mundial, para o ultra-imperialismo, uma espécie de cartel de nações capitalistas, cuja expressão militar é a OTAN, que oferece garantias mútuas de não-agressão e previa a cooperação na área de segurança, bem como ajuda mútua no caso de uma agressão por terceiros países, coletivizando a defesa, a fim de que ela não se torne assunto nacional e sim de interesse do sistema global capitalista. Esse cartel é conduzido pelos Estados Unidos como potência hegemônica, capaz de modelar a vontade das outras potências industriais e conduzir a política internacional, de acordo com seus interesses que são, na realidade, os interesses globais do sistema capitalista. O propósito do presidente Barack Obama é restaurar a posição dos Estados Unidos, fortemente prejudicada pelo belicismo e unilateralismo da política do presidente George W. Bush. Mas é muito difícil em virtude do colapso financeiro, que desde os fins de 2007 está a abalar a sua economia, com incalculáveis reflexos sobre todo o sistema capitalista mundial. No caso de Guantánamo, por exemplo, há uma iniciativa positiva, que é ordenar fechamento, mas, ao mesmo tempo ele afirma que não vai punir os torturadores. Essa ambivalência evidencia que ele não tem condições de reverter fundamentalmente a política do presidente George W. Bush. Aliás, ainda não fechou o campo de concentração de Guantánamo nem divulgou todas as informações sobre as torturas ali praticadas, bem como na prisão de Abu Ghraib e, mais ainda, restaurou os tribunais militares para julgar os suspeitos de terrorismo e buscou evitar a divulgação de centenas de outras fotos que mostram os presos terrivelmente torturados e outras aberrantes imagens. O novo presidente dos EUA sinaliza mais simpatia abertura e diálogo com presidentes que costumam proferir discursos antiimperialistas. Na Cúpula das Américas, Obama conversou com Chávez e Evo, em relação a Cuba, liberou viagens e envio de dinheiro a parentes... Qual o significado e quais os limites dessa postura? A mudança não é da postura. Foram as circunstâncias históricas que mudaram. Ao longo das últimas três décadas, os Estados Unidos sofreram acentuado enfraquecimento econômico, moral e político. Sua hegemonia na América Latina desvaneceu-se em conseqüência, entre outros fatores, do fracasso das ditaduras militares e do insucesso das políticas neoliberais, implementadas por governos democráticos, de conformidade com o Consenso de Washington. Foi este processo - e não o crescimento das forças de esquerda - que possibilitou o surgimento de governos como o de Hugo Chávez, na Venezuela, Evo Morales, na Bolívia, do ex-guerrilheiro Daniel Ortega, na Nicarágua, e de Mauricio Funes, da Frente de Libertação Nacional Faribundo Martí, em El Salvador. O presidente Obama busca ajustar a política exterior dos Estados Unidos à nova realidade. O Brasil e todos os demais países da região, inclusive os que estão sob governos conservadores, demonstraram, de maneira inequívoca, que não aceitam a continuidade do estado de beligerância que os Estados Unidos mantém contra Cuba, submetendo-a a um embargo cruel, injusto e inútil, desde 1962, há quase meio século. Mas é difícil prever os limites da mudança na política de Obama vis-à-vis de Cuba e da América Latina, em geral. Como o cientista americano Brady Tyson certa vez observou, a “instabilidade e imaturidade” da opinião pública nos EstadosUnidos, ou seja, “seu potencial de histeria”, em determinadas situações, e a “paranóia do Pentágono” podem determinar um retrocesso.
Qual está sendo e qual deve ser a política dos EUA para a América Latina?
Quais os interesses de Obama no continente?
Quanto aos interesses do presidente Obama, creio que podem ser condensados no desejo de evitar que o anti-americanismo continue a recrudescer, como ocorreu, sobretudo, no governo de George W. Bush, e prejudique cada vez mais os interesses econômicos e políticos dos Estados Unidos na região.
Recentemente o presidente Obama sinalizou uma aproximação com o Brasil e o presidente Lula. A partir disso, o que se pode concluir?
Os gestos de Barack Obama vis-à-vis do Brasil e do presidente Lula não implicaram mudança na atitude dos Estados Unidos. O presidente George W. Bush manteve bom entendimento com Lula não obstante haver este feito freqüentes críticas à política exterior dos Estados Unidos, como no caso da guerra contra o Iraque, e manifestado fortes divergências, em vários aspectos, inclusive frustrando a formação da ALCA. O Brasil tem seus próprios interesses nacionais, muitas vezes contraditórios ou mesmo antagônicos aos interesses dos Estados Unidos e sua maior importância internacional está na razão direta da independência e autonomia de sua política exterior. E, conforme escreveu a revista Newsweek, Luiz Inácio Lula da Silva é presidente de “uma superpotência astuta como nenhum outro gigante emergente", que, de forma não-declarada, se contrapõe à influência dos Estados Unidos, mas sem o radicalismo da Venezuela e que expressa suas “ambições internacionais sem agitar um sabre", mas enviando "diplomatas e advogados para as zonas quentes ao invés de frotas de navios ou tanques",quando há algum conflito na região. *Essa é uma entrevista exclusiva do site Caros Amigos, na próxima edição da revista, Tatiana Merlino escreve mais sobre o governo Obama. Em breve nas bancas e também disponível na versão digital através da assinatura digital Caros Amigos.
Fonte:Por Um Novo Brasil
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