O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo acaba de publicar material precioso: um
encarte especial sobre os 30 anos da greve dos jornalistas de São Paulo. Foi a última greve da categoria.
Rubens Marujo, reponsável pela edição, fez um trabalho primoroso: ouviu jornalistas, sindicalistas, donos de jornais.Gente que foi pra porta de jornal fazer piquete, como Ricardo Kotscho. Gente que permaneceu nas redações, e ajudou a produzir os jornais mesmo durante a greve, como Boris Casoy.
Marujo colheu depoimentos de quem considera ter sido a greve de 79 "um desastre", como Alberto Dines (hoje, responsável pelo Observatório da Imprensa). Dines acha que a greve serviu apenas para unir o patronato (que criou naquele momento a ANJ - Associação Nacional de Jornais), e não trouxe benefícios para a categoria.
Juca Kfouri, na época um dos mais ativos no movimento grevista, diz que a greve foi uma "aventura". Apesar de não se arrepender da participação no movimento, acha que o melhor era "não ter feito aquela greve".
Os jornais não deixaram de circular durante a greve, que teve como consequência dezenas de demissõs. Porgramas de TV não deixaram de ir ao ar.
Alguns avaliam que os patrões - ao manter as publicações mesmo com mais da metade da categoria parada - perceberam que as redações estavam inchadas. Partiram para cortes sucessivos, reduzindo os quadros após a greve.Claro que, em muitos casos, as demissões foram retaliação pura e simples.
Lula, há 30 anos:"jornalista tem de começar a se sentir como um trabalhador"
O encarte sobre a histórica greve traz também declarações de Lula sobre os jornalistas. O hoje presidente da República era sindicalista no ABC, e em 1979 compareceu a assembléias dos jornalistas pouco antes da greve.
Veja o que Lula (que hoje diz evitar os jornais pra não sentir "azia") pensava sobre a categoria há 30 anos:
"Jornalista tem de perder a mania de status, tem de começar a se sentir como um trabalhador".
"(...) esse pessoal devia ter consciência do seu papel como jornalista. Se vale a pena ganhar 4 mil, se o salário deveria valer 15, 20 mil. Se vale a pena trabalhar por amor. Isto pra mim é uma bestialidade. Por mais burro que seja um metalúrgico, ele nunca continua trabalhando se encerra o expediente dele (...) e o jornalista por amor trabalha das oito da manhã até meia-noite".
"Será que não há consciência que o dono do Estadão, o dono da Folha, está ganhando aí quatro salárias nas costas dele, que é um só? Então, onde está a consciência que jornalista deveria ter?."
Tudo isso a que Lula se referiu há 30 anos é hoje ainda mais forte. Jornalista não se vê como trabalhador. Muitos acham que esse negócio de reinvindicar é coisa de peão. Eu diria até que, nas últimas décadas essa tendência se acentuou. Ser jornalista virou um símbolo de "status" ainda mais forte do que há 30 anos.
"A Montanha dos Sete Abutres": jornalista pensa que é celebridade
O estudante entra na faculdade com essa idéia na cabeça. Depois, o sujeito encara salário baixo nas redações, condições adversas de trabalho. Mas, o velho modelo segue forte: "não vou brigar, isso não é coisa pra gente como eu".
Os mais antigos, parece, têm mais consciência. Vejam o que diz o Juarez Soares, jornalista esportivo conhecido, que podia se acomodar na condição de "estrela". Ao comentar (no encarte do sindicato) os trinta anos da greve de 79, da qual participou ativamente, Juarez afirma: "jornalista é um tipo metido a intelectual, e intelectual nã faz greve. Quem faz greve e peão. Ainda em tempo: já agora, com muito mais experiência, estou à disposição. Podem contar comigo pra próxima greve".
Em 2006, quando entrei em choque com a direção da TV Globo, por causa da cobertura das eleições, os chefes de Redação queriam que nós, jornalistas, assinássemos um abaixo-assinado defendendo a cobertura da Globo, que fora atacada em reportagem da revista "CartaCapital". Eu e outros colegas nos recusamos a assinar. Fomos minoria ínfima!
Quando saí da TV, alguns dias depois, escrevi uma carta aos colegas, em que tratava de vários pontos. Era uma carta interna que, contra minha vontade, circulou pela internet e tornou-se pública. Nela, eu explicava porque me parecia absurdo defender a posição da empresa num abaixo-asinado:
"Respeito os colegas que assinaram. Alguns assinaram por medo, outros por convicção. Mas, o fato é que foi um abaixo-assinado em defesa da Globo, apresentado por chefes!
Pensem bem. Imaginem a seguinte hipótese: a revista “Quatro Rodas” dá matéria falando mal da suspensão de um carro da Volkswagen, acusando a empresa de deliberadamente não tomar conhecimento dos problemas. Aí, como resposta, os diretores da Volks têm a brilhante idéia de pedir aos metalúrgicos pra assinar um manifesto em defesa da empresa! O que vocês acham? Os metalúrgicos mandariam a direção da fábrica catar coquinho em Berlim!
Aqui, na Globo, muitos preferiram assinar. Por isso, talvez, tenhamos um metalúrgico na Presidência da República, enquanto os jornalistas ficaram falando sozinhos nessa eleição…"
Como diria o Lula, há 30 anos, fazer abaixo-assinado pra defender o patrão é uma "bestialidade". Mas, há muitabgente que age e pensa como se fosse sócia dos Marinho, dos Frias...
Com diz um bom amigo que também saiu da Globo depois das eleições de 2006: "vendo só minha força de trabalho; eles acham que podem comprar meu cérebro, mas esse custa mais caro".
http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/lula-e-a-greve-dos-jornalistas-mania-de-status
Fonte:blog Beatrice
Nenhum comentário:
Postar um comentário