por cristiano
Em função do talento de seus integrantes, o jornal driblava a ditadura com criatividade e revolucionava a maneira de se produzir informação.
Leandro Uchoas,
Rio de Janeiro
Em 1969 o Brasil mergulhava em um dos mais negros períodos de sua história, marcado pela repressão mais covarde da ditadura civil-militar (1964-1985). Contraditoriamente, surgia no país uma das mais incríveis expressões de criatividade, humor, informação e combatividade, a publicação independente: O Pasquim. Nessa terça-feira (23), um jantar no Bar Lagoa marcou os quarenta anos do lançamento do projeto que redesenhou a imprensa e o humor brasileiros, e ajudou a derrubar o regime golpista.
No festivo jantar, foram lançados o terceiro volume do livro “Antologia do Pasquim”, e “Pasquim 40 anos”, da editora carioca Desiderata. O primeiro conta com 50 edições da publicação, de 1973 a 1974. No segundo, quarenta capas de O Pasquim, escolhidas a dedo, foram compiladas, com textos inéditos de Millôr Fernandes, Chico Caruso, Jaguar e Sérgio Augusto. O evento contou com a presença de inúmeros artistas, políticos e jornalistas – incluindo os de veículos que cresceram a partir da conivência com a ditadura, tão combatida pela publicação.
“O Pasquim foi importante não só politicamente ao, por exemplo, liderar a campanha pela anistia. Também renovou a linguagem jornalística, e influenciou toda a geração que veio em seguida”, comenta o cartunista Nani. “Foi ele que trouxe a palavra ecologia ao Brasil, e começou a criar o sentimento de preservação ecológica”, completou.
Tornou-se lugar-comum lembrar a frase de Millôr, de que se o jornal durasse três meses, não seria independente. Durou muito mais, muito em função do talento de seus integrantes, que com criatividade driblavam a ditadura e revolucionavam a maneira de se produzir informação. Buscavam um humor refinado e combativo. “Era uma coisa de momento histórico. Não era só a qualidade dos integrantes que impressionava, mas dos entrevistados também. A gente tinha o Chico Buarque e o Vinicius de Moraes dando entrevista. A época era outra” lembra Sérgio Augusto, responsável pela seleção dos textos dos livros lançados.
Sobre o motivo do sucesso da publicação, há certa unanimidade de que não bastou a reunião de talentos numa redação. A maioria remete às circunstancias históricas o sucesso de O Pasquim. “O Brasil estava precisando de um Pasquim. As circunstâncias é a história que cria. Se você reunisse quatro jovens como os Beatles, hoje, eles não fariam tanto sucesso”, comparou Ziraldo.
Os ex-integrantes de O Pasquim comentaram sobre a pouca combatividade da mídia contemporânea com a mesma ironia presente nos textos que produziam. Citaram como causas a ausência de um inimigo claro, como a ditadura, e a cooptação ideológica, entre outras. “A essência do humor é a liberdade. Hoje existe um outro tipo de censura, a do politicamente correto”, acusou Nani.
Quando perguntados sobre possíveis seguidores no cenário midiático atual, pouco se citou. O programa Casseta e Planeta teria surgido de uma publicação semelhante, mas não seria o melhor exemplo de humor combativo. “Você imaginou alguma vez O Pasquim na Globo?”, perguntou Sergio Augusto. O programa CQC, da TV Bandeirantes, foi muitas vezes comparado ao Pasquim, e elogiado por muitos como uma tentativa de se fazer humor com crítica ao cenário político, sem apequenar a inteligência do espectador.
“Acho difícil comparar. É claro que temos a ironia refinada, o enfoque político. Mas eles eram mais corajosos, enfrentavam a ditadura. E fazer jornal é muito mais difícil. A gente pode gravar e editar depois”, comentou Felipe Andreoli, repórter do CQC que cobria o jantar. O clima de festa seguiu por horas, regado a reencontros emocionados e muito chopp. “Precisávamos de três dias para comemorar isso”, resumiu uma fã de Ziraldo antes de conseguir dele uma foto.
Fonte:Agência Brasil de Fato.
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