Claudio Weber Abramo deve tomar cuidado com a imagem da ong Trasnsparência Brasil. Um dos trunfos desta organização é seu apartidarismo e sua isenção, na tentativa de prestar um serviço ao país, disponibilizando, analisando e explicando dados sobre o funcionamento do Estado, nem sempre fáceis de serem conseguidos e compreendidos pelo cidadão comum.
Se Abramo rever o programa Globo News Painel levado ao ar ontem (sábado, 27 de junho) perceberá por exemplo que uma das suas falas foi cortada, de forma tão grosseira que uma frase ficou pela metade.
E por que fariam isso? Pelo simples fato de que ele cometeu o pecado de sugerir a relativização de algumas acusações feitas contra Lula pelos convidados, e levantadas pelo jornalista.
Um roteiro viciado
No programa, mediado pelo pouco imparcial Willian Waack (que geralmente vocaliza as posições de Ali Kamel no Jornal da Globo), estavam, além de Abramo, o sociólogo e cientista político Bolivar Lamounier, ligado ao PSDB, e o historiador "do" governo de São Paulo, Marco Antonio Villa, da Ufscar (que a legenda insistiu em transformar em "Uniscar"), que, ao lado de Demétrio Magnoli, vem sendo "o especialista" usado para legitimação das posições políticas da grande mídia.
Quem assistiu ao programa viu algumas teses fabulosas serem levantadas:
1. Lula é o culpado pelo aumento da violência escolar.
2. Lula é o culpado pelo aumento do uso de drogas.
Sempre direcionado por Willian Waack, o debate montado para discutir "a crise ética na política brasileira" ou, numa paráfrase constantemente repetida pelo jornalista, "a crise de valores da sociedade", foi um espetáculo de propaganda anti-lulista.
Ora, não é preciso dizer que a política precisa de melhorias urgentes, mas nunca foi diferente do que é hoje, e a complexidade do teatro político não pode ser avaliada a partir de considerações simplistas.
Não se aprofundou, por exemplo, a questão levantada por Abramo de que o Executivo Federal pode negociar 30 mil indicações e governos de estados como São Paulo trabalham com uma margem de manobra na ordem de 20 mil "contratados". O que, segundo o próprio Abramo, é um campo amplo para "negociações" pouco afeitas ao espírito público.
Mas o pecado de Abramo para ver seu tema abortado foi ter levantado uma questão que atinge ao país como um todo e que é "interessadamente" ignorado por todos os partidos. Enfatizemos: "todos".
Há uma diferença entre a crítica moralista e a análise crítica. A moralista faz julgamento de caráter, geralmente ocultando o que há de podre nos que criticam (por exemplo, no tema citado acima, as denúncias sobre "aparelhamento", praticado tambem pelos que denunciam). A boa análise leva em consideração a tal complexidade e propõe medidas efetivas.
Abramo propôs um tema sério. Os outros preferiram brincar de moralistas.
O historiador e o sociólogo estabeleceram inúmeros rodeios para dizer que "o chefe do Executivo" é o grande culpado pela "crise" do país. Especialistas que teriam capacidade suficiente, se o emocionalismo partidário não lhes confiscasse a razão teórica, de saber os fundamentos históricos e sociológicos dos processos políticos, que a mídia chama de "crise".
É evidente que as críticas são sempre bem-vindas, a qualquer que seja a esfera de poder. Lula não é inimputável e comete erros lamentáveis para quem esperava dele maior rigor ético. Isso não deixou de ser ressaltado por Abramo, de forma precisa.
Mas as simplificações são um desserviço para o país. A população merece debates sérios, com avaliações técnicas, conceituais e imparciais.
É a isso que a Transparência Brasil se propõe. Mas não era esta a proposta do programa, conduzido por Willian Waack, que não faz questão, inclusive, de esconder seu preconceito de classe.
Preconceito e falta de rigor
Numa das perguntas, ele sugere que "eleitores mais pobres" (traduzindo: para ele, a "os eleitores de Lula") são mais carentes de rigor ético, atribuindo a questão a um "tema clássico da ciência política".
Ora, poderiamos perguntar a ele porque os eleitores da classe média elegem figuras como Quércia, Maluf e etc (ou será que alguém acredita que só a periferia paulista gosta destes dois personagens?); e porque países com alto grau de educação formal são capazes de eleger Berlusconi ou com alta renda, capazes de conduzir por duas vezes Bush ao poder.
Neste tema, o que não se sustenta na realidade é apenas expressão preconceituosa, e por sê-la, daninha para a sociedade. Não se espera de um jornalista que seja um reprodutor de preconceitos.
Depois de propor a subtemática "qual a participação do chefe do Executivo nisso", Waak faz duas associações estarrecedoras para quem exige um mínimo de racionalidade de jornalista que conduz um programa como este: pergunta - para receber a resposta afirmativa, lógico - se "a crise ética atual" e "a perda dos valores" (leia-se: cujo fator preponderante seria evidentemente o governo Lula) não é uma possível causa do aumento da violência escolar...
Alerte-se ao leitor que a violência escolar é tema de estudos detidos, boa parte deles levando em consideração o fato de que é um fenômeno que transcende a sociedade brasileira, e que tem a ver com a crise institucional diante de novos modos de sociabilidade.
Vincular - ainda que apenas em forma de "afirmação sugerida" - "violência escolar" com "frouxidão do Executivo em assegurar os valores" é simplesmente uma brincadeira de fazer jornalismo, comprometedora para qualquer iniciante na carreira.
Como se não bastasse, num outro momento, o mesmo Waack sugeriria que o resultado das pesquisas da ONU que mostram o aumento de uso de drogas no país, nos últimos três anos, poderia ser "um sintoma da crise de valores" (leia-se "do resultado da política praticada por Lula").
Willian Waack brinca com temas delicados; é pouco sensível ao fato de que seus telespectadores não são idiotas (os "Romer Simpsons" de William Bonner); transforma seu jornalismo em assessoria de imprensa partidária; faz-se um agregado de Ali Kamel na Globo para assuntos especiais; coloca em dúvida seu rigor deontológico de não viciar discussões; e prejudica a sociedade na medida em que simplifica assuntos que mereceriam ser tratados com sensibilidade e rigor.
Claudio Abramo participou deste teatro. Não era sua intenção, possivelmente, dar voz a um roteiro tão viciado. Viveu, como naquele programa de tevê, um dia de Bruno Mazzeo.
Deve pensar melhor na próxima vez, para não acabar pondo a seriíssima Transparência Brasil a serviço de interesses um tanto quanto opacos.
E de preferência deve tentar recuperar e divulgar no seu site a parte censurada de sua intervenção. Censura que jamais esperaríamos de mestres jornalistas, como o velho Abramo, pai dele.
Fonte:Luis Nassif online
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