Por Mauro Santayana
Em de 5 de agosto de 1929 – há 81 anos – a Câmara dos Deputados realizou a mais memorável sessão parlamentar da nossa história republicana, não só pelo aceso dos debates mas também pela qualidade intelectual e autoridade política dos oradores. Tivemos outros confrontos parlamentares graves, como o da noite de 11 de novembro de 1955 (quando da tentativa de golpe contra a posse de Juscelino) e o das últimas horas do governo João Goulart, nos dias 1º e 2 de abril de 1964 – mas nenhum deles na mesma altura. A Revolução de 30 se anunciou ali, antes mesmo da criação oficial da Aliança Liberal, nos discursos do arrojado gaúcho João Neves da Fontoura e do moderado mineiro José Bonifácio de Andrada. José Bonifácio explicou a posição de Minas como coerente: os mineiros não admitiam que a sucessão fosse decidida como imposição do presidente no cargo, sem ouvir devidamente as forças políticas dos estados. Por isso haviam vetado, antes, entre outras, as candidaturas de Bernardino de Campos, em 1906, e Pinheiro Machado, para a sucessão de Hermes da Fonseca, entre outras.
João Neves não se encontrava bem de saúde, naqueles dias, mas entendera como um desaforo ao Rio Grande o veto de Washington Luís à candidatura de Vargas, proposta por Minas, e compareceu à histórica sessão. Naquele momento, só as bancadas de Minas, do Rio Grande do Sul e da Paraíba, com o apoio de algumas personalidades pernambucanas – como Epitácio Pessoa – se insurgiam contra o poderoso presidente da República. João Neves vai fundo em seu raciocínio, ao profetizar a solução armada para o conflito político, em raciocínio cortado pelos apartes:
“Vou agora, senhor presidente, levantar a ponta do véu e provar ao país que, se nos encaminhamos amanhã para o prélio aceso das urnas e, quiçá, mais tarde para o prélio terrível das armas...”.
O tumulto se seguiu, com João Neves sendo acusado de pregar a solução armada para o problema político. Pouco a pouco, o orador voltou a dominar o plenário. Entre os seus objetivos estava o de rechaçar a proposta de conciliação de Washington Luís: a de oferecer a Getulio Vargas a candidatura a vice-presidente de Júlio Prestes. Diante da provocação do assunto, por Baptista Luzardo, João Neves é incisivo: o Rio Grande não aceitaria a posição subalterna que São Paulo lhe oferecia. E toca fundo no sentimento mineiro:
“Minas pacífica, Minas vitoriosa, Minas vilipendiada por aqueles que assoalhavam nas esquinas a sua iminente divisão, respondeu numa unanimidade esmagadora, que é o primeiro marco da vitória liberal”.
E, mais adiante, reforça o propósito da resistência:
“O chefe do Executivo quis, com uma simples ordem, cancelar todos os expoentes da política brasileira, anular o poder dos estados dissidentes, simplificar o problema sucessório na pessoa de um só homem, como se a pátria fosse um deserto de incapazes, e, entre 40 milhões de brasileiros (a população da época), só houvesse um único continuador para a sua obra”.
A Aliança Liberal, organizada para disputar a Presidência, se formou nas semanas seguintes, e se oficializou em convenção nacional, com a presença de delegados de todos os estados brasileiros, em 20 de setembro.
Iniciava-se o movimento que tem sido interrompido pela reação conservadora em episódios conhecidos: a contrarrevolução paulista de 32, o inevitável Estado Novo, a conspiração e a morte de Getulio, em 54, o golpe contra Jango, em 1964, o AI-5 de 1968.
(Continua)
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