terça-feira, 9 de agosto de 2011

ANOS DE CHUMBO - A Comissão da Mentira.

Sebastião Nery

Uma historia. “A denúncia apresentada em 1965 pelo promotor de justiça da Auditoria da 5ª Região Militar, em Curitiba (contra os jornalistas da sucursal da “Ultima Hora”) previa para cada acusado a reclusão de 19 anos, no grau mínimo, até 41 anos, no máximo. No conjunto, pesava sobre as cabeças de todos a soma de penas que poderia chegar a 880 (oitocentos e oitenta) anos!”.

“O julgamento dos processos criminais era feito por um colegiado de quatro militares e um magistrado civil. A sentença era colhida em sala secreta sem a presença de réus e defensores. No caso dos jornalistas da “Última Hora” do Paraná, a denúncia imputava-lhes graves delitos contra a segurança nacional e as instituições militares”.

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“ULTIMA HORA”

“José Augusto Ribeiro, Sylvio Back, Milton Cavalcanti, Cícero do Amaral Catani, Adherbal Fortes de Sá Júnior, Newton Stadler de Souza, Walmor Marcelino, Luiz Geraldo Mazza, Milton Ivan Heller, Peri Tibiriçá de Oliveira, Carlos Eduardo de Oliveira Fleury, Clovis Stadler de Souza, Ronald Osti Pereira, Carlos Augusto Cavalcanti Albuquerque, Edésio Franco Passos, Jairo Régis e outros “réus”, como o líder comunista Agliberto Vieira de Azevedo, o livreiro Aristides Vinholes e o gráfico Orlando Ceccon, foram acusados de tentar mudar a ordem política e social”.

“Felizmente, um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal arquivou o processo dos “inimigos da Pátria” e os libertou do pesadelo que lhes prometia quase um milênio de cárcere”.

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GUERREIRO RAMOS

Outra historia. “Alberto Guerreiro Ramos, grande sociólogo brasileiro, foi meu professor na University of Southern Califórnia e, certa vez, contou a nós, seus alunos brasileiros, uma história a respeito da cassação de seus direitos políticos em 1964, com um misto de perplexidade divertida e amargura resignada”.

“Guerreiro era uma pessoa teatral, um causeur por natureza. Um sábado, estava na Livraria José Olympio, ponto de encontro de intelectuais no Rio de Janeiro, quando entra o Marechal Castello Branco, presidente da República. O presidente havia sido aluno de Guerreiro Ramos em um curso de sociologia política e cumprimentou-o afetuosamente. Guerreiro, também afetuosamente, retribuiu o cumprimento e, na conversa que se seguiu, disse ao primeiro presidente do regime militar não entender a razão de sua cassação, pois se a direita o rotulava de comunista por ter ajudado a criar o ISEB, centro do pensamento de esquerda nos anos cinquenta (Carlos Lacerda o chamava de sociólogo de Alzira Vargas), a esquerda também o detestava. Afinal, ele rompera com o mesmo ISEB e vivia às turras com o sindicalismo populista de João Goulart. Castello ouviu em silêncio”.

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CASTELO BRANCO

“Dias depois, Guerreiro ouve a campainha de seu apartamento soar. “Atendi à porta e vejo um senhor com roupas civis mas empertigado:

- “Professor Guerreiro Ramos?”

- “Sim”, respondi sobressaltado”.

- “Sou coronel do Conselho de Segurança e estou aqui em uma missão que me foi confiada pessoalmente pelo presidente Castello Branco”.

“O coronel entra e lhe explica que vai mostrar sua ficha nos órgãos de segurança, desde que ele se comprometesse a absoluto sigilo sobre sua visita. “Concordei com a condição e o coronel me estende uma ficha de cartolina. Trêmulo de emoção, pego-a” – continua teatralmente Guerreiro – “e acho estranho que haja apenas uma linha datilografada, muito pouco para alguém com a minha militância intelectual e política. Leio:

- “Ramos, ponto. Alberto Guerreiro vírgula, baiano vírgula, mulato vírgula, metido a sociólogo ponto”.

“Olhando para nós com um ar zombeteiro, Guerreiro dá uma gargalhada: – “Eu citado por Protikin Sorokim como um dos maiores sociólogos contemporâneos em todo o mundo, eu que tive artigos publicados nas melhores revistas internacionais de sociologia, sou reduzido à condição de um mulatinho baiano metido a sociólogo!”

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DOTTI E BELMIRO

Essas historias estão em um saboroso livro dos grandes advogados e mestres René Ariel Dotti, da Universidade Federal do Paraná, e Belmiro Valverde, da PUC do Paraná : “ Crônicas Politicamente Inconvenientes”.

São atualíssimas, quando se discute a criação da “Comissão da Verdade”, para apurar os crimes do golpe e da ditadura de 1964. Os golpistas sempre disseram que a violência começou porque a juventude se levantou na Luta Armada, em 1968, para resistir. A verdade da Historia é que a violência veio dos militares, desbragada, gratuita, desnecessária, e começou logo em 1964, contra milhares de brasileiros, eu inclusive.

Em vez de “Comissão da Verdade” devia ser “Comissão da Mentira”.
Fonte: Tribuna da Internet.

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