A Igreja tem, e sempre teve, uma relação complexa com a riqueza; às vezes, ela se manchou com essa relação. A mensagem que vem do Vaticano agora requer um senso de vigilância intensificado em toda a Igreja.
Publicamos aqui o editorial da revista católica britânica The Tablet, 09-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A Santa Sé identificou um novo inimigo público – o especulador. Em declarações aos delegados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e a Alimentação (FAO), com sede em Roma, o Papa Bento se referiu à forma como os alimentos se tornaram uma commodity que é agora negociada sem levar em conta as necessidades dos famintos do mundo.
"Como podemos ignorar o fato de que os alimentos se tornaram um objeto de especulação ou estão ligados a movimentos em um mercado financeiro que, sem regras claras e princípios morais, parece ancorado no único objetivo do lucro?", perguntou. O uso dos alimentos como uma mercadoria que pode ser comprada e vendida nos mercados internacionais é amplamente o culpado pela explosão dos preços dos alimentos mundiais e a rápida expansão do número de pessoas de todo o mundo sem o suficiente para comer. Os alimentos, às vezes, são acumulados apenas para forçar o aumento dos preços.
Mas uma acusação mais ampla contra a especulação financeira foi pronunciada pelo secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Tarcisio Bertone, em um encontro promovido pelo Pontifício Conselho "Justiça e Paz". O cardeal disse que um bom líder de negócios não é um especulador, mas sim um inovador. "O especulador assume como seu objetivo maximizar o lucro; para ele, os negócios são apenas um meio para um fim, e esse fim é o lucro. Para o especulador, construir estradas e estabelecer hospitais ou escolas não é o objetivo, mas meramente um meio para a meta do lucro máximo. Deve ficar imediatamente claro que o especulador não é o modelo de líder de negócios que a Igreja sustenta como um agente e um construtor do bem comum".
Tanto as declarações do cardeal quanto do papa estão entre os sinais recentes de que o Vaticano quer desempenhar um papel mais proativo na promoção da Doutrina Social da Igreja, ao invés de se confiar na publicação de novas encíclicas sociais a cada década ou duas, com longos períodos de silêncio entre elas.
No outono europeu passado, o Pontifício Conselho "Justiça e Paz" organizou um simpósio no Vaticano, juntamente com o projeto True Wealth of Nations, com sede nos EUA, sobre a aplicação da encíclica Caritas in Veritate, do Papa Bento XVI, nos Estados Unidos.
Na Inglaterra e no País de Gales, a Conferência dos Bispos embarcou em um programa prolongado de eventos para "aprofundar o engajamento social" da Igreja, que o Vaticano está claramente encorajando. O discurso do cardeal Bertone ofereceu pouco conforto para os homens de negócios que satisfazem suas consciências engajando-se em atos de filantropia, embora generosos, ou que simplesmente garantem que suas práticas de negócios são socialmente responsáveis. Ele os desafiou a mirar mais alto: a dirigir sua criatividade para "desafios acima e além da economia e do mercado".
Especificamente, ele mencionou medidas para trazer as pessoas marginalizadas para a atividade econômica, destacando que há "países inteiros com um grande número de jovens e com poucos empregos". E convocou os líderes de negócios com uma consciência social a "ver seu trabalho como parte de um novo contrato social com o público e com a sociedade civil".
A Igreja tem, e sempre teve, uma relação complexa com a riqueza; às vezes, ela se manchou com essa relação. A mensagem que vem do Vaticano agora requer um senso de vigilância intensificado em toda a Igreja. Ao aceitar ofertas de doações filantrópicas, ela não deve comprometer sua própria integridade. Os especuladores podem fazer pressão com o seu dinheiro. Eles devem saber que, assim, seus dons não inaceitáveis.
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