sábado, 6 de agosto de 2011

POLÍTICA - Jobim, sem açucar e sem afagos.

Do site Terra Magazine.

Vitor Hugo Soares
De Salvador (BA)


Aparentemente cansada do jogo de gata e rato com o ministro da Defesa de seu governo, a presidente Dilma Rousseff jogou Nelson Jobim no mar, sem açúcar e sem afeto. Nem ligou para as orientações clássicas do genial Walt Disney nas narrativas animadas das historias dos conflitos entre Tom&Jerry - drásticas às vezes, mas sempre divertidas - para dar um fim na complicada trama política e de egos que já abria furos e começava a fazer água na nau do poder no Palácio do Planalto.

Dilma, a bem da verdade, optou por método próprio para livrar-se de um dos maiores estorvos ao exercício do mando até aqui. Apelou para ação cirúrgica sem anestesia, técnica aprendida provavelmente nos turbulentos tempos da guerrilha contra a ditadura. Tudo ainda em fase de testes no governo, mas já se transforma em marca e começa a fazer história na República brasileira.

Ontem, por exemplo, ao desembarcar em Salvador para rápida e trepidante "agenda positiva" de encontros, visitas e inaugurações na Bahia e Pernambuco - Estados onde as pesquisas de imagem lhe dão sempre os percentuais mais positivos - Dilma Rousseff não conseguia disfarçar o ar que misturava alívio e satisfação diante dos resultados menos de 24 horas depois da mais recente aplicação de seu método na nova operação que acaba de realizar.

Na passagem pela capital baiana no começo da tarde de ontem, a imagem que a presidente transmitia era bastante diferente, por exemplo, em relação à retratada no começo da semana pelo premiado desenhista cubano Osmani Simanca, publicada na edição de terça-feira (2) do jornal baiano A Tarde. Portanto, um dia depois do ministro da Defesa ter-se derramado em explicações e elogios "à maravilhosa presidente Dilma", na entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura.

Isso logo em seguida à constrangedora e extemporânea declaração de voto no tucano José Serra na eleição de 2010, vencida pela petista Dilma. Além de revelações efusivas sobre as maravilhas da convivência sempre afetuosa e cheia de "afagos" com o ex-presidente FHC, feitas na entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, da UOL/Folha.

Na charge genial de Simanca, publicada dois dias antes do pote derramar em Brasília, a presidente Dilma Rousseff, com rosto enfezado de quem ouviu e não gostou, entra de surpresa na sala onde Jobim, o ministro, está sentado diante de um piano. Calçado de botas e metido em uniforme de camuflagem das Forças Armadas, dedilha melodias.

Ao perceber a inesperada presença da presidente às suas costas com cara de poucos amigos, o pianista puxa o samba famoso e universal do outro Jobim: "Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça"...

Tudo poderia ter parado aí. Um perdão mesmo que temporário - a pedido do ex-presidente Lula, padrinho dos dois - e o fisicamente grandalhão ministro Jobim faria esforço para acomodar seu ego ainda maior no território de poder e prestígio cada vez mais reduzido no novo desenho da fechada roda das decisões que efetivamente importam no Planalto.

E assim permaneceria no governo antes de se mudar a mobília para São Paulo, ano que vem, depois da aposentadoria da mulher, como o ministro da Defesa repetia antes de efetuar cada novo disparo de sua metralhadora giratória de fogo amigo, no delicado e perigoso do jogo de morde e assopra ao qual Jobim se dedicava ultimamente.

Veio então o estouro com a divulgação antecipada do conteúdo das declarações à revista "piauí", que o ministro escondera da presidente na conversa de "conciliação" dias antes. A publicação chegou ontem às bancas do País, quando Jobim já se tornara ex.

Neste novo ataque o ministro da Defesa dirigiu suas baterias para o interior do governo Dilma, apresentado como reduto de "muita trapalhada"; a ministra Ideli " é bem fraquinha" e Gleisi, poderosa da Casa Civil, nem conhece direito Brasília. Nem vale repetir o resto, pois todo mundo já sabe.

Faltava a vingança para a ofensa. Esta veio nos moldes dos melhores manuais do gênero. Um avião a jato foi mandado ao Amazonas onde estava o ministro na quinta-feira e ele foi trazido a Brasília para o ato final de humilhação pública, que guarda notáveis semelhanças com emparedamento de Fortunato, vaidoso personagem do conto "O Barril de Amontillado", um clássico sobre vingança escrito pelo mestre Edgar Alan Poe.

Vale a pena reproduzir aqui a abertura do conto. Pela maravilha que é o texto em si e pela emblemática atualidade de seu conteúdo:

"Suportei o melhor que pude as mil e uma injúrias de Fortunato; mas quando começou a entrar pelo insulto, jurei vingança. Vós, que tão bem conheceis a natureza da minha índole, não ireis supor que me limitei a ameaçar. Acabaria por vingar-me; isto era ponto definitivamente assente, e a própria determinação com que o decidi afastava toda e qualquer ideia de risco. Devia não só castigar, mas castigar ficando impune. Um agravo não é vingado quando a vingança surpreende o vingador. E fica igualmente por vingar quando o vingador não consegue fazer-se reconhecer como tal àquele que o ofendeu".

Mais não digo para não quebrar o prazer da leitura de um dos mais notáveis escritos sobre a vingança na literatura mundial. "O Barril de Amontillado" devia ser recomendado como leitura obrigatória para ministros, aliados, opositores e quem mais deseje compreender melhor a presidente Dilma e seu governo. Confiram e boa leitura.

Vitor Hugo Soares

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