Duas situações – uma, internacional, outra, em nosso país – trazem-nos a sensação angustiosa de que os homens perderam a sua essência moral e retornam velozmente à idade do instinto dos répteis; enfim, desumanizam-se.
Mauro Santayana
Duas situações – uma, internacional, outra, em nosso país – trazem-nos a sensação angustiosa de que os homens perderam a sua essência moral e retornam velozmente à idade do instinto dos répteis; enfim, desumanizam-se. Prepara-se, sem quaisquer disfarces, a guerra contra o Irã. Não basta o que se faz no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Palestina.
Os belicosos de Israel, com o apoio da Grã Bretanha e da França, e o estímulo dissimulado de Washington, acreditam que lhes será possível atacar impunemente as supostas instalações nucleares da velha Pérsia.
Em lugar da retirada – inglória – do Iraque e do Afeganistão, já anunciada, o que se vislumbra é a ampliação do conflito.
Como em todas as aventuras militares, sabe-se como esta se iniciará, com o bombardeio de alvos no Irã – mas não se sabe como acabará.
Se não prevalecer o bom-senso em Tel-Aviv, podemos aguardar nova tragédia, se não formos arrastados a uma Grande Guerra Euroasiática, da qual poderemos escapar na América Latina, se a estupidez não nos contaminar.
Há dias houve sinais de esperança com a troca de prisioneiros entre Israel e o Hammas. Essa esperança durou menos do que algumas horas, com a decisão de Netanyahu de construir nova colônia em território alheio, como represália à decisão da UNESCO - pela maioria esmagadora de votos - de reconhecer o Estado da Palestina.
Como se isso não bastasse, trata agora o governo extremista de Israel de preparar o bombardeio contra o Irã, com a presunção de que continuará impune, como tem ocorrido ao longo desses 63 anos de existência do estado judaico.
É uma pena que os governantes de Israel dessirvam a memória de um povo que se destacou na crônica de nossa civilização com as manifestações da inteligência, das artes e do humanismo.
É uma lástima que os judeus sensatos, de Israel e do mundo inteiro, não consigam que seu governo aceite o convívio com o vizinho.
Todas as explicações de Israel não desmentem a realidade de que os palestinos têm sido submetidos, nestas décadas, à humilhação e à opressão.
Expulsos de suas terras familiares, confinados em espaços cada vez menores, submetidos ao racionamento de água e ao bloqueio comercial, os palestinos se tornaram os párias de nosso tempo.
A insensatez chega agora a nova aventura bélica, contra um povo muito mais numeroso, com forças militares preparadas, e que, em uma escalada bélica, poderá construir aliança com potências de primeira grandeza – ainda que não tenham bombas atômicas como os agressores.
Será um conflito do qual dificilmente Israel sairá sem perdas políticas e humanas consideráveis. Isso, na melhor hipótese.
A outra manifestação de ódio é a que se registra, aqui no Brasil, contra Lula, no momento em que o ex-presidente passa pela hora mais difícil de sua vida, ao enfrentar a doença que já atingiu dramaticamente a própria família.
É doloroso que, entre os que se excitam com seu sofrimento se encontrem pessoas das quais se poderia esperar o mínimo de entendimento do mundo.
A internet se tornou, nesses dias, o repositório das frases mais repulsivas.
Felizmente essa fúria dos covardes tem encontrado a repulsa de todo o povo brasileiro – já que eles, pelo seu comportamento, se excluem da comunidade nacional.
É possível divergir de Lula, de seu governo, de seu partido, de suas idéias.
Mas não se trata de Lula, o político, o alvo dessas manifestações de ódio.
Não se odeia o ex-presidente da República. Odeia-se o menino de Pernambuco que arrombou as portas da História e, em nome do povo mais humilhado e vilipendiado do país, assumiu o governo e colocou o país entre as nações mais respeitadas de nosso tempo.
Enfim, e para não perder a razão das coisas, é uma questão de classe. Só isso.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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