A miséria os açoitam. Ao meio-dia e à noite, centenas de pessoas fazem fila para receber uma mísera ração de alimentos disposta num recipiente de plástico: uma porção de purê e uma coca-cola light como único consolo.
A reportagem é de Eduardo Febbro e está publicada no jornal Página/12, 05-02-2012. A tradução é do Cepat.
As negociações em curso com o lobby bancário internacional estão em ponto morto. Os gregos estão convencidos de que seu país é a vanguarda de um movimento mundial que envolverá o mundo inteiro: a Grécia é uma terra onde se ensaiam as receitas que o liberalismo empregará quando houver crises semelhantes em outras partes. O município de Atenas é o cenário onde se desvelam as imagens do abismo grego. A praça Omonia, a dois passos da prefeitura, já é um prelúdio da miséria que assola o país. O que vem depois será pior. Ao meio-dia e à noite, centenas de pessoas fazem fila para receber uma mísera ração de alimentos disposta num recipiente de plástico: uma porção de purê e uma coca-cola light como único consolo. 100, 200, 300, cada dia o número varia, mas cada vez são mais numerosos os desempregados, os jovens com formação e sem trabalho e os que em Atenas são conhecidos como os “novos pobres” e os “iphonistas”. É uma nova classe social, ex-integrantes da burguesia boêmia e endinheirada que perdeu tudo com a crise: “Tudo quer dizer tudo”, conta Kostas, um ex-rico de 36 anos que trabalhava no setor de artigos de luxo e que num abrir e fechar de olhos encontrou-se sem empresa, sem carro, sem dinheiro, sem mulher e sem casa. “Eu fiquei na rua, vendendo bijuterias nos semáforos para poder viver. A única coisa que conservei de minha época luxuosa é o iphone.”
Assim como ele, é uma legião os que formam o segmento dos “novos pobres”. No pátio da prefeitura de Atenas e na própria praça Omonia pode-se imediatamente distingui-los. Entre jovens maltrapilhos, vagabundos, desempregados e anciãos, os novos pobres perambulam com algum sinal distintivo herdado dos anos de riqueza: uma camisa de marca, uma calça, um iphone. “Não há saída. A classe média que surgiu com o dinheiro fácil e o grande consumo artificial caiu no limbo. Como tudo era artificial, quando a fonte se esgotou não sobrou mais que o caminho da rua”, disse Kostas enquanto abre com calma o recipiente de plástico distribuído pelo poder público local. O que ele chama de “el chorro” são os créditos de consumo, os cartões de crédito revolving, os carros de luxo comprados a prazo e com juros mínimos, em suma, tudo isso que se esgotou, mas que deixou várias gerações com dívidas bancárias que já não podem pagar.
Entre os anos de 2000 a 2007, a Grécia atravessou um período de crescimento de mais de 4%. “Porém, a crise de 2008 freou o acesso e a ilusão. Voltamos a um cenário que para muitos dos mais velhos recorda a Segunda Guerra Mundial: a fome, o desemprego. No entanto, agora é pior porque estamos endividados. Se amanhã encontrar trabalho, uma grande parte do que eu ganhar será para reembolsar os créditos”, conta amargurado Iacobos, um ex-funcionário do Ministério da Economia, demitido por conta das medidas de austeridade do ano passado. Ao seu lado, em plena praça, outro grego se soma ao relato de miséria: “Minha situação é, se quiser, melhor. Tenho trabalho, mas o último salário que recebi foi há três meses. A empresa em que trabalho não paga, despediu uma quarta parte do pessoal e o resto sobrevive como pode. Entre receber de pouco a pouco e não ter nada, é melhor viver a conta-gotas”, disse Valentini.
Os atenienses têm a impressão de que caiu sobre eles um castigo em nome de toda a Europa. Pavlos, um jovem estudante que milita na extrema esquerda, disse em voz alta o que muitos gregos pensam em voz baixa: “Somos um laboratório do liberalismo. Governa-nos um tecnocrata que nada conhecia (Lucas Papademos) e que ninguém escolheu, está na frente de uma coalizão formada com a extrema direita e nos chantageia: ou aceitamos o que nos impõe o FMI e os bancos, ou será pior. Puro experimento para torturar os povos e salvar um sistema esgotado”. Pavlos se refere à ameaça do primeiro ministro grego, que passou a dizer que renunciaria caso os três partidos do governo – socialdemocratas, conservadores e a extrema direita do partido Laos – não deem assentimento para que se programem os ajustes exigidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu (BCE).
Os acordos, que implicam uma média de 100 milhões da dívida privada e um novo crédito da UE e do FMI, já estão quase acordados. Só falta o primeiro ministro garantir os votos dos partidos que formaram o governo. Vários deputados desses partidos deram um passo atrás devido ao custo social, por consequência da impopularidade das reformas e ajustes exigidos. “A distância que separa as negociações do bloqueio é muito curta”, disse o ministro grego de Finanças, Evangelos Venizelos. Os principais problemas que bloqueiam o consenso dentro da coalizão são a redução de salários no setor privado e as medidas para diminuir o gasto público. “Se você observar – disse Pavlos – toda a parte técnica já está acertada. Só falta o mais custoso, quer dizer, as medidas contra o povo, os salários e o peso do Estado na sociedade. Querem-nos aniquilar.”
Em Atenas respira-se desesperança. A quantidade de negócios fechados, de restaurantes com as portas abaixadas, lojas com o cartaz “vende-se” pendurado na porta é alucinante. A cidade parece que saiu de uma catástrofe. “Porém apenas entramos nela”, comenta com certa filosofia Kostas: “Faltam-nos muitos anos para voltarmos a ter o mínimo: trabalho e segurança alimentar. Contudo, haverá uma geração e uma classe social que jamais voltará a seu status. O liberalismo extremo nos fez duas coisas sucessivamente: ricos num relâmpago e pobres dentro de semanas.”
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