Do blog do Nassif
O PT precisa se reinventar, urgentemente
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima
Antonio Carlos Granado, Antonio Lassance, Geraldo Accioly, Jefferson Goulart, José Machado e Ronaldo Coutinho Garcia
Precisamos falar sobre o PT
O
partido que enfrentou a ditadura, que contribuiu para a
redemocratização do país, que batalhou incansavelmente pela consagração
de inúmeros direitos sociais, que garantiu a mais drástica e acelerada
redução da desigualdade já vista em nossa história, esse partido está na
lona. Caiu, em parte, pela perseguição implacável a que foi submetido,
em função de golpes desferidos contra muitas de suas lideranças mais
destacadas, contra sua organização e contra sua militância. Mas
despencou, em grande medida, pelo peso de muitos de seus erros, por ter
baixado a guarda em alguns dos atributos que faziam parte de sua própria
identidade e da lógica de sua diferença.
As eleições de 2016 são o desfecho de uma ofensiva da
direita que tem, como um de seus alvos prioritários, trucidar um
instrumento essencial de luta da classe trabalhadora, da democracia e da
inclusão social. É nítido e claro que o PT não está sendo investigado.
Está sendo cassado. A absurda diferença de tratamento entre o que
acontece com algumas lideranças do PT, porque são do PT, e o que não
acontece em relação a políticos de outros partidos demonstra que, mais
uma vez, como em outras tantas circunstâncias históricas, sob o discurso
do combate à corrupção, o que se pavimenta é um combate sem tréguas à
esquerda como um todo para a entrega do país ao que há de mais
retrógrado e mais corrupto.
A
derrota acachapante da esquerda nas eleições de 2016 – salvo raras e
muito honrosas exceções – mostra bem o tipo de país que está sendo
costurado meticulosamente pelas forças da coalizão golpista.
O partido precisa se reinventar, urgentemente
Para
o bem e para o mal, uma parte do PT já não existe mais. Foi dizimada
pelo escândalo do Mensalão, pela Lava Jato, pela debandada de prefeitos e
parlamentares, pelo golpe parlamentar que destituiu a presidenta eleita
e, agora, pelas eleições municipais. É preciso um novo PT,
urgentemente, ou não restará PT algum. Ao lado da defesa intransigente
do Estado democrático de Direito, é preciso fazer uma autocrítica
pública como primeiro passo para recuperar a autoridade moral e a
credibilidade política de um partido que foi fundado sob os signos da
igualdade e da renovação dos costumes políticos. É preciso,
imediatamente, renovar a direção partidária, e renová-la sob novas
bases. Além de eleger um novo presidente e diretório, o PT precisa
reconstruir seu programa, redefinir sua organização e revigorar suas
práticas. O PT precisa se reinventar com a mesma radicalidade com que um
dia ousou disputar os rumos do país sob o impulso dos trabalhadores e
excluídos.
Atualizar o programa democrático e popular
O PT precisa reatar sua vocação de partido dos
trabalhadores, dos assalariados, dos que estão fora do mercado de
trabalho, dos pequenos e médios agricultores e empresários; dos
sem-terra; dos jovens; dos que lutam por moradia, dos que batalham pela
afirmação de sua identidade, dos que querem exercer livremente sua
orientação sexual, dos que lutam por dignidade e por direitos de
cidadania. O programa do partido deve ser fundamentalmente orientado aos
trabalhadores, excluídos e oprimidos, com uma orientação
inequivocamente democrática, humanista, igualitária, libertária.
O PT não é mais, nem que quisesse, o partido capaz de
firmar o pacto social entre as elites e o povo. A começar porque a elite
deste país não quer pacto. Não quer pagar a conta, senão transferi-la
justamente para os mais pobres e a classe média, que são os que
sustentam o Estado brasileiro e as isenções fiscais e benesses de que os
mais ricos desfrutam. A ponte para o futuro de uma parte expressiva da
elite brasileira é um “green card” nos Estados Unidos e uma conta nas
Ilhas Cayman.
O desenvolvimento de um país é diretamente proporcional à
qualidade de sua democracia. Por sua vez, democracia significa o quanto a
representação e a atuação do Estado atendem aos interesses da maioria e
a uma pluralidade de pessoas e opiniões com voz e vez nos processos de
decisão política. Um programa democrático e popular se distingue por
propor mecanismos claros de alargamento da democracia e de
fortalecimento da capacidade de atuação do Estado. Distingue-se também
pelo combate sem tréguas aos grupos políticos e econômicos predatórios
que, recorrentemente, dominam o Executivo, o Legislativo e o Judiciário,
e que engendram instituições perversas, que proporcionam ganhos
restritos a uma ínfima parcela da sociedade, impondo custos sociais
elevados à esmagadora maioria do povo brasileiro.
Redefinir o modelo de partido
Transparência, prestação de contas e democracia participativa
Convenhamos, o partido que defende a transparência, a
prestação de contas e a democracia participativa não é transparente, não
presta contas a seus militantes e deixou sua democracia participativa
em algum lugar do passado. O PT trocou seus antigos espaços de
participação, seu debate formativo e sua discussão programática por
Processos de Eleição Direta (PEDs), pela prioridade eleitoral e por
alianças com a política tradicional.
O PT precisa prestar contas; realizar seu próprio orçamento
participativo; estabelecer regras claras de contratação de funcionários
e de empresas prestadoras de serviço, mediante chamadas públicas; expor
seu planejamento e planos de trabalho a audiências públicas com
participação presencial e pela internet. Precisa criar sua ouvidoria,
que consta do estatuto, mas jamais saiu do papel.
O PT deve se abrir e se expor mais do que nunca para que
não restem dúvidas sobre seus métodos, seus critérios, suas decisões,
seus recursos, sua capacidade de escutar sua militância e seus
simpatizantes e de estar profundamente enraizado na sociedade civil.
Política por vocação
O PT deve se afirmar como um partido em que se faz política
por vocação, e não por profissão. Os eleitos devem se comportar como
servidores públicos conscientes de seu papel e de suas responsabilidades
republicanas. Devem se mostrar sujeitos ao escrutínio não apenas da
máquina partidária, mas de seus eleitores e das organizações populares.
Devem abrir suas contas, expor suas agendas e saber demarcar nitidamente
a fronteira entre o público e o privado.
O PT, definitivamente, não é lugar para políticos
tradicionais. Política não é carreira e político não é profissão. Não é?
Bem, não deveria ser, pelo menos no PT. Se algo está errado, precisa
mudar.
O PT deve abolir os PEDs, voltar a ser um partido de encontros, congressos e, agora, de redes sociais
O PT deve ser um partido conhecido e reconhecido por
discussões de base e eleição de delegados e representantes por bairros e
por coletivos temáticos ou identitários (trabalhadores de diferentes
categorias e estratos, juventude, cultura, esporte, mulheres, LGBT,
rurais, deficientes, transportes, educação, saúde, assistência,
governança e gestão públicas, meio ambiente, moradia, segurança pública,
igualdade racial), com limites e controles rígidos para evitar sua
burocratização e as práticas próprias da política tradicional.
As direções partidárias devem ser expressão de uma
militância e de um debate sobre políticas públicas, e não da aferição de
quem consegue arregimentar e transportar o maior número de filiados. As
novas direções devem expressar o pluralismo de nossa sociedade e o
debate que por lá fervilha. Um partido incapaz de se nutrir da energia
social acaba inevitavelmente apartado da sociedade civil e de suas
lutas.
Deve-se igualmente criar novos mecanismos de participação e
consulta que facilitem a interação virtual e a intervenção nas redes
sociais. O PT precisa ser um partido com freios, contrapesos e controle
social.
Oposição firme e consistente ao governo Temer e reconfiguração da política de alianças
A sociedade deu um recado claro em 2016: está insatisfeita
com os partidos, rechaça a política tradicional e quer o PT na oposição.
O arco de alianças do PT deve ser firmado, de forma clara, com a
orientação de conformar uma frente de oposição ao governo Temer, que se
oponha ao entreguismo, ao reacionarismo e faça a defesa dos
trabalhadores, dos excluídos e dos interesses nacionais.
O PT deveria, terminantemente, rechaçar coligações
eleitorais e composições em governos com os partidos que apoiaram o
golpe e que integram a base oficial ou eventual do governo Temer. Embora
os partidos políticos não sejam monolíticos e possuam clivagens
políticas e regionais importantes – veja-se os casos dos senadores
Roberto Requião, do PMDB, e Lídice da Mata, PSB, assim como de
parlamentares federais da Rede, que perfilaram contra o golpe –, é
fundamental que o PT contribua para o debate político delimitando
claramente seu campo político-ideológico e programático de esquerda.
Diálogos e mesmo acordos em uma ampla frente social e
parlamentar em defesa de direitos sociais, que hoje estão ameaçados, são
essenciais, mas não se confundem com o arco de alianças eleitorais e de
prioridade na interlocução sobre um programa para o país. Esta
prioridade deve estar na relação do PT com o PCdoB, o PDT e com o PSOL.
No caso do PDT, pelo menos enquanto ainda restar ali algum brizolismo –
ou seja, nacionalismo, trabalhismo e defesa do serviço público. No caso
do PSOL, mesmo que ainda haja reticências, plenamente compreensíveis, de
uma aproximação com o PT, é preciso tomar a iniciativa do gesto pelo
reatamento de laços.
As grandes batalhas perdidas no Congresso e no Judiciário
foram, antes, perdidas nas ruas. O desgaste do partido é crítico, mas a
decepção generalizada com a política enquanto instrumento de mudança
social é grave. Retomar a confiança social na política e na democracia
requer persuasão, interlocução com amplos setores da sociedade e um
longo trabalho de base. O cerne dessa tarefa implica em consolidar a
Frente Brasil Popular e estreitar o diálogo com as novas frentes de luta
que surgem pelo país, com grande vitalidade, como o Povo Sem Medo e o
Levante da Juventude. Lá se forjam ideias, estratégias de luta e uma
nova geração de militantes sociais que deve tomar conta das ruas e
desaguar com maior força na política nacional. Ao PT e aos demais
partidos de esquerda cabe não apenas torcer para que isso aconteça, mas
orientar-se programática e organizativamente nesse sentido. Movimentos
sociais fortes e organizações e partidos políticos fortes não são
incompatíveis; antes, são um imperativo da democracia.
Em suma, o PT precisa assimilar que, doravante, a luta
política requer a conformação de uma frente ampla que congregue partidos
políticos, organizações e movimentos da sociedade civil e inclusive
cidadãos em torno de bandeiras democráticas e sociais.
Um projeto estratégico para o Brasil
Para
além de um reordenamento organizativo e de uma reorientação política,
para completar o desafio de se reinventar, o PT precisa investir
decisivamente na reformulação de um projeto estratégico para o Brasil. A
experiência de governo com medidas desenvolvimentistas e as políticas
públicas de inclusão social conformaram um patrimônio valioso, mas
rigorosamente insuficiente em um cenário econômico de primazia e
internacionalização do capital financeiro, de dependência do boom das commodities, de declínio mundial do Estado do bem-estar e de diminuição do emprego como forma de integração social.
Um partido vocacionado para o poder não pode ignorar agenda
tão complexa, que ainda abarca as mutações do sistema político, o peso e
o lugar de instituições como o Ministério Público e o Judiciário, o
papel da mídia e das novas ferramentas de informação e comunicação, a
importância da ciência e da tecnologia, da pesquisa e desenvolvimento,
do pensamento estratégico e de segurança nacional, da preservação e
manejo de recursos naturais estratégicos, dentre outros. Um partido
vocacionado para o poder precisa se dispor a compreender as
transformações em curso para oferecer sua interpretação, suas ideias e
seu programa para o país.
Desafio dessa envergadura remete à necessidade de reunir o melhor da intelligentsia
nacional e internacional e dialogar com muitas outras instituições e
segmentos que se debruçam sobre essa agenda na perspectiva de disputar
intelectualmente os rumos do país. Uma das principais lições a aprender
da crise pela qual passamos é que passou o tempo de responder a dilemas
estratégicos com respostas táticas de curto prazo.
Fortalecer os laços com os movimentos, organizações, partidos e governos progressistas de outros países
A troca de experiências, as estratégias comuns de atuação e
a conformação de um programa internacional de lutas em temas como a
taxação internacional de transações financeiras, o combate aos paraísos
fiscais, a reforma das organizações multilaterais, a internacionalização
dos direitos básicos dos trabalhadores, a universalização das políticas
de distribuição de renda, a solidariedade às vítimas de desrespeito aos
direitos humanos devem voltar a ser uma agenda de trabalho prioritária
do PT. Não existe saída nacional sem articulação global das lutas
sociais com a reforma das instituições governamentais e econômicas.
A uma direita transnacional e antinacional se deve
contrapor uma atuação internacional com pautas unificadas e ação
combinada, sobretudo no campo programático, formativo e da comunicação.
Agora é a hora, ou “PT, saudações”
O PT vive um momento crucial. Boa parte das mudanças
necessárias são certamente viáveis justamente porque a própria
conjuntura se encarregou de torná-las não apenas as melhores, mas, em
alguns casos, as únicas opções possíveis.
O PT beijou a lona, desceu ao chão. Antes que uma parte
ainda mais expressiva de seus simpatizantes e de sua militância lhe
deseje “PT, saudações”, é hora de se colocar de pé, levantar a poeira e
voltar a caminhar de cabeça erguida. Mas este não é um exercício que
demande apenas vontade política. Exige resgatar o caráter civilizatório
de seu ideário e a ousadia e a dignidade que marcaram historicamente a
trajetória das esquerdas.
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