O presidente norte-americano decidiu manter em funcionamento os tribunais militares especiais, adiou o encerramento de Guantanamo e impediu a divulgação de fotos de torturas praticadas nos cárceres ilegais dos EUA, seguindo, também nesta matéria, a doutrina da anterior administração.
Dois dias depois de tomar posse, a 20 de Janeiro deste ano, Barack Obama anunciava, com amplo entusiasmo mediático, a suspensão da actividade dos tribunais militares especiais e garantia, para os primeiros cem dias de mandato, o encerramento do campo de concentração de Guantanamo.
Quanto ao cárcere situado na base naval norte-americana, o 44.º presidente da América do Norte disse, domingo, 11, em entrevista à cadeia de televisão ABC, que tal «é muito mais difícil do que as pessoas possam imaginar». A cínica declaração – na linha da salazarenta frase «se soubessem quanta custa governar, todos vós preferiríeis ser governados» - não foi, no entanto, a única a demonstrar que as promessas de justiça e transparência, propagandeadas por Obama aquando da corrida para a Casa Branca, se revelam vãs, e que as suas políticas, na hora da prova dos nove, estão cada vez mais semelhantes às de Bush.
Na semana passada, Obama decidiu igualmente relegitimar a acção dos tribunais instituídos por Bush para julgar os suspeitos de terrorismo. O presidente bem se desdobrou em divulgar alterações no funcionamento dos tribunais especiais (proibição de apresentação de confissões obtidas sob tortura ou limitação no uso de declarações ouvidas de terceiros, por exemplo), mas estas não só carecem de aprovação futura pelo Congresso, como são manifestamente insuficientes face a um sistema judicial que o próprio Obama qualificou como «um fracasso» durante a campanha eleitoral.
Reagindo a esta decisão, a União Americana de Liberdades Civis (ACLU, na sigla inglesa) manifestou-se desapontada e teceu fortes críticas ao executivo Democrata, considerando que «Obama procura revitalizar um sistema falido em vez de determinar o seu fim».«Não há nenhum detido em Guantanamo que não possa ser julgado nos tribunais federais», defendeu a organização.
Recorde-se, ainda, que para a administração Obama os prisioneiros de Bragam, o maior cárcere do Afeganistão, também não estão abrangidos pelos direitos constitucionais norte-americanos.
Fotos ocultadas
Acresce ao rol de acontecimentos que fazem cair por terra a imagem messiânica cultivada em torno do presidente dos EUA, o facto de Obama ter bloqueado, sexta-feira, 15, a divulgação de 44 fotografias que ilustram as torturas perpetradas pelos serviços secretos e as forças armadas norte-americanas, entre 2001 e 2006, no Iraque, Afeganistão e em vários centros de detenção ilegais que Washington tem espalhados pelo mundo.
Os tribunais federais decidiram que as referidas imagens, parte de um acervo de cerca de duas mil fotos em poder do Pentágono, tinham de ser divulgadas, dando razão à acção interposta pela ACLU há cinco anos atrás. Mas Obama discorda e ordenou ao Departamento de Justiça que volte aos tribunais e lute pela sua ocultação.
As altas esferas políticas e militares da Casa Branca entendem que a exposição pública das referidas fotografias colocaria em perigo os militares dos EUA que operam nos vários «teatros de guerra», e argumentam que estas poderiam fomentar um sentimento antiamericano, mas para a ACLU o conhecimento das fotos é um passo para que tais atrocidades não se voltem a repetir.
A associação sublinha também que quando as fotos foram desbloqueadas «o ultraje recairá não só sobre a prática de tortura pelo governo Bush, mas sobre a cumplicidade da administração Obama em encobri-la».«A adopção pela administração Obama das tácticas de bloqueio e políticas opacas da administração Bush é um insulto ao declarado desejo do presidente em restabelecer o Estado de direito, reavivar nossa [dos EUA] reputação moral no mundo e liderar um governo transparente», concluiram em nota citada pelo vermelho.org.br.
Também a insuspeita Amnistia Internacional reagiu à decisão afirmando que «agora, o governo Obama ignora sua obrigação legal de permitir a publicação dessas fotos de torturas, o que ajudaria os americanos a compreender a magnitude dos abusos cometidos em seu nome. Essa decisão não faz mais do que confirmar a necessidade urgente de realizar uma investigação que exponha e persiga judicialmente as torturas cometidas para que finalmente essa página possa ser virada».
Finalmente, a respeito das torturas infligidas a prisioneiros em poder dos EUA e dos conhecedores de tais práticas, importa registar que o director da CIA, Leon Panetta, e a presidente democrata da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, envolveram-se, no final da semana passada, numa acesa troca de argumentos. Pelosy alega que a CIA enganou o Congresso dos Estados Unidos sobre os seus métodos de interrogatório, mas Panetta desmenta a aliada de Obama e insiste que as «técnicas avançadas» eram do conhecimento da maioria dos deputados, quer Democratas, quer Republicanos.
Como ninguém parece poder furtar-se às responsabilidades sobre os crimes cometidos, o caminho é, pelos vistos, obstaculizar a sua divulgação e conhecimento público na esperança de que o assunto caia no esquecimento. Não pela mão de Cheney, que bem recentemente voltou a defender a tortura como método legítimo na «guerra contra o terrorismo», mas pela mão de Obama, todos os dias menos capaz de manter sequer a ilusão de «mudança» que o levou à liderança da mais poderosa potência capitalista do mundo.
Crime que aguarda castigo
Outro caso que está a manchar a gestão de Barack Obama na Casa Branca é o dos bombardeamentos norte-americanos em Granai, no distrito de Bala Baluk, província de Farah, Afeganistão. Não obstante, os Democratas não desistem da chamada «nova estratégia» para o território invadido em 2001, e ainda na semana passada propuseram aos parlamentares a aprovação de um reforço financeiro para o esforço de guerra no Iraque e Afeganistão.
O número de vítimas civis em Bala Baluk – sabe-se agora, na sua maioria mulheres e crianças – pode nunca vir a ser cabalmente apurado, como refere a reportagem assinada por Carlotta Gall e Taimoor Shah, publicada no The New York Times e traduzida no vermelho.org.br, mas as atrocidades cometidas são evidentes e ninguém as deve abafar.
Segundo descrevem sobreviventes ouvidos pelos repórteres no terreno, «as bombas foram tão poderosas que desmembraram as pessoas atingidas».«”Havia pernas, ombros, mãos”», disse Said Jamal, um homem de barbas brancas e olhos húmidos, que perdeu dois filhos e uma filha, refere-se ainda no trabalho divulgado no NYT.
O recurso aos raides aéreos seguiu-se a horas de intensos combates entre ocupantes e insurgentes identificados como talibans. Gall e Shah também confirmaram que na localidade de Garnai os talibans se misturaram entre a população, como dizem as autoridades. Mas o que difere da versão oficial são os testemunhos dos habitantes afegãos, os quais asseguram que os bombardeamentos ocorreram após o fim da batalha e contra edifícios que albergavam apenas mulheres e crianças abrigadas do fogo ocupante.
Durante a troca de tiros entre grupos armados e soldados regulares nenhuma vítima civil foi contabilizada, dizem. Só depois da diminuição drástica da intensidade do conflito, e, admite-se, já depois da retirada dos milicianos taliban, é que os bombardeamentos recrudesceram, o que indica um uso desproporcionado da força, uma forma de punição colectiva contra uma população cuja capacidade de impedir a tomada de posições por parte dos talibans nas respectivas casas é nula, e uma violação da mais elementar regra de protecção dos civis em zona de guerra. Mais um crime das guerras do imperialismo que aguarda castigo.
Fonte:Avante.
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