Bill Clinton é nomeado novo Enviado de Nações Unidas para 'estabilizar' o Haiti, um país que ele ajudou a desestabilizar
Jeremy Scahill
Traduzido por Beatriz Morales Bastos/Rosalvo Maciel
O Secretário Geral das Nações Unidas Ban Ki-moon nomeou o ex-presidente Bill Clinton seu Enviado Especial das Nações Unidas ao Haiti (1). Segundo se informou, Clinton viajará ao país pelo menos quatro vezes por ano.
“É uma oportunidade de levar recursos para tratar a insegurança econômica que assola o Haiti”, afirma Brian Concannon (2), um advogado de direitos humanos que trabalha exaustivamente no Haiti. “Mas se a nomeação for algo mais do que um ardil publicitário, as Nações Unidas tem que lançar honestamente um raio de luz sobre o papel desempenhado pela comunidade internacional em criar a dita desestabilização, incluindo políticas comerciais e de dívidas injustas, e a destruição e derrubada do governo constitucional do Haiti”.
Lançar este raio de luz sobre os que criaram a desestabilização, como sugere Concannon, significaria examinar o papel que desempenhou o próprio Clinton como presidente de Estados Unidos durante um dos períodos mais horrivelmente obscuros do Haiti.
A agência de notícias Reuters (3) cita um diplomata que afirma que Clinton é “uma excelente escolha para ajudar a abrir as possibilidades do Haiti como um objetivo de investimento” e acrescentou que sua nomeação “poderia atrair o investimento na nação mais pobre do hemisfério ocidental e ajudar a estabilizar o país”.
Esta última afirmação de “estabilizar” o Haiti seria cômica pelo irônico se a realidade e a historia de Clinton no Haiti não fossem tão mortalmente sérias. O fato é que como presidente de Estados Unidos, as políticas de Clinton ajudaram sistematicamente a desestabilizar o Haiti.
Dan Coughlin, que nos anos noventa trabalhou vários anos como jornalista para Inter Press Service no Haiti, afirmou que não “podia crer” quando ouviu a noticia. “Dada a agressiva atividade da administração Clinton para prosseguir com as políticas que beneficiaram à muito reduzida elite do Haiti, ao FMI e às grandes corporações a expensas dos agricultores e trabalhadores urbanos do Haiti, a nomeação não augura nada bom para o tipo de mudança fundamental tão necessária em um país que tanto tem dado à humanidade”, afirmou Coughlin.
Em setembro de 1991 os Estados Unidos apoiou a violenta derrubada do governo haitiano, eleito democraticamente, do sacerdote de esquerda Jean Bertrand Aristide ao fim de menos de um ano no poder. Nas eleições presidenciais de 1990 Aristide havia derrotado ao candidato respaldado pelos Estados Unidos. Os chefes do golpe militar e seus bandos paramilitares de capangas assassinos apoiados pela CIA, incluindo as tristemente célebres unidades paramilitares FRAPH, eram conhecidos por esquartejar os seguidores de Aristide (e a outras pessoas), alem de uma série interminável de outros horríveis crimes.
Quando Clinton chegou ao poder tomou medidas em relação ao Haiti que permitiram ao regime golpista seguir arrasando o Haiti e desestabilizando ainda mais o país. E mais, em sua campanha para as eleições de 1992 Bill Clinton fez campanha com a promessa de revogar o que ele chamou de “cruel política do presidente George H.W. (Bush) de deter os refugiados haitianos em Guantánamo sem direitos legais nos tribunais estadunidenses”. No entanto, após sua eleição, mudou sua postura (4) e se posicionou ao lado da administração Bush ao negar seus direitos legais aos haitianos. Estes continuaram detidos em condições atrozes e o Centro para Direitos Constitucionais reclamou ao novo presidente democrata (lhe soa familiar?).
Enquanto Clinton e seus conselheiros expressavam em público sua consternação pelo golpe ao mesmo tempo se negavam a aprovar a rápida recondução do dirigente do país eleito democraticamente e, de fato, não permitiram a volta de Aristide até que Washington recebeu garantias de que, em primeiro lugar, Aristide não faria uma demanda judicial pelos anos de sua presidência perdidos em um exílio forçado e, segundo, os planos econômicos neoliberais estadunidenses se consolidassem por lei no Haiti.
“À administração Clinton se atribui o haver trabalhado para que Jean Bertrand Aristide voltasse ao poder depois de haver sido derrubado por um golpe militar”, afirma William Blum. “Mas, de fato, Clinton havia estado dificultando a volta em tudo o que pudesse e fez todo o possível para que os conservadores contrários a Aristide voltassem a desempenar um papel fundamental em um governo misto já que Aristide era demasiado de esquerda para o gosto de Washington”. O livro de Blum Killing Hope: US Military and CIA Interventions Since World War II [Matar a esperança:intervenções do exército estadunidense e da CIA desde a Segunda Guerra Mundial] inclui um capítulo sobre a historia do papel dos Estados Unidos no Haiti.
O fato de que se permitira que durante três anos completos continuara incólume o golpe contra ol presidente democraticamente eleito do Haiti a Clinton lhe parecia menos ofensivo que a visão progressista que Aristide tinha de Haiti. Como Blum observava em seu livro (5), “[Clinton] realmente não rechaçava a (líder do golpe Raoul) Cèdras e companhia já que estes não supunham uma barreira ideológica para que os Estados Unidos seguissem exercendo o controle econômico e estratégico do Haiti mantido durante mais de um século, à diferença de Jean-Bertrand Aristide, um homem que apenas há um ano antes havia declarado: “Sigo pensando que o capitalismo é um pecado mortal”.
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Blum acrescenta: “Ao ter que encarar afinal a volta ao poder de Aristide, Clinton exigiu e conseguiu (e então se assegurou de anunciar-lo publicamente) a garantia do presidente do Haiti de que não ia tratar de permanecer no cargo para compensar o tempo perdido no exílio. Clinton, evidentemente, chamou a isto “democracia” , ainda que representara uma legitimação parcial do golpe. De fato, os especialistas em Haiti afirmam que Clinton deveria haver devolvido a Aristide o poder antes de o que o fez em base a um acordo quase idêntico”.
Como assinala Blum, quando Aristide voltou finalmente ao Haiti, “a recepção de Jean-Bertrand Aristide foi uma celebração gozosa cheia de otimismo. No entanto, sem que soubessem seus seguidores, no momento em que estavam recuperando a Aristide poderiam ter perdido o aristidismo”.
Como informou então o Los Angeles Times, “em uma serie de reuniões privadas, altos cargos da administração (estadunidense) recomendaram a Aristide que deixasse sua retórica do bem-estar social (...) e tratasse em vez disso de reconciliar os ricos e pobres do Haiti. A administração também o obrigou a restringir-se estritamente à economia de livre mercado e a acatar a constituição da nação caribenha (que dá um substancial poder político ao parlamento ao mesmo tempo em que impõe estreitos limites à presidência). (...) Os altos cargos da administração obrigaram Aristide a contar com alguns de seus antigos oponentes para estabelecer seu novo governo, (...) ao estabelecer um regime de coalizão de ampla base (...). A administração deixou claro a Aristide que se não conseguisse alcançar o consenso com o parlamento, os Estados Unidos não apoiará seu regime. Quase cada um dos aspectos dos planos de Aristide para voltar a assumir o poder, desde tributar aos ricos até desarmar o exército, foram examinado por altos funcionários estadunidenses com os quais o presidente do Haiti se reúne diariamente e por altos funcionários do Banco Mundial, do FMI e outras organizações de ajuda. O pacote final reflete claramente as prioridades destes últimos. (...) Aristide, obviamente, baixou o tom da retórica da teologia da libertação e da luta de classes que eram sua marca antes de exilar-se em Washington”.
“Enquanto Bill Clinton supervisionava a volta do presidente Aristide em 1994, também punha uns estreitos limites ao que Aristide poderia fazer uma vez recuperado o poder”, afirma Bill Fletcher, Jr, diretor executivo da BlackCommentator.com e o último presidente do Foro Trans-África. “Clinton promoveu uma agenda neoliberal para o Haiti, com o que minou os esforços de uma administração populista progressista (a de Aristide). Não há razões para pensar que (como Enviado das Nações Unidas) o ex-presidente Clinton vá introduzir ou apoiar esforços para que de maneira radical o Haiti deixe de estar sob domínio estadunidense e para acabar com a pobreza que tem sido uma importante conseqüência desta triste dominação”.
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(1) http://www.miamiherald.com/news/americas/haiti/story/1054866.html
(2) http://www.ijdh.org/
(3)http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2009/05/18/AR2009051802539.html
(4)http://www.opendemocracy.net/globalization-institutions_government/guantanamo_haiti_2867.jsp
(5) http://www.killinghope.org/bblum6/haiti2.htm
Original em Rebel Reports/Rebelión
Fonte:Blog O Velho Comunista.
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